Falta de Consulta Prévia para usina do Cotingo em Roraima

CIR

CARTA DOS POVOS INDÍGENAS DE RORAIMA SOBRE A HIDRELÉTRICA DO COTINGO

Nós povos indígenas Macuxi, Ingarikó, Wapichana, Taurepang, Yanomami, Yekuana, Wai-Wai e Waimiri-Atroari, com uma população de 52.000 indígenas residindo em 500 comunidades localizadas em todo o Estado de Roraima, integrantes das organizações indígenas Conselho Indígena de Roraima - CIR, Organização das Mulheres Indígenas de Roraima - OMIR, Conselho do Povo Indígena Ingarikó - COPING, HUTUKARA Associação Yanomami e Associação WAIMIRI-ATROARI, extremamente intranqüilos com o PDC 2540/2006, que pretende dar autorização para a construção de uma usina hidrelétrica na Cachoeira do Tamanduá no nosso Rio Cotingo, no interior da Terra Indígena Raposa Serra do Sol - RR, vimos repudiar e manifestar pela rejeição desta PDL, pelas seguintes razões:

1. A TI Raposa Serra do Sol - RR, declarada posse permanente indígena pela Portaria 534/06 do Ministério da Justiça e ratificada em 15 de abril de 2005 pelo Decreto de Homologação do Presidente da República, confirmada por decisão do Supremo Tribunal Federal, representa importante reconhecimento dos direitos territoriais dos Povos Indígenas no Brasil;

2. Tivemos mais de trinta anos de sofrimento e luta para chegar até esse reconhecimento formal. Infelizmente, apesar de nós povos indígenas, sempre vir trabalhando muito para ter nossos direitos aplicados e respeitados, existem muitas propostas que tramitam no Congresso Nacional e são tratadas conforme o interesse e demandas políticas, trocando nossos direitos coletivos por interesses particulares, ofendendo o nosso povo;

3. A proposta do Projeto de Decreto Legislativo nº. 2540/2006 de iniciativa do Senador Mozarildo Cavalcanti - RR, que trata de autorização para a construção de Usina Hidrelétrica na Cachoeira de Tamanduá no Rio Cotingo atingirá todas as comunidades indígenas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, afetando diretamente nossos direitos e interesses indígenas, desmobilizando o usufruto exclusivo, a posse, e provocará sérias violações na nossa terra;

4. Tal proposta fere nossos direitos constitucionais. A Constituição Federal de 1988 é muito clara em estabelecer que deva ter uma lei ordinária, aprovada pelo Congresso Nacional, que dispõe sobre as condições específicas para o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas, conforme previsto no § 1º do artigo 176 da Constituição Federal;

5. O Projeto de Decreto Legislativo 2540/2006 já foi aprovado pelo Senado Federal, pelas Comissões da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, e do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara Federal, sem entanto prever os cuidados necessários que devem ser previstos em lei; atualmente o PDC 2540 esta em trâmite na Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania, e teve o parecer do Dep. Relator Luiz Couto pela rejeição devido à inconstitucionalidade, e voto separado pelo Dep. Francisco Araújo - RR pela autorização, o qual propõe aumentar o número para cinco barragens no Rio Cotingo;

6. O Congresso Nacional não pode dar uma autorização cega, sem considerações e sem saber o que vai ser feito ou como vamos ser afetados, não pode autorizar tal pretensão sem conhecer a real extensão das conseqüências da construção de uma UHE na Cachoeira do Tamanduá, no rio Cotingo, bem como ter conhecimento devido sobre a viabilidade econômica, os impactos sociais, culturais, econômicos e ambientais;

7. Por outro lado o governo federal por meio da Superintendência de Gestão e Estudos Hidroenergéticos (SGH) da ANEEL aprovou, por meio do Despacho 3785, publicado no Diário Oficial da União do dia 21 de setembro de 2011, o inventário da bacia hidrográfica do Rio Branco em Roraima, cujos trabalhos de campo foram feitos entre 2008 e 2009 pela Empresa Hydros Engenharia Ltda.;

8. Esses estudos totalizam uma potência inventariada de aproximadamente 1.049 megawatts (MW), distribuídos em quatro aproveitamentos (usinas hidrelétricas). No rio Mucajaí, afluente do Branco, foram aprovados os aproveitamentos Paredão M1, com potência instalada de 69,90 MW; Paredão A, com potência instalada de 199,30 MW; e Fé e Esperança, com potência instalada de 71,70 MW; e no rio Branco, foi aprovado o aproveitamento Bem-Querer J1A, com potência instalada de 708,40 MW, que faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal;

9. A justificativa de um projeto de produção de energia como necessário ao desenvolvimento deve contar com todas as informações necessárias para tomar uma decisão democrática e que respeite os direitos indígenas. Se o país quer crescer, por que sacrificar os povos indígenas? Desenvolvimento para quem? Que tipo de desenvolvimento? Por que construir uma barragem em nossa terra indígena Raposa Serra do Sol? É preciso pesquisar e estudar se há outras possibilidades de energias que não precisem usar a energia dos rios que estão nas terras indígenas;

10. É importante ressaltar aqui que o Constituinte ao atribuir ao Congresso Nacional com exclusividade o papel de autorizar a exploração de potenciais hídricos e minerais em terras indígenas o tornou guardião dos direitos e interesses dos povos indígenas, que devem ser analisados cuidadosamente em relação aos demais interesses nacionais, quando se tratar especificamente destes tipos de empreendimentos. Ou seja, a exploração de recursos não-renováveis dentro de terras indígenas só deverá ocorrer em situação excepcional e em circunstâncias determinadas pela Constituição, as quais cabe ao Congresso fazer observar. É grande, portanto, a responsabilidade de aprovação de concessão para a exploração de recursos hidroelétricos em terras indígenas e envolve processo extremamente cauteloso. A concessão é feita pelo órgão competente do Poder Executivo da União (CF, art. 176, caput, e § 1o, parte inicial), após autorização expedida pelo Congresso Nacional (CF, arts. 49, XVI, e 231, § 3o), ouvidas as comunidades afetadas (CF, art. 231, § 3o). Além disso, a lei deve estabelecer condições específicas para esse tipo de concessão (CF, art. 176, § 1o, in fine) e disciplinar a participação das mesmas comunidades nos resultados da lavra (CF, art. 231, § 3o, in fine);

11. Não existe ainda a lei que regulamenta as condições específicas em que pode ocorrer a exploração dos recursos hídricos e minerais em terras indígenas. Existem várias proposições que regulamentam a matéria, entre elas o PL 2057/91, que dispõe sobre o Estatuto dos Povos Indígenas, tramitando na Câmara;

12. O direito de consulta assegurado pela Constituição Federal e o direito de ter um consentimento livre, prévio e informado pela Convenção 169 da OIT, que dão regras de como serão ouvidos os povos indígenas, devem ser cumpridos antes de qualquer procedimento para a construção e em todas as fases de tal processo;

13. Entendemos que os problemas iniciam com a construção da usina hidrelétrica, onde nossa terra estará novamente sendo violada, roubada, invadida. A construção da UHE Cotingo será uma nova invasão em nossa terra, causará um grande impacto social, cultural e ambiental, como a destruição de buritizais, matas nas encostas das serras, desaparecimentos de várias espécies animais e vegetais, interdição de vias de acesso das comunidades, dos recursos naturais existentes, alteração do fluxo natural do rio, e muitos outros danos;

14. A construção de uma UHE em nossa terra acarretará prejuízos ao desenvolvimento físico, social, econômico e cultural dos povos indígenas, incentivará uma grande invasão de não-índios para dentro da T.I. Raposa Serra do Sol. As Comunidades Indígenas Tamanduá, Caraparú I, III e IV, Waramadá, Taboca, Água Fria, Manaparú, Tabatinga, Pedra Preta, Kumai´pa, Maloquinha, São Luiz, Estevo, Mudubim e São Mateus, estão intranqüilas pelas ameaçadas de remoção forçada de seus sítios sagrados e territórios tradicionais;

15. Por tais motivos, não aceitamos a imposição de projetos e decisões que podem afetar nossa T.I. Raposa Serra do Sol - RR, sem a nossa participação efetiva. O Estado Brasileiro precisa respeitar, aplicar e efetivar no nossos direitos garantidos em leis constitucionais e internacionalmente reconhecidos;

16. Apoiamos o voto do Dep. Relator Luiz Couto da CCJC e pedimos a rejeição do PDC 2540/06 que tramita na Câmara dos Deputados por ser matéria inconstitucional e contrária aos nossos direitos e interesses.

Com saudações indígenas, abaixo assinamos.

Seminário sobre Mudanças Climáticas e REDD+

Boa Vista - RR, 06 de outubro de 2011.

CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA - CIR
ORGANIZAÇÃO DAS MULHERES INDÍGENAS DE RORAIMA - OMIR
CONSELHO DO POVO INDÍGENA INGARIKÓ - COPING
HUTUKARA ASSOCIAÇÃO YANOMAMI - HAY
ASSOCIAÇÃO DA COMUNIDADE WAIMIRI-ATROARI

Fonte: www.cimi.org.br

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