A democracia e a república "tiririca"

Dirceu Benincá *

De acordo com o estadista britânico Winston Churchill, a democracia é o pior dos regimes, à exceção de todos os outros. Ela possibilita aflorarem contradições sociais, conflitos, divergências de ideias, de posturas ideológicas e de posições políticas. Porém, diferente dos regimes ditatoriais, garante o exercício das liberdades. Na democracia, a boa política adquire fundamental importância porque essa é a via por excelência para aquela consolidar-se.

Na política, é legítimo que existam concepções distintas e divergentes. Entretanto, a cultura da indiferença, a apatia e o analfabetismo político são desastrosos. Esses fenômenos, com suas diversas razões, têm crescido cada vez mais nos últimos tempos. Nas eleições desse ano, tivemos graves demonstrações de descrédito e falta de seriedade para com o verdadeiro sentido da política. É ilustrativo o caso do candidato do Partido da República (PR/SP) a deputado federal, que adotou o mote: "Vote no Tiririca, pior do que tá não fica!" Depois perguntava: "O que é que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas vote em mim que eu te conto".

O desastre foi ainda maior quando, ao receber a notícia de sua vitória, com 1.353.820 votos, afirmou: "É sensacional, é coisa de Deus." Diante de fatos como esse, surgem várias questões: Seus eleitores estarão protestando contra a má política? Será apenas mais uma evidência do grande poder exercido pela mídia, que elege seus representantes ou fantoches sem qualquer escrúpulo? O que será que será? O processo eleitoral também revelou outros aspectos lamentáveis como é o caso da instrumentalização que certos candidatos fizeram e fazem da fé, da religião e de alguns princípios éticos com vistas a atrair votos ou desqualificar candidaturas adversárias.

Em tempos de eleição, é oportuno indagar: Que projeto de Nação estamos construindo quando elegemos palhaços e/ou vigaristas para nos representar ou nos governar? A política não pode ser vista como uma peça de circo. Para desenvolver as potencialidades nacionais, incluir os pobres, promover a justiça social, garantir o bem de todos, não podemos ceder às indiferenças políticas, acreditando que só pelo trabalho e pela técnica resolveremos nossos problemas individuais e coletivos. É fundamental, pois, qualificar e radicalizar a democracia. A melhor maneira de se obter esse resultado é através da participação direta da população nos muitos canais que a própria democracia nos proporciona.

A propósito do momento eleitoral que estamos vivendo, vale recordar o tema abordado pela Agenda Latinoamericana de 2008: "A política morreu. Viva a Política!" Ocorre que existem basicamente duas formas de fazer política. Uma é mesquinha, enviesada, pequena, suja, perigosa... É a política com "p" minúsculo, relacionada a escândalos, corrupção, nepotismo, falsas promessas eleitoreiras, alianças espúrias e interesseiras, candidaturas aventureiras, submissão à ditadura do capitalismo neoliberal etc. Esse tipo de política já deveria ter morrido há muito tempo, mas, infelizmente segue causando muitos danos e mortes.

O outro tipo se escreve com "P" maiúsculo. É a Política que deve ser aplaudida e fortalecida, pois expande a cidadania e garante os direitos sociais, políticos, econômicos, culturais, ambientais e outros. Essa Política não pode morrer, sem a qual a humanidade não vive. Ela se constitui na maneira de organizar a sociedade com base no bem comum e na justiça humanizadora. O mundo melhor que tanto almejamos depende do exercício da boa Política na esfera pública, bem como na vida particular, interpessoal, grupal e comunitária.

A democracia prevê a liberdade a todos para dizerem o que pensam, mesmo que não concordemos com uma "vírgula" do que dizem. Porém, a democracia não pode tolerar que os outros digam e façam o que bem entendem, sem qualquer compromisso com a verdade. Democracia não é o mesmo que liberalismo por atacado. Ser democrático e justo ao mesmo tempo é mais difícil que apenas parecer cordial. Não é fazendo da democracia um "vale tudo" e das eleições uma negociata de interesses privatistas que vamos construir um país para todos.

A política e a democracia não são obras acabadas, peças prontas. Estão em contínuo processo. Sem a participação popular efetiva e qualificada, ambas ficam prejudicadas. É ainda oportuno dizer: Quem tem nojo da Política, permite que sejam eleitos políticos que não têm nojo dela; que fazem qualquer coisa com ela e com seus próprios eleitores, não se importando com as desigualdades sociais oriundas do mau exercício da política.

Cumpre superarmos o senso "tiririca" e as formas "tupiniquins" de fazer política. Essa responsabilidade recai sobre os "políticos" e, inevitavelmente, sobre os eleitores. Deve-se lembrar que a democracia não se resume ao processo eleitoral, embora ele seja um momento muito importante. Se, por um lado, as eleições desse ano deram vitórias a candidatos "tiriricas", por outro, as urnas também elegeram muitas pessoas preparadas e comprometidas com os direitos humanos e com a justiça social. Esse é um consolo para a nossa república e um alento para a nossa democracia.

* Dirceu Benincá é doutor em Ciências Sociais e coordenador administrativo da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) - Campus Erechim.

Fonte: Revista Missões

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