Dom Casaldáliga: os 3 "Ps" do Pedro

Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia, faleceu dia 8 de agosto.

Por Alfredo J. Gonçalves

P A S T O R

Vindo do outro lado do mar, trouxe no corpo e na alma a marca da liberdade;
manteve redobrada solicitude sociopastoral diante dos pobres e dos excluídos,
usando a palavra e o bastão não para golpear as ovelhas perdidas e indefesas,
mas para afugentar os lobos fortes, ferozes e famintos por trabalho humano;
dedo em riste e língua afiada contra o latifúndio e as cercas, a tirania e a ditadura,
na proteção dos povos indígenas, dos camponeses e das comunidades quilombolas.
Homem de Deus, do tempo e dos oprimidos; do Xingu, das águas e da Amazônia,
defensor da vida em todas as suas formas e da preservação do meio ambiente,
sentinela sempre alerta à vida onde ela encontrava mais frágil e ameaçada.

P R O F E T A

pedrocasaldaliga1Chegou com o sonho do Reino de Deus, da Pátria Grande, do novo céu e nova terra;
e logo fez-se porta-voz da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais e Base,
das Pastorais Sociais, da defesa dos Direitos Humanos e das organizações populares.
Combatente intrépido do “bom combate” e companheiro de todos os caminhantes,
percorreu rios e igarapés, veredas e estradas, visitando vilas, povoados e comunidades.
“Discípulo missionário” do profeta itinerante de Nazaré, incansável na vinha do Mestre;
nas terras devastada pela violência dos senhores, com seus capatazes, grileiros e jagunços,
pôs-se decididamente ao lado de posseiros, migrantes e pequenos produtores,
e como na palma da mão, possuía o mapa das comunidades ribeirinhas,
sem medo das ameaças, armadilhas, artimanhas e armas dos fortes e poderosos.

P O E T A

Da Catalunha trouxe também a sensibilidade artística, com acentuada veia poética,
olhar estético para as águas e os peixes, as estrelas, as flores e os frutos da Amazônia,
mas também para as dores e sofrimentos dos povos que ali viviam e trabalhavam,
nutrindo sonhos, lutas e esperanças na construção de uma “terra sem males”.
Poeta da biodiversidade, de todos os povos e raças, das múltiplas e variadas culturas,
intérprete misterioso do divino e do humano, da terra e do céu, da selva e da cidade,
formado que era na escola do silêncio e da escuta, do cotidiano e da Palavra,
impregnado na sabedoria e no segredo de uma espiritualidade multicultural,
aberta e transparente aos caminhos e valores de cada pessoa e suas descobertas.

PEDRO: PASTOR, PROFETA E POETA

Trocando o velho continente pelas terras novas e viçosas das Américas,
supera a “globalização da indiferença”, como alerta o Papa Francisco,
pela cultura da acolhida, do encontro, do diálogo e da solidariedade,
deixando para traz qualquer tipo de preconceito, xenofobia ou discriminação;
mestre e aluno, aluno e mestre – pronto sempre ao intercâmbio de saberes,
aprendizado livre e recíproco que a todos e todas enriquece.
Através do outro, pavimenta o caminho para o Totalmente Outro,
através do diferente, descortina o horizonte para o Transcendente.

*Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – Rio de Janeiro, 8 de agosto de 2020

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