Migalhas não

Egon Heck *

“Apesar de todas as condições adversas nas quais vivem, os Guarani demonstram cada vez com mais força, que continuam tendo um grande potencial para reorganizarem-se e fortalecerem sua luta pela recuperação de seus territórios e de seus direitos. Para resistir como um povo continental durante cinco séculos, eles utilizaram como fortaleza sua cultura e sua língua” ( Marilin Rehnfeldt, “Os Guarani na América Latina”, abril 2009 )

O milho está encharutado, retorcido pelo calor e falta d’água. Num esforço supremo tenta lançar a espiga, florescendo, pendoando, mesmo com menos de meio metro de altura. A seca castiga o “awati”, o pouco milho Guarani. Seu Rosalino olha com pena para as plantas “estão com sede!”. Mas não perde a confiança de que a chuva venha, e com ela dias melhores.

Nada angelical
No decorrer da vigem também fomos ouvindo comentários e informações pela imprensa de que o governador havia conversado com os bispos sobre a questão indígena para “evitar conflitos”. Por outro lado a iniciativa de procurar o governante para buscar saídas para o grave problema dos povos indígenas no estado, particularmente por terem quase todas as suas terras sido tomadas no decorrer do processo de ocupação dessa região, partiu dos bispos. Seu compromisso evangélico de opção preferencial pelos pobres os impeliu a esse gesto. Isso teria sido explicitado a André.

Sobre o encontro a imprensa destacou “meu receio é que tenha mortandade, tanto de um lado como de outro. Solicitamos uma solução pacífica, para a qual solicitamos a participação dos bispos para que isso não ocorra,” afirmou o governador (Campo Grande News, 17/04/09) O arcebispo de Campo Grande, D. Vitório Pavanelo afirmou “Só encontraremos uma saída através de um dialogo suprapartidário, que supere as disputas de classe e que enxergue todos os envolvidos como cidadãos” (Campo Grande Nesws,16/04/09)

O governador, por sua vez, esmerou-se em explicitar que é grande conhecedor da causa e amigos dos índios. Tanto é assim que afirmou aos participantes do encontro que já está com todas as soluções na manga da camisa. Muito em breve estará resolvendo a questão da Terra Indígena Cachoeirinha, comprando mil e quinhentos hectares de terra e que os fazendeiros já se prontificaram a doar outros dois mil. E pronto. Problema resolvido. E os 36.218 há identificados como terra terena, deixariam de existir. O que para o governador parece ter obviamente fácil, parece não ser bem assim. Na mesma semana lideranças das diversas aldeias e áreas do povo Terena afirmavam o contrário. Grandes faixas na aldeia Mãe Terra exigiam o cumprimento integral da demarcação da terra indígena identificada.

A segunda questão de terra a ser resolvida, conforme solicitação do próprio presidente da Republica, seria a questão da Terra Indígena de Dourados. Ali residem aproximadamente 13 mil índios em 2,5 mil hectares. A receita do governador também já está pronta. Serão comprados 3 mil há de terra, ampliando assim a área e 5.500 índios serão transferidos para outras regiões e áreas. Conforme o governador isso já estaria acertado. Tudo parece muito fácil e simples.

Mas a solução apontada vai no sentido da “integração econômica”. O governador teria afirmado seu projeto de “aldeia produtiva” para a qual já estariam liberados 70 tratores equipados e 200 técnicos agrícolas.
Conflitos e novos despejos
Enquanto continua a mobilização de setores políticos e econômicos para impedir a continuidade da identificação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul, comunidades e aldeias continua sendo despejadas e ameaçadas. As famílias que haviam do tekoha Jukeri, no município de Dourados, tiveram como presente de Páscoa a retirada da terra em que estavam, onde já haviam, inclusive, feito plantações.

Sobre a comunidade de Laranjeira Nhanderu, no município de Rio Brilhante, pesa a ordem de despejo. Conversando com o cacique Faride ele expressava a angustia de não saber o que será amanhã de sua comunidade. “Para onde vamos?” Enquanto ia identificando o nome das crianças de sua comunidade que estão no cartaz e texto base da semana dos povos indígenas deste ano. O tema e lema da campanha é “Paz e Terra para os Povos Indígenas – a paz é fruto da justiça”. As crianças de Laranjeira Nhanderu, com o mabaracá e takuara, estão mostrando ao Brasil e ao mundo que estão confiantes, fazendo seu ritual. Porém não sabem até quando continuarão no pedaço de chão no qual estão.

Já no Arroyo Corá, município de Paranhos, os fazendeiros enviaram grande quantidade de pistoleiros para atemorizar a comunidade.
Lembro de uma matéria de profundo sentimento e desabafo de Lauriene Seraguza na qual ela aborda a questão de falta de água nas aldeias de Arroyo Cora e Potrero Guasu, no município de Paranhos.

“Engraçado que me refiro a famílias que vivem sem água no município de Paranhos, aqui em Mato Grosso do Sul. Famílias indígenas, claro. Porque aqui no MS elas não vivem. Elas sobrevivem. Resistiram a repressão da colonização, resistiram a escravidão da Erva Mate Laranjeiras, resistiram a tomada de seu território, resistem ao descaso da nossa sociedade que se diz humana. Mas até quando vão resistir?

Nas áreas indígenas de Potrero Guasu e Arroyo Corá, não há água potável. E há mais de 160 famílias. Crianças, adultos, idosos, todos esperam, pacientemente, dos órgãos competentes que cumpram suas funções: uma delas é o acesso a água. Como dizem os Guarani, o sangue da terra, a seiva da vida.

Na área indígena Arroyo Corá há duas bicas de água que vem de uma mina próxima, mina que está sendo assoreada pelos maus tratos que os fazendeiros tiveram com a Mãe Terra quando por lá viveram. As várias famílias começam a chegar as quatro horas da manhã para buscar água na escola. Água, nada saudável, visto que as áreas indígenas são cercadas de grotescas plantações de soja e "roças de carne": gado! E em breve, tudo se transformará num grande canavial, pois conforme mapa da região, mais de 14 000 000 ha será tomado pela nova praga do capitalismo: a cana. Cana esta que não vai ajudar em nada aquele município e nem mesmo o nosso país, pois os grandes beneficiados serão os países que utilizarão estes recursos.
Até quando seremos escravos dos doleiros estrangeiros que vivem e usurpam os direitos humanos aqui?

Caciques já morreram e não vivenciaram as ações que viessem atender seus pedidos diante de um órgão tão conceituado como a UNICEF. O que fazer se são ignorados pela sociedade nacional? O que será dos que "vivem''ou "teimam em viver"?

Até quando teremos perguntas sem respostas, famílias ao relento, mortes, injustiças neste estado?
Não é possível estar no MS e fechar os olhos para as aberrações governamentais que vivenciamos todos os dias. A não ser que você se contente com sua água mineral, seu banho quente e o seu big brother brazil. Enquanto a alienação toma conta da vida de algumas pessoas, outras muitas estão morrendo, e outras poucas estão lutando, denunciando.

Chega de impunidade MS. Soluções já!
"O que será que será?" de todas as famílias amordaçadas, silenciadas e privadas de uma vida digna. "O que será que será" dos que fecham os olhos ao acordarem. Que sonham com belezas indumentárias. Enquanto a morte ronda as suas casas. Bem distante das suas portas. E pobres seres pedem pães velhos nas calçadas. Não agüento mais...”

Diante da gravidade dessas situações vemos que não é possível ficar passível. É urgente o empenho amplo para soluções definitivas e não esmolas. É esse o pensamento expresso inúmeras vezes pelas lideranças indígenas do Mato Grosso do Sul em várias ocasiões no Brasil e no mundo.
Morre acusado de mandar matar Marçal Tupã’y
No dia 20 de abril morreu, em Ponta Porã, o fazendeiro acusado no processo de ser o mandante dão assassinato de Marçal na aldeia de Campestre em 25 de novembro de 1983. Portanto mais de 25 anos depois, morre Libero Monteiro de Lima. “Mas hoje a família de Marçal cansada e sem esperança na Justiça... tem a sensação de que a Justiça é muito lenta. Em nosso país, é muito lenta e pouco justa para os pobres, acrescentaríamos nós”(Benedito Prezia, “Marçal Guarani a voz que não poder ser esquecida, Expressão Popular, 2006)Rômulo Gamarra, indiciado como autor dos disparos continua foragido até hoje, apesar das afirmações de que ele circula livremente na região.

Passando pela aldeia de campestre as lideranças denunciaram a continuidade de ameaças pelos seguranças dos fazendeiros e a destruição dos bacuri, uma palmeira de grande importância para os indígenas. Ao mesmo tempo os mais de setecentos índios e estão espremidos em pouco mais de cem hectares, não tem sequer lenha para cozinhar seus alimentos. Para conseguir uns pedacinhos de lenha tem que correr o risco de receber tiros dos seguranças.

* Egon Heck, Cimi MS
Campo Grande, 26 de abril de 2009
Fonte: Cimi MS

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