O caminho do despertar do Feminino Sagrado

Ana Cláudia Dutra*

A energia feminina tem inúmeras formas de expressões representadas pelas deusas das mais diversas culturas, que nada mais são do que símbolos das energias que formam a nossa personalidade e dão sentido às nossas experiências.

A nossa cultura ocidental tem como influências principais: os símbolos cristãos e àqueles da cultura greco-romana. Ambas as influências dão uma grande ênfase no aspecto masculino da divindade e na representação de Deus como Pai. A cultura cristã reverencia a figura feminina de Maria somente no seu aspecto maternal, deixando implícito que os outros aspectos do feminino são profanos.

A cultura grega, a princípio primitivamente era Matriarcal, com ênfase na Grande Mãe, gradativamente com o desenvolvimento da mitologia, Zeus, filho de Saturno e neto de Urano, o Pai do Céu, assume o comando do Olimpo e divindades femininas originárias das qualidades da Grande Mãe surgiram,assumindo posições "subordinadas" ao Pai Zeus.

Podemos nos perguntar o que esta história tem a ver com a nossa vida hoje? Como estes personagens considerados pertencendo a um mundo mítico antigo influenciam hoje nas nossas vivências como mulheres e homens?

Primeiramente temos que diferenciar masculino e feminino, respectivamente dos sexos correspondentes e considerá-los como qualidades energéticas pertencentes em maior ou menor grau a homens e mulheres inconscientemente. Simbolicamente falando uma das expressões do masculino é o Logos, a razão e do feminino o Eros, o Amor, porém como homens e mulheres, nós vivenciamos ambas as energias, a diferença está no sentido e na forma que cada um a vivencia.

Integrar estas polaridades dentro de nós é o grande ideal da autorealização, unir a Sabedoria ao Amor e a todas as outras características correspondentes ao masculino e ao feminino, como por exemplo: a força à suavidade, o corpo a alma, a matéria ao espírito é a meta do homem Universal plenamente consciente.

Quais os desafios que enfrentamos na nossa existência para isso? Que valores e crenças conflitantes atribuem a nossa consciência a visão de corpo profano e de uma alma sagrada?

Para compreendermos a divisão arquetípica entre o masculino como a consciência mental e o feminino como a inconsciência física, sem identificarmos essas energias com a visão de que pertencem ao sexo masculino e feminino, é preciso que primeiro a compreendamos como sendo estas uma única e mesma energia pertencentes ao ser humano.

Por conta dessa divisão inconsciente, a sexualidade foi excluída da sua dimensão sagrada e considerada mesmo oposta ao caminho espiritual. Assim nos dias de hoje presenciamos na sociedade duas situações extremas que revelam esta ferida coletiva.

A primeira delas é uma atitude repressiva perante a toda e qualquer manifestação de sensualidade e uma inconsciência profunda perante ás necessidades básicas do corpo. Esta atitude está presente nas pessoas de mais idade e naquelas que assumem uma atitude "religiosa dogmática", em adolescentes que ainda não despertaram para o imenso potencial de vida que trazem dentro si e em todos que ainda não perceberam e não atualizaram a energia criativa do qual são expressões.

A segunda delas é uma atitude promíscua diante do sexo, onde não se tem noções dos limites, nem noção da força da energia de vida que é desperdiçada, quando a alma não é percebida e respeitada, sinalizando sentimentos e carências mais profundas, que tentam ser compensados numa atitude inconsciente e compulsiva perante o seu corpo.

As conseqüências na vida dessas duas atitudes ao nível psicofísico são similares. Dificuldades e insatisfação na vida sexual, sentimentos de culpa, tensões físicas, incapacidade de criar e dar um sentido maior a sua própria vida.

A bem da verdade, a maioria de nós não vive nesses extremos, mas numa tentativa de nos adequar ao que é considerado socialmente aceito e aquilo que pode aparentemente nos trazer um equilíbrio, porém nem sempre nos sentimos felizes, pois essa integração não diz respeito a um cumprimento meramente de uma atitude moralmente aceita, mas de um resgate profundo do estar presente, do estar inteiro corpo-mente-espírito, seja na hora do Amor erótico, seja na hora da prática da espiritualidade e do amor universal, seja quando mergulhamos na solidão das nossas dores e inconsciências e simplesmente as acolhemos e as aceitamos como parte da vivência humana.

Despertar o feminino sagrado é reverenciar a face feminina de Deus. È encarnar em si as próprias qualidades divinas do amor, da devoção, do cuidado, da pureza e da beleza. Assim servimos à Deusa e nos tornamos unos com Ela.

Nancy Qualls-Corbett, no seu livro, "A Prostituta Sagrada" (Ed. Paulus), através de pesquisas e relatos de antigas práticas de iniciação feminina, nos fala que havia prostitutas sagradas, virgens, que eram levadas ao templo para servirem à Deusa e assim adentrarem nos seus mistérios.

Na prática dos dias de hoje não existem templos como àqueles, somente espaços considerados profanos para o Amor, e quantas vezes as mulheres não são apenas prostitutas para os seus maridos ou vice-versa, fazendo sexo sem vontade ou sem mais aquele amor, não profanam assim o templo da Deusa que são seu próprio corpo? Desprovidos da dimensão sagrada perdemos a visão de que o Amor só se manifesta quando transcendemos nossas carências egóicas e o desejo que o outro nos faça feliz, para então num ato ritual de adoração do Divino ou da Divina presença no outro, penetrarmos no templo sagrado do nosso ser e percebermos o êxtase de sermos Um com a vida.

A mensagem que a autora nos traz é que voltemos a realizar o sagrado matrimônio internamente entre o nosso corpo e a alma, nas nossas relações entre homem e mulher e ao nível transpessoal entre matéria e Espírito, sacralizando e oferecendo ao Amor Maior, todas as nossas ações.

Artigo publicado no site www.anaenello.org e reproduzido pela ABN com autorização da autora.

* Ana Cláudia Dutra é psicóloga de orientação junguiana e professora de Yoga - casadafelicidade.yoga@gmail.com

Fonte: www.paroquiasantoafonso.org.br

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