De Copenhague a Kurusu Ambá e Guyraroká

Egon Heck *

Grita o planeta Terra, em Copenhague. Os embriagados privilégios de uns poucos dominadores da economia global, tornam seus ouvidos moucos. Enlouquecidos talvez. Nada temem. Se a terra esquentar, nós já estaremos noutra! Danem-se os que vierem depois. Descansaremos felizes no lixo ou luxo que acumulamos. Nababescamente damos as costas ao mundo que perigosamente está se aquecendo. Se o aquecimento incomodar ou matar as condições de vida de muitos, pouco importa. Inventaremos nossas bolhas de vida. Ou quiçá migraremos para outro planeta. Temos nossos fiéis escudeiros do poder. Oba!(ma) Assim parecem pensar alguns dos senhores que se reputam dominadores da economia do mundo. Das ricas nações inexpugnáveis. Repugnáveis.

Aflitos e indignados, os Kaiowá Guarani, da retomada do tekohá de Kurusu Ambá,na fronteira do Brasil com o Paraguai, sequer conseguem o caixão para enterrar Tatirara, de 2 anos, que faleceu da doença da fome e desnutrição levando a outras complicações. Os órgãos públicos justificam sua omissão atrás da "propriedade privada". Nem atendimento médico, nem alimentos. Prevalece o deus do agronegócio. A soja não pode ficar suja! Para as pragas, venenos. Mesmo que com isso também sejam contaminadas as pessoas e as águas. A prioridade é da soja, da privada propriedade.

Ogusu - a casa de reza não pode acabar
Um grupo de nhanderu e nhandesi Guarani Kaiowá(rezadores), representantes do Ministério da Cultura e entidades de apoio à causa indígena, realizam o ritual de inauguração de uma imponente "ogosu", casa de reza erguida no tekohá, terra retomada de Guyraroka, na região de Dourados. "Essa é a base de nossa vida, que vem dos antigos, dos nossos avós" afirma o nhanderu Getúlio, condutor do ritual, juntamente com o mais velho e respeitado nhanderu, Atanásio. Este recentemente sofreu agressões por estar apoiando as lutas de retomada das terras tradicionais de seu povo.

Para a liderança Anastácio, esse é o espaço que fortalece a alma Kaiowá Guarani, pois é ali que as crianças serão batizadas, sementes abençoadas para o plantio, as histórias serão contadas, a vida e as crenças serão alimentadas. A casa de reza é o centro da história é a alma Guarani. É a verdadeira escola alternativa, e diferenciada".

Tonico, talvez o primeiro antropólogo Kaiowá Guarani, que acaba de concluir sua pós graduação retorna a sua aldeia de Jaguapiré, falou da sua vivencia em meio aos conflitos, lutas, retomadas. Agora volta para seu povo para ajuda-los, como antropólogo Guarani. Lembra que a casa de reza é o lugar mais importante da aldeia e que sempre são reivindicadas pelos nhanderu. "Todas as áreas retomadas precisam, em primeiro lugar, a ‘oga pysy' - que é a verdadeira escola, em vez de grandes prédios de alvenaria."declara.

Ambrosio, a liderança da aldeia de Guyrasoká, fala do sonho que se tornou realidade. É uma semente de cultura, de vida, que deverá servir para as crianças de seu povo continuarem a aprender o Nhande Reko, o modo de pensar e viver Guarani. Agradecendo a todos os que colaboraram para que essa bonita e grande casa de reza se tornasse realidade, colocou esse espaço à disposição dos Nhanderu, para que o utilizem sempre que quiserem, pois esta é uma casa livre, à disposição do povo Guarani.

Enquanto nos confortáveis palácios de Copenhague parece que pouco se avança em socorro à vida do e no planeta Terra, os Kaiowá Guarani dão a sua contribuição lutando para que suas terras tradicionais, possam ser novamente espaços de vida e diversidade. "Dar novamente vida à terra morta"

* Egon Heck é assessor do Cimi - MS. Campanha Povo Guarani Grande Povo.

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