Cristãos de Ficha Limpa

Moacyr Grechi *

Ser um cristão de ficha limpa e cidadão exemplar são valores equivalentes. A fé cristã leva a uma atuação no mundo em busca do bem comum e une todos aqueles que buscam a construção de um mundo melhor.

Aos cristãos de ficha limpa compete a obrigação de séria participação política até o nível partidário, sabendo que a política é uma mediação privilegiada da caridade e que a fé cristã a valoriza e a tem em alta estima (Puebla, 514). "Pregando a verdade evangélica, e iluminando todos os setores da atividade humana pela doutrina, pelo testemunho dos cristãos, a Igreja respeita e promove também a liberdade política e a responsabilidade dos cidadãos" (GS 76).

Segundo Frei Clodovis Boff, dois são os níveis de política: como participação na vida social, no nível da sociedade civil; e como luta pelo poder do Estado, seja para conquistá-lo (partidos, movimentos revolucionários, etc.), seja para exercê-lo (governo), e esse é o nível da sociedade política.

Política é sempre uma ação árdua, uma luta. A missão Política do Cristão passa pela missão de Jesus. O Papa Paulo VI escreveu que a Política é uma das mais altas expressões da caridade cristã.

O projeto Ficha Limpa (PFL) foi aprovado e agora é Lei, pois foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 04 de junho de 2010 e já vale nas eleições deste ano. A lei que proíbe a candidatura de políticos com condenação judicial por crimes graves é resultado de um projeto de iniciativa popular, apresentado na Câmara em setembro do ano passado, com mais de 1,3 milhão de assinaturas. Embora alguns candidatos já tentem burlar a nova lei, os movimentos sociais e a sociedade civil estão atentos e divulgando informações para que a Ficha Limpa seja levado em frente tal como foi aprovado.

Portanto, com a resposta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) às consultas realizadas por parlamentares do Congresso Nacional, como a de 17/06/2010, consolida-se a plena aplicação da Lei Complementar nº 135/2010, de 04-06-2010, conhecida com a Lei da Ficha Limpa. A decisão proferida afirma que os novos critérios de inelegibilidade serão aplicados para as eleições desse ano e que os fatos da vida pregressa dos candidatos serão considerados, analisando-se caso a caso, quando pairar dúvidas. É sem dúvida, uma vitória da sociedade brasileira.

Estão fora das eleições os políticos que foram condenados em segunda instância e procuram o abrigo do foro privilegiado num mandato de deputado federal ou de senador. Perdem a garantia de impunidade e os partidos terão que ir atrás de novos quadros. Precisamos de políticos cristãos de ficha limpa.

Daniel Seidel, mestre em Ciência Política e Coordenador Nacional da Comissão Brasileira Justiça e Paz/CNBB, em entrevista ao IHU On-Line, afirma que "como é uma lei nova, ela tem muitas controvérsias que precisam ser discutidas. O projeto Ficha Limpa apregoa que não pode haver decisão liminar de forma isolada por nenhum tipo de juiz. Efetivamente, como o Supremo Tribunal Federal tem favorecido candidatos que estão com sua ficha suja, a lei está sendo descumprida em relação a sua forma original, nesse momento".

Uma forma de participar e contribuir para a aplicação da lei Ficha Limpa é acompanhar quem está se candidatando e quais são as decisões que o Judiciário está proferindo a respeito da situação desses candidatos. Com isso, popularizar a informação. Enquanto população temos que fazer o trabalho de base, ou seja, se esclarecer e ajudar no processo de divulgação das informações. As pessoas podem participar, efetivamente, acompanhando as decisões do Judiciário, esclarecendo, por seus meios, o que está acontecendo no processo político e se engajando nos comitês de debate sobre corrupção eleitoral.

Para Pe. Alfredo J. Gonçalves, assessor das Pastorais Sociais, a aprovação do Projeto Ficha Limpa é motivo de comemoração, mas há muito que fazer no campo da democracia. Uma retrospectiva ainda que superficial da trajetória política do país bastará para reconhecer que, se a ficha é limpa, o arquivo permanece sujo. Representa um avanço contra uma série de entraves históricos e estruturais da democracia brasileira. Juntamente com a Lei 9840, esse projeto constitui um instrumento a mais na mão dos cidadãos.

O Movimento de Combate de Corrupção Eleitoral (MCCE) acertou, e em seu seio, reconhecidamente a atuação da CNBB foi acertada. Visto que se afastou da campanha difamatória acerca da atuação dos políticos, colocando-se na perspectiva pró-ativa de afastar da política, aqueles agentes públicos que demonstraram não serem confiáveis pela análise da história de sua vida pública. Foi um passo edificante na valorização da política como o meio pacífico para resolução dos conflitos numa democracia.

Foi também a concretização dos diversos apelos que a Igreja Católica no Brasil sempre faz com seus documentos e declarações, oferecendo suas orientações para o voto consciente, quando insistia na observância da história de vida dos candidatos e dos partidos como critério para discernimento do voto.

A Análise de Conjuntura dos Assessores da CNBB de junho/2010 apresenta algumas lições que podemos tirar dessa iniciativa vitoriosa.

Primeira, a unidade na decisão, empenho efetivo e diálogo construtivo. Empenho efetivo na coleta das assinaturas, com a seriedade da identificação do eleitor, por meio de seu título de eleitor, e nas várias iniciativas pessoais e coletivas de coleta de assinaturas. E que prosseguiu nas ruas e pela internet quando o Projeto não tramitava na Câmara dos Deputados. E diálogo construtivo entre a Sociedade Civil e o Congresso Nacional, que escutou em audiência pública a sociedade civil para o início das atividades do Grupo de Trabalho para conhecer as razões mais profundas do "Ficha Limpa", acrescentando contribuições importantes no aperfeiçoamento da proposta.

Segunda, é preciso mencionar também que a denúncia do terrível esquema de corrupção eleitoral em curso no Distrito Federal, envolvendo os vários poderes locais constituídos da Capital da República, com o afastamento do próprio Governador, conhecido pela operação "Caixa de Pandora" e a resistência da juventude no afastamento dos envolvidos criou ambiente nacional que tornou

inexorável a aprovação do Ficha Limpa pelo Congresso Nacional. Neste aspecto a cobrança efetivada pela mídia cumpriu papel fundamental.

Terceira, mas não mesmo importante, foi realizar a grande mobilização da indignação da população brasileira com os desvios éticos na política para algo construtivo, por meio da educação política, realizada com a reflexão desenvolvida no âmbito das iniciativas da Campanha da Fraternidade de 2009, que colocou a adesão à iniciativa popular como ação concreta no Agir daquela

CF. Traduzir um procedimento jurídico eleitoral em termos compreensíveis foi a "pedra angular" da conquista da Lei da Ficha Limpa. O povo entendeu a iniciativa proposta, se apropriando uma pouco mais do processo eleitoral. Não se pode esquecer que bebemos da sabedoria da aprovação da Lei 9840/99, conhecida como Lei dos Bispos, contra a compra de votos e uso da máquina administrativa nas eleições e da sua efetividade: até as eleições de 2008, 960 políticos cassados!

Com a ampla mobilização social e aprovação da Ficha Limpa em tempo considerado recorde, a própria CNBB e o MCCE têm sido procurados para avalizarem novas iniciativas populares, principalmente no que tange à Reforma Política.

Permanece o desafio de "traduzir" as propostas em termos compreensíveis e construir unidade em torno do tema, lições indispensáveis para uma nova empreitada! Cresce a importância do Documento 91 da CNBB - "Por uma Reforma do Estado com Participação Democrática", e da cartilha "Eleições 2010: o chão e o horizonte" para a educação para o voto consciente nas próximas eleições, bem como na construção de novas iniciativas de fortalecimento da democracia brasileira.

* Dom Frei Moacyr Grechi, OSM, é arcebispo Metropolitano de Porto Velho.

Fonte: Pascom

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