Uma Família Excepcional

Geraldo M. Agnelo

O Verbo de Deus, querendo vir ao encontro da humanidade, podia escolher outros modos diferentes. Podia apresentar-se a nós em aparências extraordinárias, como vindo imediatamente como adulto plenamente formado. Ao invés, escolheu nascer menino, ter uma mãe, um pai putativo. Querendo falar-nos de Deus, Jesus o fez recorrendo à imagem do Pai, Ele filho, também nós seus filhos, e todos irmãos.

A idéia da família, de pessoas que se querem bem, que têm cuidado um com o outro, que vivem o amor, a caridade, resulta central para a fé: ao ponto que se tirasse a idéia da família não se compreenderia mais o cristianismo, nem o Natal, nem a Trindade (Padre, Filho, Espírito Santo Amor). E não se compreenderia também a vida cristã, a moral cristã, a condição de nossa filiação divina e fraternidade humana em Cristo.

Assim se quisermos compreender o cristianismo devemos entrar na perspectiva familiar. Devemos olhar para a Família de Nazaré, quase símbolo e modelo de todas as famílias de todos os tempos. Ela antecipa e vive as alegrias, os problemas e as tensões de todas as famílias. E vive também os dramas.

O evangelho de hoje, Mateus 2, 13-15. 19-23, nos propõe uma situação que tira qualquer ilusão a quem olhasse para a Sagrada Família como algo fora de propósito. O episódio é a fuga para o Egito. Trata-se de uma fuga apressada de libertação de perigo iminente de morte.

O perigo se chama rei Herodes, sanguinário que para permanecer no trono não poupava ninguém. Os historiadores registraram no elenco suas vítimas: entre outros, três filhos que fez assassinar e a mulher que fez estrangular. Em Roma, informado o imperador Augusto, teria exclamado: "É melhor ser um porco de Herodes do que um seu filho".

Imaginemos que coisa devesse passar pela mente de Herodes quando soube pelos Magos que tinha nascido um novo rei dos judeus. E depois, apenas quando percebeu que os Magos o tinham enganado, porque não voltaram para revelar onde se encontrava o rei recém nascido, decretou sem pensar muito a ordem de trucidar "todos os meninos de Belém e arredores até dois anos". A matança dos inocentes.

Mas ao centro dos acontecimentos a figura confortante de São José. O homem justo, pronto a executar o plano de Deus: "Levanta-te, tome o menino e sua mãe, e foge para o Egito". Faz-nos pensar nos milhões de prófugos que deixam seus paises para tentar outra terra onde possam sobreviver.

Israel tinha conhecido a deportação vários séculos antes e um episódio de salvação. O imperador persiano Ciro mandou de volta os hebreus para Jerusalém para reconstruírem o templo do Senhor.

Antes ainda, o povo eleito tinha conhecido o exílio voluntário dos filhos do patriarca Jacó, justamente para o Egito, ao tempo de grande carestia. E quando o povo caiu na escravidão sob os egípcios, surgiu o libertador Moisés, suscitado por Deus para educar o seu povo na descoberta dos valores espirituais: a Aliança, o Decálogo. Foram histórias de libertação.

No evangelho de hoje, temos uma história de libertação. A Sagrada Família no Egito. A certo ponto Herodes morre e S. José pode trazer de volta à pátria Maria e Jesus.

A nossa história é de libertação. Jesus no Natal o saudamos, como os profetas, "príncipe da paz", com a sua missão redentora vem trazer aos homens a libertação do mal, do pecado, da morte.

A Família de Nazaré é grande modelo. Com suas provas, a pobreza, o amargor do exílio, é amada pelo Pai do céu e libertada. Ela é modelo de nossas famílias. Ainda hoje, existem famílias em situações dramáticas, de miséria, de perseguições, de migração, de fuga. São situações que Jesus, Maria, José viveram. O Verbo de Deus passou através da prova. Nascendo não escolheu os palácios ou vida de privilégios, mas desafiou com a vida de pobreza, de abandonados, de marginalizado. Ninguém poderá dizer: Deus não compreende a miséria. A Sagrada Família viveu, lutou, mostra o caminho, e a solidariedade. É preciso coragem, empenho, confiança. Haverá também para nós motivos de dor, mas não de desespero. Sob o olhar incorajante de Deus pode suceder de chorarmos, mas não de desanimar.

* Dom Geraldo M. Agnelo, Cardeal Arcebispo de Salvador, BA.

Fonte: www.cnbb.org.br

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