A multidão que não vê

Maria Regina Canhos Vicentin *

Este fim de semana estive visitando a Bienal Internacional do Livro, no Anhembi, em São Paulo. A movimentação era grande e inúmeras pessoas passeavam pelos corredores de uma das maiores e mais importantes feiras de livros do mundo. Pude conhecer pessoas agradáveis e simpáticas, estabelecer contatos relacionados ao mercado editorial, rever uma grande amiga que há muito não via, e conhecer pessoalmente alguém que só conhecia por fotos, canções, textos e livros: Pe. Zezinho. A emoção para mim foi tão grande que nem lembrei de tirar uma fotografia para guardar como recordação. Pe. Zezinho é uma pessoa que admiro muito, estimo, respeito. Gosto da forma como reflete sobre os problemas cotidianos e os conselhos que dá em seus textos, veiculados e difundidos em tantos meios de comunicação católicos. É certo que, devido à sua devoção Mariana, é um tanto criticado entre os evangélicos, mas sem dúvida alguma é exemplo de vida cristã.

O que me chamou a atenção, no entanto, foi o fato dele estar percorrendo o corredor da feira acompanhado de apenas uma pessoa. Isso eu estranhei. Logo imaginei que, se fosse um cantor sertanejo ou americano, estaria cercado de tietes que o acompanhariam durante todo o percurso. Fiquei pensando que, para muitos visitantes, ele deveria ser apenas um anônimo no meio da multidão - e que multidão - vocês nem imaginam. Naquele momento, descobri que somente quem tem o conhecimento e a noção do valor de alguém especial é que se sentiria mobilizado a identificá-lo e cumprimentá-lo em meio a tantas pessoas. Nossas escolhas sinalizam nossas preferências. Talvez, numa Expocatólica ele fosse visto com outros olhos, provavelmente seria notado nos corredores, sem que para isso fosse necessário apresentá-lo ao público presente.

Bem, isso me fez refletir também acerca do que estamos priorizando ultimamente. Sem dúvida, a religião parece não ser uma de nossas preferências, basta ver como as igrejas estão esvaziando. E não me venham dizer que é devido ao modo como as celebrações acontecem, pois muito se pode fazer quando existe interesse por parte de quem participa dos encontros dominicais. A questão é bem outra. Parece ser difícil aceitar que não possamos fazer tudo o que nos parece conveniente num mundo tão apelativo e libertino. Então, vamos nos convencendo a uma participação esporádica, acomodada, uma fé morna, sem comprometimento.

É gostoso fazer aquilo que se deseja, sem pensar muito se nossas atitudes estão ferindo outras pessoas. O mundo tem difundido o conceito de que somente a satisfação do "eu" é que conta. Na prática isso parece ser prazeroso, até que somos atingidos por pessoas que pensam do mesmo modo, e não hesitam em nos atropelar com seus próprios anseios. Quando isso acontece, normalmente pensamos de modo diverso, e reclamamos nossos direitos, aqueles mesmos que usurpamos de nossos semelhantes quando buscamos a egoística satisfação de nossas aspirações. Fica aqui um alerta para todo aquele que deseja um mundo melhor - troque suas lentes! Se continuarmos a enxergar apenas aquilo que nos convém, corremos o risco de nos juntar à multidão que não vê.

* Maria Regina Canhos Vicentin (e.mail: contato@mariaregina.com.br) é escritora.

Fonte: www.mariaregina.com.br

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