Vidas esquecidas, água assassinas

Alfredo J. Gonçalves *

De janeiro até o final de abril de 2015, mais de 33 mil migrantes cruzaram as águas do mar Mediterrâneo, desembarcando no sul da Itália. O número já é superior aos 24 mil que fizeram o mesmo no decorrer de todo o ano de 2014. Boa parte dos que deixaram a outra margem, entretanto, jamais chegou a colocar os pés no velho continente europeu. Centenas e milhares perderam a vida em naufrágios cada vez mais frequentes nessa "aventura" perigosa e dramática.

Entre esses milhares de migrantes (refugiados, prófugos, fugitivos...) - provenientes do Iraque, Síria, Afeganistão entre outros países do Oriente, como também da Eritréia, Etiópia, Egito, Nigéria, Tunísia Líbia e outros países da África - vem crescendo progressivamente o número de mulheres e crianças. Destas últimas, não poucas deixaram para atrás de si os pais falecidos. Filhos órfãos, sós e perdidos da pobreza e da miséria, da violência e da guerra.

Ontem, 7 de maio de 2015, foi encontrado no fundo do mar o barco que afundou há algumas semanas com cerca de 800 pessoas a bordo. Segundo a Guarda Costeira italiana, e de acordo com as imagens fornecidas pelo submarino robô, a nave "parecia cheia de corpos". Imagem viva do desespero que marca essa fuga da morte e essa busca por uma vida cada vez mais distante.

Nessas "águas assassinas", quantos sonhos se despedaçam, terminam em pesadelo! Além da pobreza e da violência como fatores de expulsão, não podemos ignorar a prática do "tráfico de seres humanos" por parte de traficantes oportunistas, audaciosos e sem escrúpulos. Muitos deles, aliás, vêm sendo identificados e detidos pelas autoridades de ambos os lados.

Tampouco podemos ignorar a "globalização da indiferença", para usar a expressão do Papa Francisco. O governo central italiano promoveu uma tentativa de dividir os esforços da acolhida com todo o território nacional, mas a proposta foi rejeitada por alguns municípios e regiões. Simplesmente não querem saber da possibilidade de receber os migrantes, ainda que em pequenas quantidades.

Quanto aos demais países da Europa, sobram discursos, encontros e promessas. Mas falta empenho e faltam gestos concretos. Visivelmente transparece o medo e a aparente ameaça que representariam "esses estrangeiros intrusos" - numa atmosfera que lembra a ideologia da segurança nacional, herança maldita dos regimes de exceção e dos tempos da guerra fria.

Do ponto de vista da opinião pública e da mídia em geral, é preocupante a confusão que se faz entre o fenômeno migratóro, de um lado, e, de outro, os distúrbios de ordem social e o terrorismo internacional. Cresce a ideia da criminalização da mobilidade humana. Migrar converteu-se num delito - dizem não raro, embora com palavras e argumentos sofisticados e oblíquos, alguns expoentes da política, da comunicação social e de entidades da sociedade civil.

Enquanto isso, prossegue a travessia, prosseguem os naufrágios e sobe o número de mortos e desaparecidos!...

Roma, 08 de maio de 2015

* Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro Geral e Vigário dos Missionários de São Carlos.

Fonte: Revista Missões

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