Esse é o nosso país

Selvino Heck *

Este é um tempo estranho. Estes são tempos estranhos. Às vezes, bate a desesperança, um olhar meio sem horizonte. Mas aí a gente descobre coisas, fatos, acontecimentos, e vê que não é pra tanto. Há résteas por onde passam a lucidez e o futuro.

Ainda não pude ver "Que horas ela volta?", filme de Anna Muylaert, elogiado por todos e com prêmios nos festivais de Berlim (melhor filme da mostra Panorama) e Sundance (melhor atriz da seção World Cinema, dividido entre a jovem atriz Camila Márdila e a veterana Regina Casé).

O filme conta a história de uma pernambucana, Val (Regina Casé), que deixa a filha Jéssica (Camila Márdila) em sua cidade natal para trabalhar em São Paulo na casa de uma família de classe média alta. Lá, obedece a uma lógica passiva só abalada quando a filha chega para fazer vestibular. Segundo Anna Muylaert, "o filme é a tentativa de mostrar o poder dessas figuras invisíveis. Aprendemos na escola que apenas os poderosos escrevem a História, e esse poderoso é sempre o homem, que valoriza determinados aspectos como o poder. O filme só poderia existir agora. Há 30 anos, ele seria uma comédia rasgada, em que as pessoas não seriam tocadas".

Para a jovem atriz Camila Márdila, "a Jéssica é uma heroína do mundo real. É nordestina, pobre, foi abandonada pela mãe, vive uma condição de resistência. Ainda assim, é uma força positiva. Representa uma visão política e social que tem sido mais possível no nosso contexto atual".

Enquanto estreia ‘Que horas ela volta?', o ex-presidente Uruguaio Pepe Mujica esteve no Brasil. Reuniu e falou para milhares de jovens na Concha Acústica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E dizem por aí que a juventude não gosta de políticos e de política! Há uma foto fantástica retratando o acontecido. Pepe, camisa azul, calça branca, de costas e braços abertos para a multidão de jovens, estes mãos levantadas em direção a ele (e não era para tirar foto no celular), sendo saudado em clima de celebração e utopia.

Melhor ainda são as frases do jovem Pepe aos jovens brasileiros. "Recebam vocês o meu agradecimento. Tenho 80 anos, mas uma vez fui jovem. A minha geração não conseguiu, mas vocês têm que seguir levantando a bandeira da igualdade. Meus queridos, ninguém é melhor que ninguém. Tenho que agradecer a sua juventude pelas recordações e tantos estudantes que foram caindo pelos caminhos de nossa América Latina. Vocês têm que seguir levantando a bandeira. Na vida temos que defender a liberdade. E ela não se vende, se conquista. Fazendo algo pelos outros. Isto se chama solidariedade. E sem solidariedade não há civilização. Os estudantes têm que se dar conta que não é só uma mudança de sistema, é uma mudança de cultura, é uma cultura civilizatória. E não tem como sonhar com um mundo melhor se não gastar a vida lutando por ele. Temos que superar o individualismo e criar consciência coletiva para transformar a sociedade. Sem a força coletiva, não somos nada."

Aí começo a sonhar. Nada está perdido, mesmo em meio à selva de ódio e intolerância que anda se espalhando pelo mundo e também pelo Brasil.

Brasília traz uma resposta animadora. "No DF, militantes se unem contra o conservadorismo" (www.cartamaior.com.br). Pelo menos uma segunda por mês, mais de centena de pessoas reúnem-se em praça pública, na 202 Norte, em frente ao Balaio Café, para "pensar estratégias de atuação contra a escalada autoritária e a retirada dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, neste momento delicado em que se assistem tentativas diárias de desmonte dos direitos constitucionais e ataques às conquistas sociais" (Patrick Mariano, um dos organizadores do Okupa Praça do Balaio, idealizado pela Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares, RENAP). O último tema discutido foi ‘Democracia, poder punitivo e efetivação da cidadania'. Depois, virão reforma política, direito à cidade, violência contra a juventude pobre e negra, auditoria da dívida e política econômica.

Ou seja, nestes dias em que se celebra o que se diz ter sido a independência do Brasil, é hora de lembrar, e cantar, um hino cantado a plenos pulmões em marchas, mobilizações, acampamentos, Cirandas, do Zé Pinto. "Queremos que abrace essa terra/ por ela quem sente paixão,/ quem põe com carinho a semente/ pra alimentar a nação./Amarelos são os campos floridos,/ as faces agora rosadas./ Se o branco da paz se irradia,/ vitória das mãos calejadas./ Queremos mais felicidade/no céu deste olhar cor de anil,/no verde esperança sem fogo,/ bandeira que o povo assumiu./ A ordem é ninguém passar fome,/ progresso é o povo feliz./ A Reforma Agrária é a volta/do agricultor à raiz./ Esse é o nosso país,/essa é a nossa bandeira./ É por amor a essa pátria Brasil/ que a gente segue em fileira."

* Selvino Heck é Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República.

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