O julgamento de Lula e o futuro

A falta de provas materiais – tudo foi baseado em delações de pessoas que buscavam se safar da Justiça – não impediu que a acusação fosse mantida e a pena aumentada.

Por Elaine Tavares*

O julgamento do ex-presidente Lula em segunda instância, realizado em Porto Alegre no último dia 24 de janeiro, não apenas confirmou o veredito dado na primeira instância como aumentou a pena de nove para 12 anos de reclusão. As acusações dizem respeito ao esquema de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, tanto no caso da Petrobrás como de empreiteiras. Segundo o Ministério Público, que apresentou a denúncia, Lula teria recebido imóveis e outras benesses, fruto de corrupção. Também é considerado o chefe de todo o processo de corrupção envolvendo o chamado “petrolão”, que investiga desvio de fundos da Petrobras. O recurso apresentado pela defesa de Lula foi negado pelos três desembargadores que conformam o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

A movimentação de militantes do PT e apoiadores de Lula durante o julgamento foi precedida de muita tensão. Enquanto o partido de Lula indicava que iria “invadir” Porto Alegre, a cidade se preparava para uma batalha. O prefeito da capital gaúcha chegou a entrar com um projeto de lei na Câmara de Vereadores, buscando impedir a aproximação dos manifestantes da sede do TRF4. A lei foi aprovada e no dia do julgamento quase quatro mil policiais faziam o patrulhamento da cidade, com a ajuda, inclusive da Guarda Nacional. Nas semanas que antecederam o julgamento as redes sociais ferveram. A rede de ódio ao PT cresceu e se manifestou sem trégua, bem como os militantes petistas também provocavam. A forma como a repressão se preparou para o dia 24 antevia uma batalha campal na cidade.

Não foi o que aconteceu.

lulajulgamento1Já no dia 23 os militantes em apoio a Lula chegavam ordenadamente à Porto Alegre. Montaram um acampamento na região do Anfiteatro do Por do Sol, na beira do rio Guaíba, e ali foram recebendo os visitantes que vinham de outros estados. O MST veio em grande número, como sempre organizado.

Chegaram caravanas de vários lugares do país, dos estados mais distantes. E, ao final do dia, um ato com a presença de Lula contabilizou entre 80 a 100 mil pessoas. Um número considerado baixo pelo tamanho da campanha realizada. Ainda assim foi um dos maiores atos realizados em Porto Alegre nos últimos tempos. A caminhada que seguiu pelas ruas da cidade foi tranquila e festiva. Não houve confrontos e tudo se deu na mais absoluta calma.

Quando o dia 24 amanheceu tudo seguia dentro da ordem. Os manifestantes se postaram nos limites impostos pela polícia e o prédio do Tribunal permaneceu totalmente isolado, com barreiras por terra, pela água e pelo ar. A polícia seguia esperando um estouro popular. Os três desembargadores responsáveis pela decisão do recurso se mantiveram discretos, sem aparições na mídia, mas pelo perfil de cada um, exposto em todos os jornais do país, já era dado como certo o resultado de 3 x 0 contra Lula.

Tanto que uma das maiores redes de televisão do país, a Bandeirantes, divulgou por volta das 10 horas da manhã, ainda durante a fala do advogado de defesa do ex-presidente, o resultado final, expondo na tela: por maioria absoluta Lula é condenado. As manchetes já estavam prontas. Não haveria novidade. A única incógnita era o povo reunido na capital gaúcha.

O julgamento de Lula foi só mais um espetáculo com final conhecido. As frágeis convicções da acusação, que nunca apresentou provas concretas, seguiam fortalecidas e as argumentações da defesa permaneceram rituais. Nenhum dos desembargadores estava ali para ser convencido. Eles faziam parte do tal pacto proposto por Romero Jucá, quando tramou, com o então vice Temer, a destituição de Dilma e o acerto de um acordo, “com o Supremo, com tudo”.

Assim, os votos dos desembargadores foram, um a um, aceitando a tese do juiz Sérgio Moro sobre o tal tríplex do Guarujá e sobre um suposto envolvimento no desvio de recursos da Petrobras. A falta de provas materiais – tudo foi baseado em delações de pessoas que buscavam se safar da Justiça – não impediu que a acusação fosse mantida e a pena aumentada. Uma página verdadeiramente histórica para o judiciário brasileiro. Enfim, uma figura pública era tratada como são tratados, todos os dias, no chamado estado de direito burguês, os pobres e negros que abarrotam as cadeias. Basta uma única suspeita de culpa para encarcerar e tirar do meio social. Provas são irrelevantes. Logo, não houve novidade na ação do judiciário. O novo mesmo era o tipo de réu. Nesse caso, um réu incômodo demais para a classe dominante, que precisa ser tirado de circulação.

Dada a sentença, o que se viu em Porto Alegre foi uma espécie de anticlímax. As lideranças do ato público que se seguiu, conclamaram as gentes a calma, evitando qualquer tipo de manifestação mais raivosa. E confirmou-se o que já se previa. A aceitação ordeira da decisão. Alguns discursos inflamados, a informação de que o ex-presidente Lula seguirá utilizando os canais institucionais de recursos, apelando ao judiciário até onde for possível, e, por fim, a indicação de que todos voltassem para suas casas, esperando os próximos julgamentos. As pessoas voltaram para seus ônibus e retornaram para suas cidades.

No campo da oposição não petista ao governo golpista toda a ação envolvendo o julgamento de Lula foi igualmente protocolar. Os partidos de esquerda se limitaram a divulgar notas defendendo o direito de Lula concorrer à presidência e defendendo o que chamam de estado de direito, considerando assim o julgamento farsesco, visto que não há provas contra o ex-presidente e claramente tudo isso configura uma perseguição com a única finalidade de tirar Lula do páreo presidencial. Mas, apesar de todos saberem que o julgamento é uma farsa, ninguém quer se comprometer na defesa da pessoa de Lula, pois igualmente sabem que o ex-presidente, quando no poder, aliou-se à classe dominante, e tanto, que o próprio Lula diz em alta voz que nunca os ricos ganharam tanto quanto no seu governo. E é verdade. Por outro lado, o apelo à manutenção do “estado de direito” também é complicado, visto que o tal estado de direito é esse que conhecemos, o que enche as cadeias com pobres e pretos, desrespeitando cotidianamente o direito das gentes, utilizando uma polícia feroz e letal.

Assim que o Brasil segue vivendo um drama de complicada resolução. O país está sendo desmantelado, vendido a preço de banana, sem reação popular massiva. Os direitos trabalhistas foram destruídos. A previdência seguirá pelo mesmo caminho e os gastos públicos estão congelados. As lutas que acontecem são pontuais e corporativas. Não há qualquer organização de trabalhadores que esteja organizando uma reação unificada e nacional. Lula ainda é o nome de maior apelo popular, e insiste em apostar suas fichas na eleição do ano que vem. Para tanto seguirá interpondo recursos na Justiça. Ele contava com a lentidão tradicional do judiciário, mas no seu caso, isso não tem acontecido. De qualquer forma, pelo que se viu no pós-julgamento do dia 24, esse seguirá sendo o caminho. Dentro da ordem, sem rugosidades para o sistema.

Nas demais organizações e partidos de esquerda o que se observa é também a preparação do caminho para a disputa eleitoral. Tudo segue conforme o ritual “democrático” do estado burguês.
Enquanto isso, na vida mesma, as gentes vão se defrontando com a realidade cada vez mais precária.

Doenças endêmicas crescendo, hospitais sem condições de atendimento, escolas fechadas, ensino precarizado, destruição de postos de trabalho, desemprego crescente, trabalho intermitente, fim do amparo legal na luta contra a exploração. A vida ladeira abaixo, num salve-se quem puder. Boa parte espera um “salvador” e possivelmente a classe dominante haverá de criar um, com o auxílio sempre oportuno da mídia comercial.

Aos lutadores resta o mesmo velho trabalho de sempre que se baseia no sistemático processo de organização popular, com informações sobre a realidade e com a construção coletiva de outra forma de organizar a vida. Uma forma fincada não nesse “estado de direito” que tão bem serve aos grupos de poder, mas num “estado de justiça”, controlado pela maioria, capaz de dar as respostas radicais transformadoras que as gentes querem e esperam.

*Elaine Tavares é jornalista.

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