Mediterrâneo: após um ano da tragédia em Lampedusa, travessias continuam sendo mortais

ACNUR

A Agência da ONU para Refugiados divulgou na última semana novos dados sobre travessias irregulares pelo Mediterrâneo no terceiro trimestre do ano. Eles mostram um aumento alarmante no número de pessoas que morrem ao tentar fazer a viagem para a Europa.

Os números aumentaram substancialmente em termos absolutos e percentuais. "Ao todo, 90 mil pessoas foram para a Europa entre 1º de julho e 30 de setembro e, pelo menos, 2.200 perderam a vida em comparação com 75 mil pessoas viajando e 800 mortes entre 1º de janeiro e 30 de junho. Em outras palavras, uma pessoa que fez a viagem no primeiro semestre do ano teve 1,06 % de chance de perder a vida, enquanto a chance no terceiro trimestre mais do que dobrou para 2,4 %", disse a Agência da ONU para Refugiados.

Ao todo, 165 mil pessoas fizeram a travessia de janeiro a setembro de 2014, em comparação com as 60 mil do ano passado - tornando 2014 um ano recorde que reflete o nível de desespero das pessoas que deixam as regiões de conflito.

Diante dos riscos, o ACNUR reiterou seu apelo para a Europa comprometer mais recursos para realizar resgates no Mediterrâneo e intensificar esforços para dar alternativas legais às viagens perigosas. "A resposta coletiva deve ser manter a capacidade de resgatar pessoas e ampliar as alternativas seguras de viagem para os refugiados em busca de proteção na Europa. Se a Europa falhar nesses esforços, muito mais vidas serão perdidas, e desastres como o de Lampedusa, há um ano, se tornarão mais e mais comuns", disse a agência.

"Não estamos prestando atenção às lições de Lampedusa, em outubro do ano passado, e mais refugiados estão morrendo afogados tentando chegar a um lugar seguro. Países da UE devem trabalhar juntos para fortalecer a tarefa vital de resgatar pessoas ao mar - que tem sido quase sempre realizada pela operação Mare Nostrum, da Itália, e também por navios comerciais", disse o Alto Comissário da ONU para Refugiados, António Guterres .

Embora as razões para o aumento tanto das travessias quanto das mortes este ano não sejam totalmente compreendidas, uma série de fatores parecem estar relacionados. Um deles é a situação na Líbia, porta de saída de muitas das pessoas que se arriscam no mar. Grupos vulneráveis, como solicitantes de refúgio e migrantes da África Subsaariana e Oriente Médio, estão sendo vítimas da insegurança.

"A Líbia deve desempenhar o seu papel no sentido de garantir o respeito aos princípios dos direitos humanos e do direito internacional, porque a aplicação fraca da lei é a permissão de que as redes de tráfico de pessoas precisam para prosperar", disse o comunicado do ACNUR. Também é evidente a superlotação dos barcos e botes, com casos de pessoas morrendo por asfixia a bordo ou viajando sem coletes salva-vidas.

A tragédia do último mês em Malta, onde cerca de 500 pessoas morreram quando um barco teria sido afundado por contrabandistas, deixou apenas 11 sobreviventes. Os poucos que sobreviveram passaram dias dentro da água assistindo, impotentes, familiares e amigos morrerem. O ACNUR declarou que, embora nem todas as pessoas que atravessam para a Europa estejam em busca de refúgio, os dados do terceiro trimestre mostram que a proporção de pessoas fugindo das guerras ou perseguições em seus países está crescendo. Requerentes de refúgio provenientes de dois desses países, Síria e Eritreia, representam quase metade das pessoas que tem feito a travessia desde 1º de julho. Embora esta seja apenas uma fração do total global de refugiados (cerca de 16,7 milhões de pessoas no mundo, em sua maioria acolhida por países que fazem fronteira com as zonas de guerra), representa, no entanto, crescimento no número de casos de refúgio.

Muitas das pessoas que fazem a travessia não possuem nenhuma maneira legal ou segura de chegar à Europa. "Alternativas devem ser encontradas com urgência para proteger as pessoas dos riscos de viajar com contrabandistas", disse o comunicado do ACNUR. As medidas podem incluir o aumento das cotas de reassentamento e acesso a vistos humanitários para as pessoas que fogem da guerra e perseguição, bem como políticas de gestão conjunta de fronteiras, envolvendo a UE e os países do norte da África, que não só considerem questões de segurança das fronteiras, mas também os direitos humanos e direitos dos refugiados.

O ACNUR também pede aos governos europeus que façam mais para facilitar a reunião familiar. Além disso, os Estados poderiam estabelecer planos de patrocínio privado e utilizar programas como o visto de estudante ou de emprego para beneficiar os refugiados. "Temos de encontrar melhores maneiras de permitir que essas pessoas desesperadas encontrem um lugar seguro. Elas passaram por experiências tão terríveis que muitos de nós nem conseguimos imaginar", disse Guterres.

Estes desafios não podem ser abordados por estados isolados, é necessária uma resposta europeia com base na colaboração entre os Estados e o apoio da UE para garantir recursos adicionais de recepção e assistência, assim como identificação de soluções para aqueles que necessitam de proteção internacional.

Fonte: www.acnur.org.br

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