Como encarar a violência

Este ano a Igreja Católica no Brasil aborda o tema da violência e discute com os fiéis os meios para superá-la através da Campanha da Fraternidade (CF).

Por Ronaldo Lobo

As raízes da violência são profundas e aqui não seria o lugar de abordá-las. Sem dúvida é um assunto importante, atinge muita gente e uma grande maioria da nossa população é vítima dela. Quem passeia pelas cidades, grandes ou pequenas, rapidamente observa uma mudança gradual - grades, muralhas, tapumes, ruas com cancelas, milícias fazendo às vezes de segurança privada nos bairros de classe média e alta e uma violência solta nos bairros pobres. ‘Onde acaba o amor têm início o poder, a violência e o terror’ dizia Carl Gustav Jung. Mais ainda, os programas de televisão transmitem a violência dentro da nossa casa de graça 24 horas por dia. Somos anestesiados dia a dia com uma cultura de violência. A violência é um assunto abordado nas conversas diárias, mas não é enfrentado com seriedade pelo medo e transtorno que causa.

A pobre viúva (Mc 12, 38-44)

No Evangelho de Marcos, Jesus, na sua última semana de vida em Jerusalém, só encontra uma coisa positiva – o gesto da viúva pobre que depositou duas das menores moedas da época no cofre do Templo! Muitas vezes o texto é usado para explicar a generosidade da pobre mulher, pois ela deu tudo o que tinha, mas há uma crítica escondida nele. Ela aparece no texto em contraste com certo tipo de liderança religiosa da época. O trecho relata dois acontecimentos (vv. 38-40; vv. 41-44) de críticas contra as autoridades corruptas que eram soberbas e exploravam os pobres.

A pobre viúva é um protesto aberto contra a exploração do pobre pelas autoridades e pelo Templo. Ao invés de cuidarem da viúva, extorquiam o que ela tinha! Na antiguidade, os escribas podiam servir como administradores dos bens das viúvas. Muitas vezes cobravam uma parte dos bens como pagamento – e um escriba com fama de piedade tinha muitas possibilidades de ganhar clientes! Há uma violência sutil embutida dentro do esquema da piedade. Todas as cenas da violência no nosso país gritam abertamente pelo descaso das lideranças, sejam elas políticas, econômicas ou religiosas.

Embora essa passagem seja muito mais suave do que Mateus capítulo 23, também tem sido usada historicamente para atacar as lideranças judias. Falando da violência, qualquer que ela seja, vale primeiro apontar as lideranças que abandonaram as suas responsabilidades. O cidadão deseja que o papel do Estado seja de suprir as suas necessidades, manter a ordem e garantir os seus direitos. A violência mostra para nós o rosto ferido da humanidade. Encontramos em todos os lados as pessoas feridas oriundas das realidades como a desagregação familiar, a falta de respeito ao próximo, a falta de educação, exclusão social, a falta da espiritualidade. O governo, os líderes, os responsáveis lavam suas mãos e fazem de conta que também são vítimas. A situação é de urgência. A Campanha da Fraternidade deste ano aponta aos muitos trabalhos que devemos fazer.

Homicídios

De acordo com os dados do Atlas da Violência de 2017 (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada - IPEA e Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP), entre 2011 e 2015 houve cerca de 280 mil homicídios no Brasil (55 a 65 mil vítimas por ano). Uma quantidade de mortos que supera à da guerra da Síria no mesmo período. O ano de 2016 foi o ano mais violento deste século diz o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública lançado pela FBSP com quase 62 mil mortos em homicídios e latrocínios. Isso significa que pelo menos a cada sete minutos, uma pessoa é assassinada no Brasil. A recente escalada de violência é o aspecto terrivelmente fatal do retrocesso político, econômico e social vivido no país. Vale a pena perguntar o que podemos fazer para deixar o povo viver?

Violência no campo

Os conflitos fundiários no Brasil vêm de longa data e expulsam o povo da sua terra. Resultado: aumento do êxodo rural e práticas políticas obscuras de crédito para com os que permanecem. A opressão do latifúndio, dos latifundiários e do capitalismo tem levado, de alguma forma, a um emudecimento dos sem-terra e os outros protestos. Na parte dos posseiros, o desejo de libertar-se da experiência de ser expropriado e ignorado nos seus direitos tem levado à banalização da existência humana e à perda de valores. A violência continua e os pequenos agricultores que se aventuram para ter um pedaço de chão morrem. O que faremos?

Violência contra a mulher

A Igreja tem falado pouco sobre a violência contra a mulher! Com a ajuda da ONG ‘Centro das Mulheres do Cabo’, a Lei Maria da Penha entrou em vigor no país em 2006. Embora a lei esteja em vigor, infelizmente, a violência física, sexual ou psicológica continua a marcar a vida de três em cada 10 nordestinas e elas não conseguem romper o ciclo da violência doméstica e do abuso sexual. Qual seria a atitude da comunidade católica diante dessa realidade?

Violência contra os lideres

Há um aumento dos números de casos de violência contra as lideranças que defendem os Direitos Humanos no campo. Tal fato está diretamente relacionado ao período de maior instabilidade política do país, quando as vantagens já concedidas ao agronegócio são alargadas. Os massacres e chacinas na Amazônia legal, contra trabalhadores rurais e vitimando indígenas, ocorridos em 2017, se localizam em áreas de grande interesse para expansão de iniciativas do capital. Como denunciar, resistir e fazer surgir mais lideranças corajosas como essas?

Contra os jovens negros

Morrem muitos de nossos jovens negros. Apesar de o Brasil ser signatário de compromissos internacionais de eliminação do racismo, da xenofobia e da desigualdade racial, a cada 23 minutos, um jovem negro é morto no país. A cada dia, são 66 vidas perdidas, totalizando 4.290 óbitos por ano. Segundo o Mapa da Violência, um rapaz negro tem até 12 vezes mais chances de ser assassinado em relação a um branco. De outro lado, o crescimento da violência policial contra esses jovens também é uma chocante realidade. Qual seria o nosso grito diante de tal barbárie?

A violência urbana afeta a ordem pública e toda a sociedade, independentemente da classe social. Diante dela parece que o poder público se tornou impotente. Muitos especialistas são da opinião de que a má distribuição da renda é uma das principais causas da violência. Devemos enfrentá-la de maneira sadia, pelas políticas públicas, conscientização pública, cultivo de valores humanos e familiares, pela oração e pelas atitudes corretas.

* Ronaldo Lobo, svd, é Superior dos Verbitas em Curitiba, PR.

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