Frei Tito, testemunha do fim do mundo

Marcelo Barros *

Nesta 4a feira, 11 de agosto, muita gente teme que o mundo se acabe. Como ocorre nos eclipses solares, a lua passa entre o sol e a terra. Sua sombra desloca-se sobre a terra e o dia se escurece. Dessa vez, no momento do eclipse, o sol, a lua e a terra formam com Urano e Saturno uma grande cruz no céu. Para muitos, essa "cruz cósmica" é sinal do final de tudo.

Fim do mundo" é expressão popular. Uma revista de humor conta que, no bar, o garçom avisa: "A cerveja acabou", um cliente desabafa: "É o fim do mundo!". No Brasil, o povo vive situações de "fim de mundo". A sociedade se organiza em função de uma minoria. A vida parece não ter mais valor e a injustiça tornou-se "normal". O país inteiro é privatizado. Educação e saúde são privilégio de poucos. Governantes mostram claramente não ter compromisso com a Ética e ACM propõe um imposto a mais para resolver o problema da pobreza. O cinismo foi até aonde podia ir.

Na Bíblia, a crença no final do mundo surgiu como promessa de esperança para os pobres injustiçados. Os profetas anunciavam a proximidade do "Dia do Senhor" como uma intervenção divina na história assegurando a vinda do Reino de Deus e sua justiça. Para testemunhar essa vinda do Reino, alguns deram a vida. Nesses últimos anos, nós também, na América Latina, tivemos muitos mártires, testemunhas do Reino da vida em um mundo de morte e destruição.

Nesta 3a feira, 10 de agosto, em São Paulo, uma grande celebração reúne a ordem dominicana, amigos e comunidades cristãs para lembrar os 25 anos do martírio de Frei Tito de Alencar. No Brasil, muita gente revive a memória desse jovem frade, vítima da ditadura militar, até hoje nunca julgada.

Frei Tito nasceu em Fortaleza (1945), foi líder estudantil e tornou-se frade dominicano. Em 1969, com outros três irmãos, foi preso como subversivo. Foi cruelmente torturado por oficiais do Exército. Sofreu tantas torturas físicas e psicológicas que, mesmo quando, mais tarde, foi exilado para o Chile e de lá transferiu-se para a Itália e para a França, nunca conseguiu livrar-se da imagem do torturador. Acabou se suicidando em 1974. Na sua Bíblia, tinha escrito: "É melhor morrer do que perder a vida". O seu gesto extremo revela alguém que lutou toda a vida pelo fim de um mundo que até hoje ainda precisa acabar. Contraditoriamente, é profecia do Reino da vida. Celebrando a memória desse martírio, podemos colaborar para que, na nossa vida e nas estruturas do mundo, aconteça logo o fim desse modo de organizar o mundo e o começo de um novo tempo de justiça e inclusão social.

Em seu exílio na França (1972), Tito escreveu um poema que, hoje, Frei Betto, seu irmão e companheiro, na prisão e no testemunho do Reino de Deus, nos convida a orar:

"Quando secar o rio da minha infância, secará toda dor/ Quando os regatos límpidos de meu ser secarem, minha alma perderá sua força./ Buscarei, então, pastagens distantes, lá onde o ódio não tem teto para repousar./ Ali, erguerei uma tenda junto aos bosques./ Todas as tardes me deitarei na relva/ e nos dias silenciosos, farei minha oração./ Meu eterno canto de amor: / expressão pura de minha mais profunda angústia./ Nos dias primaveris, colherei flores/ para meu jardim da saudade./ Assim, exterminarei a lembrança de um passado sombrio."

* Marcelo Barros escreveu este texto por ocasião dos 25 anos do martírio de Frei Tito, em 1999. Ele é monge beneditino e escritor.

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