? só o que faltava

Egon Heck *

Semana agitada para o agronegócio e os povos indígenas no cone sul do Mato Grosso do Sul. Na abertura de mais uma feira Agropecuária em Dourados, coube à atriz Global Regina Duarte, encerrar o ato manifestando sua solidariedade aos donos do agronegócio, tão ameaçados em suas propriedades privadas, pelo reconhecimento e demarcação das Terras tradicionais Kaiowá Guarani. Manchetes destacaram que a atriz "tem medo de índio", referindo-se aos temores por ela expressas com relação ao processo de identificação das terras indígenas.

A imprensa local também teve seu álibi ao "descobrir" que "os índios se matam por amor e paixão". A manchete que proliferou na mídia local se referia a uma entrevista do antropólogo Fabio Mura, estudioso do povo Guarani Kaiowá, na qual ele procurou analisar a infame situação de violência e mortes entre e contra esse povo indígena com destaque para a questão dos suicídios. Foi o suficiente para a imprensa esquecer ou propagandear sua versão para o fato cruel divulgado pelo relatório de Violência em 2008 elaborado pelo Cimi. Os números são estarrecedores e revoltantes. Quase 70% dos assassinato e 100% dos suicídios foram no Mato Grosso do Sul e quase todos eles entre os Kaiowá Guarani. O antropólogo Fabio Mura em sua entrevista procurou elencar os diversos fatores que concorrem para essa trágica realidade. Evidencia que os suicídios são fruto de convergência de inúmeros fatores, que produzem o atual quadro complexo e desafiador. Vão desde o roubo das terras e confinamento até a reelaboração e agravamento de elementos culturais e de visão do mundo desse povo. "O espaço territorial é fundamental para manter o equilíbrio entre as famílias, para que não aumentem as tensões", afirma o antropólogo.

A identificação das Terras Kaiowá Guarani
Falta apenas um mês para expirar o prazo para conclusão das identificações conforme o Termo de Ajustamento de Conduta. Porém os membros dos seis Grupos de Trabalhos, reunidos em Brasília, durante uma semana, analisaram e debateram as formas de concluírem os trabalhos de identificação. Até o momento houve uma resistência feroz, em todos os níveis contra esse trabalho, que é o cumprimento do artigo 231 da Constituição Federal de 1988. Esse clima de guerra dificultou e impossibilitou a normalidade do desenvolvimento dos trabalhos. Esperam que, finalmente, possam efetuar a parte final de seus trabalhos com maior compreensão e tranqüilidade.

Dentro do seminário dos Grupos de Trabalho teve um importante momento de debate com a presença de representantes do Ministério da Justiça, do Ministério Público de Dourados, Ponta Porã e Campo Grande, além de representantes de entidades que tem atuação junto aos povos indígenas da região.

Laranjeira Nhanderu- mais um despejo anunciado
Enquanto o processo de identificação vai para sua etapa final, a ira do agronegócio se faz sentir em mais uma expulsão de uma comunidade Kaiowá para a beira da estrada. Em nota à opinião publica, os movimentos sociais e movimento indígena manifestam seu repudio a mais esse ato de injustiça e violência contra uma comunidade indígena e conclamam para uma solidariedade ampla contra esse tipo de ações, que tem total apoio do Governador do Estado. "Os movimentos sociais e entidades na luta pelos direitos humanos e garantia dos direitos dos povos indígenas neste estado, vem se unir ao Movimento Indígena, no repúdio a mais esse ato de violência e exigir a continuidade dos trabalhos de identificação e demarcação de todas as terras Kaiowá Guarani, conforme o TAC firmado pelo Ministério Público Federal e FUNAI, e também os demais povos indígenas no estado, para que não se continue a perpetrar a negação de direito, e que geram o sofrimento e injustiça contra esse povo. Queremos também denunciar a ameaça do Governador do estado, André Puccineli, que, ao invés de se empenhar na efetiva solução do problema visando preservar os direitos da população indígena e a sua integridade física, colocou a Polícia Militar de prontidão para perpetrar a violência contra a comunidade Kaiowá Guarani."
O documento termina denunciando a criminalização e repressão à luta pela terra "Queremos também repudiar a discriminação e criminalização das lideranças e dos Movimentos Sociais que lutam pela vida na terra, pelo reconhecimento de um pedaço de chão para plantar e viver ou terem seus territórios reconhecidos conforme determina a Constituição Federal e a farta legislação internacional da qual o Brasil é signatário. Só haverá justiça, democracia e paz, se forem reconhecidos os direitos básicos dos povos indígenas às suas terras tradicionais. Viva Laranjeira Nhanderú!" .
Uma comissão dos movimentos sociais do Mato Grosso do Sul estará fazendo uma vigília no local do despejo e estarão levando a solidariedade, em nome de todos aqueles que se indignam diante de mais uma arbitrariedade num mundo de tantas injustiças, desigualdades e exclusão. Um companheiro do MST regional fez um poema lembrando a resistência dos povos indígenas no Brasil e em especial dos Kaiowá Guarani:

Quando entra um presidente
Que quer ajudar a gente
Demarcando nossas terras
Nossa pintura de festa
Por culpa de quem não presta
Mudou-se para a da guerra

Hoje nossa existência
É marcada de violência
Suicídio e assassinato

Prisões e atropelamento
São marcas do sofrimento
Lamentos de cada fato.

Que NHANDERU nos proteja
E que a sociedade veja
Queremos nosso TEKOHÁ
No Brasil dos brasileiros
Existe muito estrangeiro
Tomando nosso lugar
(Tadeu de Moraes Delgado - MST-MS)

* Egon Heck, assessor do Cimi - MS.

Fonte: Egon Heck / Cimi MS

 

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