Em busca de outro Madiba

“Quase todos os homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”.  Abraham Lincoln

Por Isaack Mdindile

Existe hoje consenso global, e fatos que mostram uma insatisfação total da economia (oiko+nomos) e política (polis). As duas se casaram, mas não há conjugalidade, que supõe liberdade e serviço. O fracasso da democracia, as lacunas nas formalidades de representação, e a manipulação total das mídias, continuam a alimentar as crises. As crises na liderança, na autoridade, como da paternidade e maternidade se ampliam cada vez mais. Na África, estamos ainda com saudade de Nelson Mandela (Madiba) e outros líderes como Nkrumah, Patrice Lumumba, Sankara, Steven Biko e Nyerere. Não como personagem míticos, mas como portadores de um sonho “de uma África unida e sustentável”.

mandela1Que tipos de sabedoria os líderes africanos hoje podem aprender de Nelson Mandela? Sem dúvida, muitos. Porém, aqui destaco apenas a humildade intelectual. Isto é reconhecer a complexidade da realidade e falibilidade humana. Não podem ser líderes que querem fazer tudo sozinhos, escondidos e nem aceitam críticas, mesmo construtivas. Pior ainda, ameaçar liberdade das empresas e dos partidos opositores. Não podem.

Infelizmente, na África ainda sobram políticos com seus partidos que fazem tudo para serem “presidentes eternos”. A saber: Joseph Kabila (RDC-Congo), Yoweri Museveni (Uganda), Eduardo dos Santos (Angola), Pierre Nkurunziza (Burundi), Robert Mugabe (Zimbábue) etc. Não é possível para o continente avançar com esses profetas da desgraça! Com certeza, são os primeiros inimigos da África. A tese de que os piores inimigos da África estão mais dentro que fora é verdade.

Ao comemorar, anualmente, o dia 25 de maio, como Dia da África, devemos nos perguntar: até que ponto conseguimos unir, reconciliar e emancipar o continente nesses 50 anos depois da nossa “independência”? A questão central não é o que o governo fez ou deixou de fazer, mas qual é a minha contribuição como cidadão consciente nessa construção mútua? A maioria de nós caímos na categoria dos “analfabetismos políticos” ou na raça dos “reclamadores”. Há o desinteresse generalizado para o rumo que a classe dirigente empurra a sociedade. E por seguinte, reclamamos de tudo e de todos. É um apodrecimento espiritual e um vazio do poder.

A África não quer alguém com poder sem autoridade moral, por favor! Isso vale para todos, mesmo os líderes religiosos. Tipo: os ditadores, os corruptos, e os fundamentalistas religiosos. E outros com função sem unção, que não têm inteligência emocional e compaixão pelo povo.

A epistemologia africana acredita no poder enquanto serviço e compromisso. Ela acredita na democracia não importada, mas encarnada nos contextos, tecidos e anseios africanos. O mundo atual das “incertezas”, e a África em particular, devem muito à Mandela, especialmente à sua crença na diplomacia do amor, do perdão e da reconciliação.

“Madiba” morreu com seus 95 anos defendendo a sacralidade da vida humana, as igualdades raciais, a liberdade de pensar, e o bem-estar de todos. Será que também é a nossa luta ver os índios, afrodescendentes, migrantes, enfim, os esquecidos terem seus direitos, não privilégios, garantidos? Duvido! Será que a futura geração dirá de nós que, de fato, lançamos as bases para a erradicação da pobreza mundial; que conseguimos estabelecer uma nova ordem mundial, baseada no respeito mútuo, na paz, e na equidade?

Nova geração: memória, poder e utopia
O que está em jogo, em primeiro lugar, é a tradição viva. Não se trata só dos conteúdos, de uma formação teórica, mas do que transmitimos – para o bem ou para mal – com a própria vida. O que nos faz viver? O que nos alimenta e sustenta nossos sonhos, nosso entusiasmo e esperança? E de que geração se trata? Aqui estão, também, as diversas gerações que constituem hoje a África: tanto as tradicionais, como as modernas, tanto as rurais quanto as urbanas.

Para encontrar outro Nelson Mandela, dependemos muito da geração atual. Depende de uma nova geração com novas atitudes e formação humanista; de uma educação integral (tirar para fora aquilo que já existe), que coloca o ser humano no centro. Não é como dono da verdade, mas um co-criador das relações e instituições.

Antes de mais nada, as novas gerações devem ser autenticamente africanas. Isso equivale a se iniciar nos verdadeiros valores africanos e confiar em sua identidade cultural, a exemplo de Madiba. Os educadores, que são toda família e comunidade no âmbito africano, devem ser “maiêuticos”. Ou seja, os parteiros, que ajudam a “criança” a nascer. Para o renascimento da nova África, a família desde cedo tem a tarefa de despertar os jovens/instituições para ideias nobres. Botar o entusiasmo (in +theos) pelas grandes causas. Que é uma carência na nossa pós-modernidade tecnocrata e líquida.

Nelson Mandela tem muito a nos ensinar como cristãos em relação à política (polis). A fé política vive na memória viva da entrega de Jesus (o prisioneiro político) na cruz para nos salvar (salus). Vive de um amor preferencial e libertador que se faz semente, que dá a vida abundante e plena aos que creem. Madiba é um ancestral vivo, que é atualizado no tempo/templo pela experiência da paz e da reconciliação. Se não preservarmos a memória perderemos esse tesouro, e sem sua atualização congelamos e mumificamos a epifania de Deus na história.

A educação-patriótica, que liberta e transforma a África por dentro, deve produzir estadistas e não apenas políticos. Um político pensa na próxima eleição; um estadista, na próxima geração, como diria James Freeman Clarke. Descanse em paz (wekenã, amani, sawabona, alafia), Ó MADIBA, nosso ancestral. Amém!

Isaack Mdindile, imc, é seminarista em São Paulo, SP.

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