Esvaziar o Iraque dos cristãos: um objetivo que o EIIL persegue há anos

Federico Cenci

O ano era 1840. A cidade italiana de Otranto era esmagada por um dos mais brutais massacres perpetrados na história por mão islâmica contra os cristãos. Morreram, em somente 18 dias de cerco pelo exército otomano, 813 pessoas que corajosamente se recusaram a renunciar à fé em Cristo. Neste dia 14 de agosto, aniversário do fim dessa chacina, a Igreja recordou os seus mártires.

E é impactante saber que, exatos 174 anos depois daqueles acontecimentos, em outra área do planeta, no Iraque, a história se repete.

Explodem nos jornais de todo o mundo as notícias da cruel perseguição que está afligindo dezenas de milhares de cristãos iraquianos e de yazidis, outra minoria do país, forçados a fugir das próprias cidades sitiadas pelos fundamentalistas que, sob a sigla do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), alimentam a intenção de estabelecer um califado baseado em rígidas e brutais interpretações religiosas.

Muitas pessoas já foram mortas, outras muitas ficaram feridas ou isoladas no Monte Sinjar, sem comida nem água, vendo de perto a ameaça da morte. Seguem-se apelos e mais apelos à paz por parte do papa e da Igreja, assim como convites à oração e ao comprometimento em atos concretos de ajuda.

Um encontro ecumênico de oração está programado para a próxima segunda-feira, 18 de agosto, no Egito. Estará presente mons. Philip Najim, procurador da Igreja caldeia junto à Santa Sé e visitador apostólico para a Europa. Neste período, ele é também o encarregado de administrar a diocese dedicada aos caldeus no Egito.

ZENIT conversou com ele por telefone.

ZENIT: Excelência, poderia nos falar sobre a iniciativa da qual o senhor vai participar no Egito?

Mons. Philip Najim: É uma resposta ao apelo do Santo Padre para rezarmos pela paz. Aderiram a ela todos os líderes das Igrejas cristãs presentes no Egito, para dar à assembleia um forte valor ecumênico. Nós vamos orar por todos os cristãos perseguidos no Oriente Médio, especialmente no Iraque.

ZENIT: Falando no Iraque, em 2009 o senhor declarou, a respeito da escalada de atentados, que estava em andamento um plano para expulsar os cristãos do país. É uma declaração que, infelizmente, se revelou profética...

Mons. Philip Najim: O que está acontecendo hoje não é surpreendente. Já faz anos que o Iraque está nas garras do terrorismo. Foi queimado um grande número de igrejas e foram mortos muitos cristãos em vários atentados. Eu me lembro que, em 2008, foi morto mons. Faraj Rahho, bispo de Mossul, além do secretário da diocese e de vários diáconos e sacerdotes caldeus. Nós não podemos nos esquecer, também, da tragédia da Igreja siro-católica de Saydat-al-Najat, onde um grupo de terroristas pertencentes ao EIIL massacrou a sangue frio 37 fiéis que estavam reunidos em oração. Estes episódios são uma prova de que a situação de hoje é o resultado de uma estratégia programada, desenvolvida ao longo dos anos para esvaziar o Iraque da presença de cristãos. Eu gostaria também de fazer um comentário...

ZENIT: À vontade!

Mons. Philip Najim: Esses terroristas interpretam a nossa fé pacífica de cristãos como um sinal de fraqueza. Mas eles estão errados, porque a nossa fé é um testemunho do fato de que nós acreditamos que a única arma para se construir uma sociedade baseada no bem é a oração e não a violência.

ZENIT: Como é que um grupo como o EIIL, que ninguém conhecia no Ocidente até poucos meses atrás, conseguiu tanta força?

Mons. Philip Najim: Falava-se do EIIL no passado como uma das muitas facções fundamentalistas que existem no Oriente Médio, composta por não muitos militantes. Hoje se estima que cerca de 20 mil homens façam parte do grupo. Este crescimento mostra que houve uma estratégia precisa, facilitada pelo fato de que o exército iraquiano fugiu de Mossul deixando os barracões cheios de armas. O EIIL se apropriou rápido desse butim, aumentando o seu potencial bélico.

ZENIT: Além desse aumento do poderio bélico, parece que o EIIL também conta com amplo apoio popular. O senhor tem a mesma impressão?

Mons. Philip Najim: Sem dúvida. O EIIL tem uma notável capacidade de arrebanhar os jovens, especialmente os mais desesperados, ou seja, aqueles que precisam de dinheiro, ou aqueles que são ameaçados de morte se não aderirem à organização. E eles usam o componente religioso, convencendo os novos adeptos de que os seus atos são feitos em nome do islã. É uma mensagem errada, porque os verdadeiros crentes muçulmanos sabem que Deus deu a vida ao homem e ela não pode ser tirada por outro homem. Esses dias, aqui no Egito, eu me encontrei com o grande imã da Universidade de Al-Azhar e disse a ele expressamente: "Excelência, se o EIIL não é o islã, se a Al-Qaeda não é o islã, se a Irmandade Muçulmana não é o islã, então o mundo quer ver os líderes do islã não só condenando, mas também proibindo a adesão dos islâmicos a esses grupos". Neste sentido, foi muito importante a declaração do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso, que afirma que não se pode usar a religião para justificar o terrorismo.

ZENIT: O senhor acredita que a intervenção norte-americana vai conseguir deter o avanço do EIIL? O patriarca caldeu Louis Raphael I Sako disse que é obrigação dos Estados Unidos, da União Europeia e da Liga Árabe "limpar a planície de Nínive dos extremistas islâmicos"...

Mons. Philip Najim: No passado, os Estados Unidos vieram para o Iraque só para proteger os seus próprios interesses, não para ajudar o povo. Em nome da democracia, eles intervieram no país em 2003 para libertá-lo de uma ditadura, mas o jogaram nas mãos dos terroristas. Por esta razão, eu concordo com o apelo do nosso patriarca e acho que os americanos têm hoje a responsabilidade de tomar medidas para resolver esta situação.

ZENIT: Qual é o nível de importância da criação de uma unidade política em Bagdá? O senhor confia no novo primeiro-ministro Al-Abadi?

Mons. Philip Najim: É dever de todo político defender a dignidade, a unidade e a vida do povo. Se você é incapaz de perseguir esse objetivo, tem que abandonar o papel que foi atribuído a você. Eu espero que o Iraque possa recuperar uma unidade política digna de representar todo o povo.

ZENIT: Como o senhor avalia a escolha do papa de enviar o cardeal Filoni como enviado pessoal ao Iraque?

Mons. Philip Najim: A presença do cardeal Filoni é muito importante. Eu acredito que o papa escolheu o homem certo como seu enviado pessoal, porque, no período da invasão americana, ele era o núncio apostólico no Iraque e sofreu junto com a população. Ele é uma pessoa conhecida e apreciada, capaz de dialogar tanto com os políticos quanto com os líderes religiosos das várias confissões. A escolha do papa é sábia, é uma forma autêntica de mostrar solidariedade para com os cristãos no Iraque.

Fonte: www.zenit.org

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