A passagem de Bento para Francisco, ruptura ou continuidade?

Philippe de Saint-Germain *

As mudanças que o papa Francisco está operando na Igreja levantam questões legítimas. As respostas devem ser procuradas dentro da própria Igreja e não fora dela. O maior erro dos que modelam a opinião pública é a interpretação dos gestos e das atitudes do novo papa como meios para o desqualificar e esvaziar seus ensinamentos e os do seus predecessores. A ruptura implica sempre alguma destruição. O papa Bergoglio, como é denominado pela imprensa italiana, nunca se posicionou como alguém que quer interromper um processo de continuidade. Isso ele afirmou claramente e por dois motivos:

1. A verdadeira Igreja deve estar em permanente reforma. A reforma de Igreja não inclui rupturas com o passado, porque seu organismo está sempre vivo: as novas modalidades nascem do que já existe, sem o rejeitar plenamente (cf. Sacrossantum Concilium). O jeito de comando do papa Francisco não removerá a barraca para instaurar uma democracia, mas terá como objetivo substituir pessoas ou removê-las para as libertar de seus pesadelos humanos e burocráticos e valorizar melhor o essencial, levando a misericórdia de Deus aos mais pobres. A verdadeira mudança não se entende como demolição, mas como conversão. "A primeira reforma, diz o papa, é a conversão". E ainda: "a primeira reforma diz respeito à forma de agir; as reformas de estruturas e do administrar vêm em segundo plano".

2. O estilo é a pessoa humana. Os papas mudam e a diferença entre um e outro não mexe com a doutrina, mesmo no que se refere à dimensão moral. No que se refere à cultura da morte e à ditadura do relativismo, o cardeal Bergoglio nunca se posicionou contra os papas João Paulo II, nem contra Bento XVI. Ele até é mais radical dizendo: "a vida atual é marcada pelo relativismo. Tudo é permitido e todos podem cair na tentação de querer relativizar tudo até mesmo a verdade para não se sentirem incomodados".

Tanto João Paulo II como Bento XVI se revelaram como bons pastores da inteligência para ancorar o Concílio na Tradição e aí encontrar respostas adequadas para responder às demandas de seus contemporâneos. João Paulo II a esse respeito dizia: "deixem que os mortos sepultem os seus mortos, que o erro se autodestrua". E Bento XVI se revelou como um homem inteligente e rico em sabedoria coerente e compreensível.

Francisco agora se mostra como um pai próximo que nada quer inventar mas zela muito pelo diálogo com todos. "O que eu falei, falei... diz ele, mas tem que ser lido no seu contexto". Temos um pastor da "proximidade" e do "discernimento pessoal". "O nosso Deus não pode ser discriminado nem relativizado. A sua verdade é como um encontro de pessoas que se olham nos olhos, sem que ninguém perca sua singularidade, "é único". "Aceitamos as pessoas como elas são; e devemos ter a coragem de falar para elas a verdade".

A fé vivida deve ser "como um fogo que incendeia", ou seja, uma forma de testemunho de vida, em união com Jesus, como um sinal de contradição, um sinal da radicalidade do Evangelho como uma provocação profética, um "caminho na contramão dos valores deformados que, às vezes caíram num moralismo ideológico, fundado sobre a lei e preso às seduções da mundaneidade".

E se ainda temos dúvidas sobre o caminho da continuidade de Francisco sobre os predecessores, os ensinamentos e exemplos de vida espiritual nos falam por sim mesmos. Jamais os papas anteriores ousaram falar tão abertamente sobre o demônio e tão simplesmente sobre a piedade mariana. Estamos no terceiro milênio da continuidade da fé cristã, sem que os papas necessitem fazer rupturas, mas renovam para que a vida da Igreja seja uma Boa Nova.

* Philippe de Saint-Germain é responsável pelas matérias de "Liberdade Política" do jornal La Croix.

Fonte: www.lacroix.com

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