Descobrindo novas terras e aliados

Egon Heck *

Depois de 1510 anos em que as primeiras caravelas trouxeram gente estranha que encontram uma região bem povoada de povos nativos, agora Guarahy Kaiowá Guarani, depois de já percorrer mais de quinze mil quilômetros, continua descobrindo novas terras cansadas, e muitos amigos e aliados. Uma das primeiras estranhezas que sente é a falta de sol. 15 dias sob a brancura fria da neve e um céu que se nega a mostrar o sol. "Nos somos filhos do sol. O sol para nós e vida, é alegria, é origem da nossa gente. Mais de dez dias sem o sol, e sinto mais dificuldade em continuar animado. Já estou até embranquecendo". Com essas observações Anastácio expressa um pouco de seu sentimento, sem perder o bom humor e a cor de seu coração poético. Alguns fortes desejos começam a aflorar. A saudade de sua gente, do calor, de não andar empacotado, de comer feijão e arroz, de sentir e brincar com o sol, de ver o céu estrelado...Saudade que invade o peito e aquece a alma. Da terra fria da neve o pensamento viaja veloz para se banhar no calor tropical.

Dom Erwin: um premio à vida e à luta
Atravessando os caminhos da Europa, casualmente a comissão que está levando a realidade e luta Kaiowá Guarani, se encontra no mesmo dia em Surich, na Suiça com a presença dele num debate. Há três dias ele recebeu o premio Nobel alternativo, em Estocolmo:
"Eu aceito o Right Livelihood Award, em nome de quem luta comigo hoje, em nome dos povos indígenas, da Amazônia e dos direitos humanos. Aceito-o também em nome das dezenas de pessoas que deram suas vidas, cujo sangue foi derramado e que foram brutalmente assassinadas porque se opunham à destruição sistemática da Amazônia. Entre estes mortos, cito duas pessoas que trabalharam comigo lado a lado... Este prêmio foi dado a mim por causa do meu compromisso em nome dos povos indígenas, seus direitos humanos e sua dignidade. Eu sempre encontrei uma missão específica na defesa dessas pessoas, que são os sobreviventes de séculos de massacres".

Nada melhor do que lembrar o que disse D. Erwin, ao receber o premio Nobel da Paz, alternativo, sobre a realidade indígena que nós também estamos levando a diversos espaços e foruns aqui na Europa: "Hoje à noite, aproveito a oportunidade para chamar a atenção da comunidade internacional para a dor, o desespero e a insegurança do povo Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Esse povo indígena está confinado a pequenas áreas, seus jovens não veem nenhuma perspectiva para o futuro e a taxa de suicídio entre eles é elevada de forma alarmante. Os donos das usinas que utilizam trabalho escravo moderno são tratados como heróis pela administração oficial. Estou totalmente preocupado com a violação contra os Guarani-Kaiowá. O atual governo está ignorando esse genocídio cruel em curso perante os seus olhos. Mas não devemos fechar os olhos para esses crimes!"

Enquanto isso em Cancum...
Os ricos tramam, os pobres clamam, a natureza conclama! Diante de um eminente fracasso nas negociações e impossibilidade de um concenso, o presidente da ONU alerta que "é preciso avançar". Porém se estamos diante de um precipício...

Delegados indígenas presentes na Cumbre sobre mudanças climáticas em Cancum, pleiteiam que os governos incorporem alguns ítens da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indigenas nos textos finais da negociação. "Sem a incorporação de seus direitos a cumbre será considerada um rotundo fracasso para a humanidade", afirmaram alguns representantes indígenas, Delegados indígenas presentes na cumbre sobre mudanças climáticas"(Elvina Corona - Alai)

Os movimentos sociais fazem seus clamorosos alertas, posicionando-se contra o comércio de carbono - as REDD, pois consideram isso a mercantilização da natureza. E afirmam queas propostas devem sair dos povos.

O Natal presente
O ambiente da neve nos acompanha. As ruas e árvores carregadas de brancura, se misturam com a ternura do Natal. Tudo transpira passado e futuro. Andanças por castelos, casas e estradas freqüentadas por ilustres personagens da humanidade, nos remetem à singeleza e grandeza desse tempo e lugar. Alemanha de tragédias e glorias, de migrações e emigrantes, de filósofos, músicos, cientistas renomados, também está envolta em contradições e busca de novos rumos para a humanidade.

Tivemos um encontro na casa da democracia e direitos humanos, onde várias entidades ligadas aos processos de democratização e defesa dos direitos humanos e do meio ambiente, tem seus escritórios. No final das exposições e debates o músico argentino Pablo, fez um chamado contundente para a voz indígena, que tem cor e sabor de um novo mundo que está sendo construído com a fundamental contribuição e participação dos povos indígenas. Revelou sua grande admiração pelo exemplo da Bolivia, e cantou uma canção que compôs para o presidente Evo Morales.

Vinte anos de Brasil
Em Weimar, uma simpática cidade, encoberta de neve, propiciou um dos importantes momentos de debate e aprofundamento da realidade dramática do povo Guarani. Uma centena de participantes da Alemanha, de outros países da Europa e do Brasil, buscaram aprofundar as discussões sobre temas específicos da conjuntura brasileira hoje, para traçar algumas estratégias de cooperação e solidariedade. A respeito desse espaço de debate que comemorou seus vinte anos, assim se expressaram seus organizadores "A Mesa Redonda Brasil tornou-se o maior evento sobre solidariedade com o Brasil na Alemanha e tem um papel de grande valor para o trabalho local e para os seus projetos. Todos os anos, em torno de 110 pessoas participam da Mesa Redonda. O evento promove a discussão, a troca de experiência e a aproximação dos grupos de solidariedade para com o Brasil, tais como instituições de ajuda, religiosas, de apoio político, grupos sindicais e acadêmicos e seus respectivos parceiros brasileiros, assim como os estudantes que se ocupam com o Brasil.

Nos grupos que debateram os maiores desafios da atual conjuntura , um deles tratou especificamente da situação do povo Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul. Após os relatos de Anastácio e complementação dos demais representantes da delegação brasileira, foram sugeridas algumas ações estratégicas como: que os relatórios de identificação de todas as terras Kaiowá Guarani sejam concluídos e publicados com a máxima urgência; que se suspendam as relações comerciais com o Mato Grosso do Sul, até que sejam regularizadas as terras indígenas; caso as demarcações não se realizem, levar a questão para as corte interamericana; melhorar a articulação e comunicação entre as organizações que apóiam os Kaiowá Guarani na Europa e no Brasil. Na faixa ficou estampada uma sugestão de Anastácio: cortaram nossos galhos, queimaram nosso tronco, mas não conseguiram destruir nossas raízes, Demarcação Já".

Finalmente, em Berlim, vários encontros conversas e contatos. Havia bastante expectativa com relação ao encontro com a Embaixada Brasileira na Alemanha. Eles manifestaram ansiedade em participar das nossas agendas em Berlim. A conversa foi esclarecedora, sendo que se comprometeram a enviar relato ao Itamarati e sugestão de que o diálogo e as informações se multipliquem pelo Brasil e Europa, para que efetivamente a questão dos direitos e terras do povo Guarani sejam finalmente resolvidos. Porém manifestaram muito empenho em defender a produção do etanol no Brasil. Quando foi questionado sobre as condições de produção e impacto do etanol sobre as comunidades indígenas, manchando o produto com sangue, houve veemente defesa do processo e protagonismo do Brasil na expansão dessa matriz energética, supostamente limpa e sustentável.

Para concluir nosso giro pela Alemanha nada melhor do que uma frase do nosso mestre Anastácio "Nós somos como as estrelas, apesar de distantes estaremos lutando juntos".

* Egon Heck, Campanha Povo Guarani, Grande Povo.

Fonte: Cimi MS

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