Dia da Amazônia 2022

No dia 5 de setembro de 1850, Dom Pedro II criou a Província do Amazonas, para fortalecer a presença do governo imperial nesta vasta região.

Por Juacy da Silva*
Imagem: Pedro J Marquez/Divulgação

“Hoje em dia, a Igreja tem a oportunidade histórica de se diferenciar claramente das novas potências colonizadoras, ouvindo os povos amazônicos para poder exercer, com transparência, seu papel profético. A crise socioambiental abre novas oportunidades para apresentar Cristo em toda a sua potencialidade libertadora e humanizadora”. (A Voz da Amazônia, preâmbulo do Documento Instrumentum Laboris, Amazônia: Novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral” Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, 2019).

No dia 5 de setembro de 1850, o Imperador Dom Pedro II, criou a Província do Amazonas, com a finalidade de fortalecer a presença do Governo Imperial nesta vasta região e definir o espaço do Brasil nesta, que é ainda hoje, a maior floresta tropical do Mundo. Região compartilhada entre o Brasil e mais 8 países/territórios: Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia.

Coube à Lei 11.621, de 19/12/2007, sancionada durante o primeiro ano do Governo Lula, criar o DIA DA AMAZÔNIA, a ser comemorado todos os anos em 5 de Setembro, possibilitando que, pelo menos em um dia, possamos refletir sobre o que está acontecendo com este imenso e rico bioma, não apenas o pulmão do mundo, mas parte de uma região que não pode continuar à margem do desenvolvimento, de forma realmente sustentável, desses países que compartilham a Pan Amazônia.

A Pan-Amazônia e não apenas a “Amazônia brasileira”, sob a qual nosso país exerce soberania territorial, é um bioma único, com suas florestas, seus rios, sua biodiversidade, seu clima, seus povos e culturas ancestrais, suas tradições, suas línguas, seus costumes, suas riquezas minerais e também suas dores, seus gemidos (os gemidos da terra são também os gemidos dos pobres e excluídos), diante de tanta violência e ganância de grandes grupos econômicos e potências mundiais, colonizadores e exploradores do passado e do presente.

Diante disso, seguindo a tradição de voltar seu olhar como dirigente máximo, como Pastor do maior rebanho mundial de fiéis, o Papa Francisco, após haver publicado a Encíclica Laudato Si, decidiu convocar um Sínodo Especial dos Bispos da Pan Amazônia,voltado especificamente para uma reflexão sobre este bioma, tendo com isto, demonstrado que a Igreja, como deveria acontecer com os governos nacionais de todos os países que compartilham o bioma pan-amazônico, deve repactuar o processo  de ocupação e de “desenvolvimento’, colocando no centro deste processo novos paradigmas como o respeito aos territórios e culturas dos povos indígenas, que vivem e sobrevivem nesta vasta região por milhares de anos, muito antes da chegada dos colonizadores espanhóis, portugueses e, um pouco mais tarde, ingleses, holandeses e franceses e outros grupos populacionais que também há séculos e décadas estão na Amazônia e devem ser reconhecidos e respeitados em seus direitos.

Outro paradigma que deve ser inserido neste processo de ocupação deve ser o respeito pela diversidade dos ecossistemas que estão presentes na Pan Amazônia, enfim, garantir a sustentabilidade para as atuais e futuras gerações, como única maneira de reduzirmos e eliminarmos definitivamente o processo acelerado de degradação ambiental e de pilhagem que está destruído impiedosamente a Amazônia, representado pelo desmatamento, pela grilagem de terras públicas, reservas ambientais, territórios indígenas, garimpos e mineração ilegal, extração de madeira, contrabando de minérios, pedras preciosas, espécies raras de animais e vegetais, construção de grandes e pequenas barragens para a produção de energia elétrica, que tem provocado danos irreparáveis ao meio ambiente e afetado a vida e sobrevivência de centenas de milhares de ribeirinhos, povos indígenas, caboclos, pequenos agricultores e outras populações que são expulsas de suas terras e habitações, engrossando o contingente de excluídos, pobres e miseráveis que fazem parte dos 30 milhões de habitantes que residem apenas na Amazônia brasileira, Quadro este que também está presente com toda a sua violência na Amazônia dos demais países.

A Bacia Amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo, com seus SEIS MILHÕES de km2; mais de 1.100 rios, ribeirões, corixos, córregos e uma vasta área alagada permanentemente ou temporariamente, durante o regime das cheias. Por isso a Pan Amazônia é também chamado de “planeta das águas”, onde os rios se transformam em “estradas”, po ronde circulam milhões de pessoas e as riquezas produzidas (legal e ilegalmente) nesta imensa região que praticamente vive e sobrevive sem contar com a presença efetiva dos poderes públicos, razão maior ou talvez única que acaba transformando a Amazônia em “terra sem lei”,  ou a “terra da violência e da impunidade”, principalmente contra os mais fracos e oprimidos, para os quais as Igrejas, principalmente a Igreja Católica tem voltado suas atenções e ações evangelizadores, dentro de uma dimensão sociotransformadora e libertadora, como, atesta, por exemplo, a recente declaração dos Bispos da Amazônia (Carta de Santarém, 2022).

Para se ter uma ideia da importância da parte deste Bioma que faz parte de nosso território, a Amazônia Legal compreende uma área de aproximadamente cinco milhões de km2 o que equivale a 59% do território brasileiro e 83% da Pan Amazônia.

Ao longo de séculos, com maior ênfase nas últimas 4 ou 5 décadas, a Amazônia, principalmente a Amazônia brasileira tem sido vítima de uma pilhagem sem par, anualmente a grande imprensa, os meios de comunicação, inclusive de âmbito regional, tem estampado notícias, reportagens especiais, escritas e televisadas, mostrando os horrores do desmatamento, da degradação do solo, das águas e do ar tanto pelas queimadas quando pela ação de grileiros, garimpeiros que promovem uma violência principalmente contra povos indígenas, populações tradicionais, algumas remanescentes da escravidão (quilombolas) ou caboclos, seringueiros, enfim, os chamados “povos das florestas”.

Só para termos uma ideia, entre 1970 e 2021, foram desmatados em torno de UM MILHÃO de km2 da Amazônia Brasileira (a chamada Amazônia Legal), ou seja, em torno de 100 milhões de ha de florestas foram desmatados para dar lugar ao avanço da fronteira agrícola (atividades agropecuárias, mineração, queimadas e a construção de grandes e pequenas barragens para a produção de energia elétrica).

Cabe ressaltar que só na Amazônia legal existem mais de 25 milhões de hectares de áreas degradadas, que não mais se prestam para qualquer atividade econômica, sendo que os custos para a sua recuperação demandam investimentos de bilhões de reais.

Ai surge uma contradição deste modelo perverso de ocupação desta vasta e rica região, um dos mais importantes, talvez o mais importante, para o clima do planeta e para reduzir o aquecimento global, as mudanças climáticas e todas as suas consequências que bem conhecemos.

Durante décadas, sob os governos militares no Brasil, sob a ideia de que era preciso “integrar para não entregar”, ou seja, a mesma cantilena em relação a tão proclamada “cobiça internacional” em relação a Amazônia, o Governo Federal criou vários programas e incentivos fiscais, creditícios e financeiros que acabaram beneficiando  grandes grupos econômicos, que se locupletaram, como ainda se locupletam, graças `a uma corrupção endêmica que sempre fez parte desses grandes programas que não contam com acompanhamento, fiscalização e avaliação quanto aos benefícios que  deveriam ser gerados para a população como um todo e não apenas para engordar os lucros desses grupos gananciosos, que não respeitam o meio ambiente e muito menos o direito que as atuais e futuras gerações tem quanto a um  meio ambiente saudável e sustentável e também aos chamados “frutos do desenvolvimento”.

Isto significa que tais grupos foram beneficiados pelas benesses das políticas públicas, destruíram e ainda estão destruindo os ecossistemas/biomas, biodiversidade e já estão de olho em futuros programas de recuperação de áreas por eles mesmos degradadas. Ou seja, o governo concede subsídios e outros incentivos para a destruição da Amazônia (e também para outros biomas), dinheiro do contribuinte e, depois, concede novamente incentivos para a recuperação das áreas que foram degrades por esses mesmos grupos, cujos paradigmas são apenas o lucro imediato e a acumulação de capital, renda e riqueza, tendo como base a apropriação dos recursos naturais que deveriam ser explorados para o uso e benefício da população toda e não apenas de uma minoria, geralmente entranhada ou fazendo para das estruturas do poder.

Devemos procurar conhecer como tem ocorrido e continua a ocorrer a ocupação da Amazônia, identificar quem deste processo está mais se beneficiando e juntarmos nossas vozes e indignação quanto a esta pilhagem, tanto para atender interesses de grupos e interesses internacionais mas também de grupos nacionais que fazem parte desta grande cadeia de destruição e degradação da Amazônia.

Talvez esta seja a forma mais efetiva de “comemorarmos” este DIA DA AMAZÔNIA 2022 e anos vindouros, antes que a destruição deste bioma chegue ao “ponto do não retorno”,  como também já está acontecendo com dois outros biomas: o Pantanal e o Cerrado.

Por isso, precisamos lutar para salvar os biomas e os rios, tanto de Mato Grosso, quanto de todos os Estados, antes que a desertificação, as queimadas e a destruição da biodiversidade deixem apenas uma herança maldita e impagável.

Para finalizar, gostaria de transcrever um trecho da Exortação Apostólica “Minha Querida Amazônia”  do Papa Francisco: “Por isso, nesta breve Exortação, ouso humildemente, formular quatro grandes sonhos que a Amazônia me inspira: 1)Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja escutada e que sua dignidade seja promovida; 2) Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada e beleza humana; 3) Sonho com uma Amazônia que guarda zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e suas florestas; 4) Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e de se encarnar na Amazônia, a tal ponto que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos”.

Esses são os sonhos de Francisco para a Amazônia: um sonho social; um sonho cultural; um sonho ecológico e um sonho eclesial. Oxalá a Igreja na Amazônia e os cristãos, católicos e evangélicos e também integrantes e adeptos de outras religiões ou mesmo que não tenha qualquer religião, reflitam melhor e mais criticamentemente sobre o que está acontecendo na e com a Amazônia e busquemos novos caminhos para melhor cuidarmos da Amazônia, não apenas em termos de critérios geopolíticos, mas em uma perspectiva da Casa Comum ou seja, da saúde do Planeta Terra.

O que acontece na Amazônia afeta o mundo todo, dentro da lógica da Encíclica Laudato Si de que “tudo está interligado, nesta Casa Comum”.

* Juacy da Silva, professor titular e aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, articulador da Pastoral da Ecologia Integral da Arquidiocese de Cuiabá. Email profjuacy@yahoo.com.br

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