Existe justiça para todos?

Serviço Pastoral dos Migrantes

De 14 a 21 de junho será promovida a 24ª Semana do Migrante.

Calcula-se que existam 800 mil imigrantes documentados e cerca de 400 mil sem documentos.

O lema da Semana do Migrante deste ano é uma pergunta que constantemente é feita pelos pobres, pelos migrantes: “Existe justiça para todos?” Está claro para todos nós que não. Mas é preciso insistir neste tema, martelar a questão, pois não podemos nos acostumar com a desigualdade, com a injustiça e com a discriminação social. Como em todos os anos, a Semana do Migrante inspira-se na Campanha da Fraternidade, cujo tema é “Fraternidade e Segurança Pública”, e o lema: “A paz é fruto da justiça”. Uma reflexão que mostra que Segurança Pública é um direito humano e só é possível com justiça social.

O direito de ficar é o primeiro clamor, na luta para não ter que migrar. É a luta de populações potencialmente migrantes. Ameaçadas pela invasão do agronegócio, grandes projetos, hidrelétricas, etc, resistem à grilagem de terras, à destruição de seu habitat natural, à destruição de plantas nativas, nascentes e rios. Esta é a luta de ribeirinhos, pescadores, quilombolas, Povos Indígenas, populações tradicionais, contra a dispersão e a destruição de seu território. Uma destruição em nome da economia que provoca migração em massa para as cidades e para o trabalho temporário e precário. Esta é a injustiça básica: expulsão de populações devida aos interesses de mercado e que provoca migração.

Limite da propriedade

Nas regiões chamadas “de destino” dos migrantes, a agroindústria da cana-de-açúcar, que tanto matou e mutilou trabalhadores, não pode deixar de ser posta em xeque como modelo de desenvolvimento não sustentável. Como pode tal setor ser modelo se, em todo o Brasil, continua a concentrar terra, explorar trabalhadores, destruir a natureza e ocupar espaços de plantio de alimentos? Segundo a própria indústria, há pelo menos 330 mil cortadores de cana no país, sendo que 135 mil só no Estado de São Paulo.

Então, como ter justiça social no Brasil, sem justiça agrária para responder ao clamor de milhões de sem-terra, sem-teto? A propriedade privada sacralizada favoreceu o latifúndio e este priorizou o agronegócio, em prejuízo do social e do ambiental. A propriedade como direito absoluto segue produzindo despejos judiciais, com destruição de casas, lavouras, e pessoas tendo que ir para as periferias das cidades. Por isso, é preciso apoiar ocupações, assentamentos e somar na Campanha pelo Limite da Propriedade da Terra, como passo em defesa dos que nela querem trabalhar e produzir alimentos.

Bodes expiatórios

Vivemos num tempo em que o dinheiro vale mais que o ser humano, e este é considerado pelo que tem ou pela capacidade de competir. Por isso, lembramos que Deus não faz acepção de pessoas e que “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes”, conforme o canto de Maria, o Magnificat.

Hoje, ao que tudo indica, o preço da crise financeira mundial recairá sobre os pobres. Alguém terá que pagar pela crise do capital. O Estado já está cobrindo rombos de bancos e empresas, desviando dinheiro que serviria para o desenvolvimento social, curiosamente contrariando os dogmas do neoliberalismo.

Enquanto isso, no mundo todo, migrantes estão sendo transformados em bodes expiatórios, acusados de roubar vagas dos trabalhadores locais, provocar rebaixamento de salário e ameaçar a segurança. As campanhas xenófobas desencadeiam violência sobre os migrantes. São criminalizados em vez de serem protegidos pelo sistema de segurança do Estado. Segurança deixa de ser um direito para se transformar num muro social, num aparato de controle, a exemplo dos locais de confinamento de imigrantes na Europa, para monitorar os chamados “extracomunitários”, numa nova versão dos antigos “campos de concentração”. Assim, as fronteiras se erguem e recrudescem, tanto para os que já estão como imigrantes como para os que tentam entrar. Para os que estão, reduz-se a cidadania e os direitos e, para os que chegam, polícia de fronteira, prisão e deportação.

Detidos no exterior

Lá fora, são mais de 4 milhões de brasileiros tentando a sorte. Como a maioria dos migrantes no mundo trabalham mais, recebem menos e não têm direitos trabalhistas e sociais. Para estes, o retorno digno é uma questão de justiça. Pessoas que enviaram parte de seus ganhos ao país de origem para ajudar a família. Com seu trabalho ajudaram tanto o país de destino como o de origem. Então, nada mais justo que um programa social, de reinserção social digna no retorno. No exterior existem cerca de 2.473 brasileiros detidos ou aguardando julgamento e 849 esperando deportação.

Por sua vez, os imigrantes sem documentos que moram no Brasil clamam por justiça. Vivem como “clandestinos” cujo único crime é lutar por sobrevivência digna. Crianças e jovens imigrantes sentem a dificuldade da nova língua, expostos à discriminação, necessitam de uma acolhida que respeite sua diferença cultural e melhore sua autoestima. Os presos e presas imigrantes permanecem sem visitas e sem um acompanhamento jurídico adequado. Em 2004, havia 1.626 presos, sendo cerca de 1.323 homens e 303 mulheres. Na grande maioria com acusações de tráfico de drogas, sendo que também foram usados pelo crime organizado. Alguns como “iscas” para serem presos enquanto a polícia é despistada na entrada de maiores volumes de entorpecente. Calcula-se que existam 800 mil imigrantes documentados e cerca de 400 mil sem documentos.

Enfim, em meio a tantos dados e aspectos que envolvem a migração, não poderíamos deixar de destacar a força de transformação da qual os migrantes e as migrantes são portadores. Por meio de associações, organizações, mobilizações, apontam para um mundo sem fronteiras no qual a cidadania universal deixa de ser apenas utopia para começar a se tornar realidade.

* SPM é um organismo da CNBB.
Publicado na edição Nº 05 – Junho 2009 - Revista Missões. www.revistamissoes.org.br

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