Espiritualidade em tempos de conflito

Egon Dionísio Heck *

Carlos Mesters partilhou com os missionários do Cimi, reunidos em sua XX Assembleia Geral, nos dias 4 a 8 de novembro em Luziânia (GO), importantes passagens da Bíblia que animam a vida e compromisso dos missionários junto aos povos indígenas. A expectativa dos participantes é de que esse fosse um momento de renovar os sonhos e realimentar a utopia, na resistência dos povos indígenas. Tempo de reanimar, juntar forças, regar as sementes e alimentar nossas esperanças.

Foi destacada a importância da Bíblia na vida, na partilha a partir do momento que cada um está vivendo e da conjuntura de conflito e luta em que nos movemos em nossa solidariedade com os povos indígenas. Esses povos vivem em imenso cativeiro há mais de 500 anos. Desintegração cultura, destruição da natureza, roubo das riquezas e sabedoria, são partes desse cativeiro. Solidários com esses povos, animados e iluminados pelos povos e pela Bíblia, se procura romper os grilhões do cativeiro. "A pior coisa que pode acontecer a um povo é perder sua memória. Perdendo a memória perde a identidade" afirmou Mesters.

Em vários momentos, foi ressaltada a importância da espiritualidade que brota do chão do conflito, alimenta a fé e o exemplo de Jesus de Nazaré, que se dá na ternura, no diálogo, no encontro e na consciência.

Mais de 80 missionários que trabalham junto aos povos indígenas em todo o país, se alimentaram desses dois dias de reflexão, silêncio e celebração. Partilhamos vidas e esperança, dores e sonhos, caminhos e lutas. Do cativeiro à libertação, uma importante releitura da Bíblia, da natureza até o ponto de chegada em Jesus "Jesus refaz o relacionamento humano na base, na ‘Casa'; Recupera a dimensão sagrada e festiva da Casa; Reconstrói a vida comunitária nos povoados da Galileia; Cuida dos doentes e acolhe os excluídos; Recupera igualdade homem e mulher; Vai ao encontro das pessoas; Supera as barreiras de gênero, religião, raça e classe".

Ficaram muitas perguntas que nos irão acompanhar e animar a continuidade de nossa missão: "Qual a falsa imagem de Deus que hoje está por detrás do sistema neoliberal e da lenta e progressiva secularização da vida dos últimos duzentos anos? Qual a imagem de Deus que estava por de trás da leitura errada da Bíblia legitimando a depredação da natureza? Qual a imagem de Deus que está por de trás do progresso da ciência? Muitos cientistas se dizem ateus. Talvez tenham razão, pois o Deus que eles dizem não existir de fato não existe. Saramago que se dizia ateu disse esta frase: "Deus é o silêncio do Universo; o ser humano é o grito que tenta interpretar o silêncio".Temos muito que aprender e recuperar na nossa caminhada solidária junto aos povos indígenas: "Temos que recuperar a criatividade e a capacidade de admirar. Nesse ponto, o povo da Bíblia dá lição em todos nós. Apesar de todas as suas limitações, eles souberam ler o Livro da vida. Souberam descobrir e cantar a beleza do Universo que revela o amor de Deus e a grandeza do Criador. Souberam verbalizar, partilhar e transmitir suas descobertas, enriquecendo as gerações seguintes. Os salmos são um dos exemplos mais bonitos.

Vamos construindo uma nova pastoral onde a gratuidade da presença amorosa e universal de Deus torna-se presente e conduz, destacando alguns aspectos, como "a ternura, o diálogo, o encontro e a consciência crítica".

Foram dois dias em que a maneira sábia e alegre da contribuição de Mesters, incorporando as reflexões sobre os povos indígenas e as lutas e desafios do Cimi, nas recentes e motivadoras palavras do papa Francisco, nos deram muito ânimo e a certeza de nosso compromisso junto aos povos indígenas.

* Egon Dionísio Heck, missionário do Cimi.

Fonte: Egon Dionísio Heck

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