No encalço da justiça

Egon Heck *

Aramy (pequeno céu) parece incansável. Está descobrindo o mundo. O mundo da cidade grande muito diferente da aldeia Kaiowá Guarani, no Mato Grosso do Sul. Mas ela não parece se importar com a multidão de gente nas ruas, no metrô, na estação da Sé em São Paulo. Vai desvendando aos poucos o mundo que a rodeia, como se fosse naturalmente a extensão da aldeia. Olha, pega, corre, vai no colo de todos os que a cercam. Não se importa com os temores dos que estão ao redor. O pouco que fala é em Guarani. Mas está muito atenta a tudo que aparece pela frente. Talvez mais tarde compreenderá que sua mãe ali estivera para pedir justiça e punição dos assassinos de seu pai, avô da pequena Aramy, Marcos Verón. Com um ano e três meses e muita esperteza ela ocupa um lugar especial na delegação indígena, nesta véspera do dia das mães.

Representantes e parentes de lideranças Kaiowá Guarani assassinados, de comunidades despejadas para a beira da estrada, vieram a São Paulo no encalço da justiça "é aqui que são tomadas muitas das decisões sobre nossas vidas, nossas terras, nossas lideranças. Por isso viemos aqui para São Paulo, não para pedir esmola, mas para exigir justiça, exigir nossos direitos", falou uma das lideranças da delegação de sete representantes de cinco aldeias.

Querem cortar nossa língua

"Estou muito indignada, muito triste. Querem cortar minha língua. Será que não tenho o direito de falar, me expressar e defender em minha própria língua?, indaga Valdelice Verón, filha de Marcos Verón, diante dos procuradores do Ministério Público Federal em São Paulo. Disse que seus familiares estão profundamente revoltados e desanimados por já terem vindo duas vezes a São Paulo como testemunhas de acusação, no julgamento dos acusados pelo assassinato de Marcos Verón, e as duas vezes o julgamento foi adiado. Os procuradores disseram que partilham a mesma indignação, porém estão convencidos de que lhes será assegurado o direito de se expressarem em Guarani, quando o julgamento for retomado. E mais, disseram que esse fato se tornará uma referência importante para todos os povos indígenas no Brasil. Afirmaram estar convencidos de que esse direito será confirmado pela justiça e se tornará um marco para os povos indígenas que poderão utilizar sua língua materna nos tribunais e em todos os espaços da sociedade nacional. "É uma questão de honra para o Ministério Público Federal".

Em depoimento emocionado e indignado, Valdecile Verón lamentou que pessoas "com tanta educação", não saibam respeitar as diferenças, como está garantido na lei. "Onde está a educação dessas pessoas que podem julgar um povo tão diferente como nos indígenas?" e concluiu "cortar a nossa língua será acabar com nossa historia e o nosso povo Kaiowá Guarani"

Onde está a justiça?
As falas dos representantes das Aldeias de Kurusu Ambá, Ypo'i, Takuara, Laranjeira Nhanderu e Nhanderu Marangatu aos procuradores do Ministério Público foram todos numa mesma direção: não agüentamos mais o massacre do nosso povo. Se nossos direitos não são respeitados, se não é feito justiça, se a violência e mortes aumentam cada dia, e nada é resolvido, nós é que vamos agir. É isso que viemos dizer aqui aos senhores. No Mato Grosso do Sul nós não somos vistos como gente, como ser humano. Estamos sendo engolidos pela cana, pela indústria, pela soja.

O pai do professor Rolindo, sumido há mais de seis meses na mesma ocasião em que foi brutalmente assassinado o professor Genivaldo, na retomada do tekoha Ypo'i, município de Paranhos, disse que veio buscar respostas. Se a policia federal não voltar a buscar o corpo de seu filho, eles mesmo terão que procurá-lo." Nada foi resolvido. E os assassinos estão todos soltos lá na região" desabafou Rodolfo, irmão de Genivaldo.

Os representantes de Kurusu Ambá externaram seu temor de que com eles venha acontecer o mesmo que aconteceu com Laranjeira Nhanderu. Ou seja, que depois dos 80 dias que restam, sejam despejados novamente para a beira da estrada. O procurador da FUNAI garantiu que estão sendo tomadas todas as providencias para que isso não venha acontecer.

Numa conversa muito franca a delegação buscou esclarecimentos sobre as graves situações que enfrentam em decorrência da luta pela terra e as conseqüentes violências. Ouviram as ponderações sobre os limites e possibilidades da atuação do ministério público, uma vez que a decisão é da justiça e esta tem se revelado cada vez mais conservadora e lenta quando se trata dos direitos dos povos indígenas e conquistas sociais constitucionais.

* Egon Heck, Movimento Povo Guarani Grande Povo.

 

Fonte: Cimi MS

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