Ano novo, vida nova!

2015 deixou o cenário sem dar satisfação a ninguém. Não tomou conhecimento do rombo do “déficit público” e tampouco se dignou saldar suas dívidas. Ignorou a queda do PIB, a cotação do dólar, o sobe e desce da bolsa de valores, o preço do petróleo, a taxa de desemprego, as turbulências políticas, enfim, todos os índices desfavoráveis ao seu desempenho.

Por Alfredo J. Gonçalves*

- É o 2015, segura firme, não deixa escapar!...

Tentou pegá-lo pela ponta do rabo... Mas, liso e viscoso como raposa velha, lhe escorregou entre os dedos. Espavorido pela explosão de luzes, pelo fragor dos fogos e pelos gritos da multidão em festa, diluiu-se no meio da noite. Desapareceu como se tivesse sido engolido pela escuridão. Ou como se as entranhas da terra o tivessem irremediavelmente tragado.

Deixou o cenário sem dar satisfação a ninguém. Não tomou conhecimento do rombo do “déficit público” e tampouco se dignou saldar suas dívidas. Ignorou a queda do PIB, a cotação do dólar, o sobe e desce da bolsa de valores, o preço do petróleo, a taxa de desemprego, as turbulências políticas, enfim, todos os índices desfavoráveis ao seu desempenho. Do mesmo modo, fez ouvidos moucos sobre expectativas que há 365 dias lhe pesavam sobre os ombros e nem sequer se esforçou para cobrir os buracos das ruas... Simplesmente sumiu!...

feliz2016Foi então que se ouviu um insistente vagido: ainda frágil, sem dúvida, mas com força suficiente para repetir-se por várias vezes. Era 2016 que nascia e dava seus primeiros sinais de vida!... Difícil descobrir a origem desses primeiros sons, afinal, quem é a mãe dos anos? O tempo, mesmo exibindo seu lado masculino? Problema de gênero, com muitas interrogações e poucas respostas.

Os anos, como os animais e diferentemente dos humanos, a bem dizer, já nascem de pé. Foi assim que 2016 titubeou de cá para lá, abriu os olhos meio embaçados, sacudiu a cabeça como a cumprimentar os presentes... Depois, cambaleando um pouco, ergueu-se, firmou-se nas pernas e, sem mais, torcendo-se de um lado para o outro, pôs-se a caminhar...

Da mesma forma que os anos anteriores, vinha carregado de promessas: acompanhadas por toda sorte de música, comida, bebida e vivas, multidões eufóricas em todas as cidades do planeta jogavam-lhe sobre as costas seus desejos e sonhos, suas esperanças e boas intenções. Tão novo, recém-nascido, e já tão sobrecarregado, como se tivesse nascido velho. Afinal ano novo reclama vida nova!
Nos cumprimentos intercambiados de “Feliz Ano Novo”, o fio condutor vem tecido pelo termo paz . Palavrinha de apenas três letras e de tão calorosas expectativas! Está em jogo, sem dúvida, um dos anseios mais profundos do ser humano: paz consigo mesmo, com os familiares e com os vizinhos; paz em casa, na rua e no trabalho; paz na cidade, no país e no mundo...

Mas a paz implica duas coisas: justiça social e ausência de armas. O que significa responder a algumas perguntas incômodas. Como e de onde nascem as assimetrias socioeconômicas cada vez mais nítidas e profundas? Como e de onde nascem as injustiças e desigualdades crescentes? Assimetrias, injustiças e desigualdades entre blocos de nações, entre países centrais e periféricos, entre regiões de um mesmo país, entre habitantes de uma mesma localidade e até dentro do mesmo parentesco.

Depois, como e de onde vem o rompimento com a paz? Em termos imediatos, de quem causa distúrbios, nutre inimizades, destila tensões e conflitos, provoca confrontos... E busca a todo custo o enfrentamento, a violência, a guerra... E dispara, fere, mata!...

Em termos remotos, porém, perguntas mais inquietantes também esperam respostas. Quem fatura com a produção e comercialização das armas? Quem incrementa, por exemplo, o comércio de metralhadoras, fuzis e outras máquinas de matar, de grosso ou leve calibre, com a respectiva munição? Quem, além disso, faz fortunas com o tráfico inextrincável de armamentos, drogas, órgãos e seres humanos – hoje as maiores fontes de lucros e acúmulo de capital?

Roma, 31 de dezembro de 2015.

*Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro e Vigário Geral dos Missionários de São Carlos.

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