Grécia: um referendo para renegociar a dívida ou se salvar de pagar a dívida?

Achille Lollo *

No passado dia 27, o ministro das finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, recebeu do primeiro-ministro, Alexis Tsipras, a autorização de fechar o acordo caso a Troika (FMI, União Europeia e Banco Central Europeu) aceitasse cinco novas condições. Na realidade, o acordo era uma atualização do Memorando que, em 2012, o anterior governo teve que silenciosamente engolir.

Em resposta, no dia 28, o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfang Schaeuble, e a diretora do FMI, Cristina Lagarde, rejeitaram os cinco pontos dizendo que os mesmos nunca haviam sido debatidos antes e que por isso não podiam ser adicionados no acordo.

No dia 29, o primeiro-ministro Alexis Tsipras surpreendeu todo o mundo declarando que o governo não podia aceitar as propostas da Troika sem uma prévia autorização da maioria do povo grego. Consequentemente, assinava um decreto-lei para fechar os bancos e realizar já no domingo, dia 5, um referendo popular chamando os gregos a votar SIM ou NÃO para o acordo com a Troika.

Muitos acharam a decisão de Alexis Tsipras pelo referendo um "golpe de mestre", do momento em que com o voto majoritário pelo NÃO "a soberania da Grécia voltava a ter um peso diante das manobras da União Europeia e a chantagem dos banqueiros".

O próprio Tsipras reapareceu diante dos microfones das TV sorridente e alegre, convencido de ter, finalmente, infligido aos falcões da Troika o golpe mortal. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro acreditava ter reforçado sua liderança, além de minimizar o peso político do KKE (Partido Comunista), da confederação sindical PAME e daqueles 37% de opositores que no seio do Syriza questionavam de maneira ruidosa como ele havia realizado as negociações com a Troika.

Foi nesse âmbito que Alexis Tsipras, querendo extrapolar o sucesso do dia 29, vetava o pagamento ao FMI da parcela de julho, no valor de 1,6 bilhão de euros, enquanto autorizava o pagamento dos juros aos investidores privados japoneses, no valor de 3,8 milhões de euros. Em seguida, declarava na televisão grega: "48 horas depois de os gregos terem votado pelo NÃO, a União Europeia vai imediatamente retomar as negociações, pois sabe que o governo grego quer permanecer no Eurogrupo. Por outro lado, no dia 30, acabou o prazo de validade do Memorando, por isso deveremos iniciar outra negociação sobre a sustentabilidade do pagamento da dívida".

Simultaneamente, o ministro das finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, declarava a uma rádio irlandesa e depois na televisão helênica que havia enviado uma carta ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker, em que admitia que com a vitória do SIM no referendo ele seria demissionário, enquanto Alexis Tsipras deveria promover a formação de uma nova coligação governamental representando os setores que votaram pelo SIM.

Isto significaria, talvez, novas eleições em um país praticamente à beira da bancarrota, onde os bancos estavam sem liquidez e o governo era impossibilitado de atingir recursos do Fundo Salva Estados do BCE. Por isso, Yanis Varoufakis sugeria a Jean-Claude Junker ganhar tempo começando em "off" uma nova renegociação, sob base da desvalorização da dívida de 30% e um parcelamento da mesma em 20 anos.

Para retomar a iniciativa nas negociações, Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis tentaram surpreender novamente os tecnocratas da União Europeia, antecipando a consequente saída da Grécia do Eurogrupo. É bom lembrar que, também no dia 15, Tsipras havia usado a mesma técnica, sentenciando que sem uma nova ajuda financeira a Grécia estava fisicamente na bancarrota (default). Diante desse cenário, Tsipras e Varoufakis davam a entender que se a Troika aceitasse as novas condições apresentadas pelo governo grego a Alemanha e a França não sofreriam um dano financeiro de quase 150 bilhões de euro por conta da saída da Grécia do Eurogrupo.

Afinal, quem está falando a verdade?

Após a intervenção do primeiro-ministro na televisão helênica, cerca de 13.000 pessoas se juntaram diante do Parlamento para reforçar a posição do NÃO. Porém, no dia seguinte o mesmo número de pessoas desfilava em Atenas em favor do SIM e da permanência na União Europeia, onde se multiplicavam as manifestações de simpatia para Alexis Tsipras.

Um contexto que muitos observadores julgaram favorável a Tsipras, do momento em que o próprio Barack Obama se manifestou preocupado para com o futuro da Grécia. É bom lembrar que a Grécia é membro da OTAN e isso permite à Força Aérea e à Marinha dos EUA terem em sua completa disposição 30 bases aeronavais gregas. Por isso, o Secretário de Estado John Kerry enviou uma mensagem ao governo grego sugerindo "a continuação das negociações".

Entretanto, no dia 1 de julho, a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, desautorizou qualquer tipo de contatos e negociações até conhecer o resultado do referendo do dia 5. Consequentemente, também o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker, assumia uma posição inflexível, desmentindo ter recebido o apelo do ministro das finanças da Grécia para reiniciar as negociações sobre novas bases.

Neste contexto, a pergunta é a seguinte: "quem está falando a verdade? Alexis Tsipras ou Angela Merkel? Yanis Varoufakis ou Jean-Claude Junker?".

Sobre este ponto, é preciso esclarecer algumas questões para evitarmos cair na fácil retórica eleitoreira, a dizer que "Angela Merkel quer submeter a Grécia" ou "a crise cambial desse país foi provocada pela União Europeia".

1 - A formação da dívida

Os governos do PASOK e da Nova Democracia são os responsáveis pelo atual "caos" financeiro, visto que tomaram vários empréstimos (por um total de 340 bilhões de euros) sem conseguir criar condições para o crescimento econômico e, portanto, poder pagar essa dívida. Quer dizer, não fizeram investimentos, não realizaram a reforma fiscal e não taxaram as "grandes fortunas". Para arrecadar dinheiro se limitaram a enxugar as pensões, os salários e os organogramas do funcionalismo público. Nessas condições, o dinheiro recebido em 2010 e depois em 2012 pelo FMI serviu apenas para pagar a dívida com os bancos alemães e franceses e fechar os buracos do orçamento do Estado, dos municípios e dos fundos de pensões. É claro que no final de 2014 o país estava vivendo uma dramática crise econômica.

2 - As medidas de austeridades

Quando os tecnocratas de Bruxelas e os técnicos dos bancos credores (alemães e franceses) se deram conta de que a Grécia não tinha uma estrutura industrial capacitada para gerar superávits e, assim, permitir ao governo pagar os empréstimos tomados em 2010 e depois em 2012, era tarde demais. Por isso, foram ditadas as medidas de austeridades do "Fiscal Compact", na esperança de aliviar os custos do governo, até este ter recursos para pagar as parcelas ao FMI e honrar o pagamento dos juros dos "bonds" aos credores privados. Na realidade, as medidas de austeridade provocaram mais um desastre na economia e na sociedade gregas, porque o consumo e as atividades do mercado ficaram restringidas apenas aos bem sucedidos e aos turistas.

3 - A maioria do Syriza

As eleições de 2012 revelaram a evidente incompatibilidade política e estratégica entre o KKE e os 14 grupos que haviam formado o novo partido Syriza, onde a maioria era representada por forças ligadas à socialdemocracia. Uma divisão que, por um lado, aponta a histórica prevenção da burguesia grega para com os comunistas do KKE por conta dos efeitos da guerra civil (1946/48) e da resistência desse partido contra o golpe dos coronéis em 1968. Por outro lado, não podemos esquecer o papel conservador da igreja ortodoxa. Assim, quando Alexis Tsipras, em 2014, apresentou o famoso manifesto de Salônica, conseguiu consolidar a imagem de "salvador da pátria".

Nesse contexto, o voto majoritário que Syriza obteve, primeiro nas eleições europeias de 2014 e depois nas legislativas de 2015, foi um voto politicamente transversal, de protesto, contra os políticos corruptos e, sobretudo, um voto de esperança, onde proletários, classe média e burguesia achavam que com Alexis Tsipras podiam evitar a catástrofe da bancarrota. Não foi, portanto, um voto político, racional, anticapitalista ou de classe. Foi, sim, um voto que assumiu a retórica de Alexis Tsipras e as promessas feitas no palanque eleitoral. Foi em função disso tudo que o Syriza alcançou 36,8% dos sufrágios, elegendo 149 dos 300 parlamentares.

4 - A dupla face do Syriza nas negociações

Não foi uma casualidade, mas após a vitória eleitoral Alexis Tsipras reuniu-se logo com o socialdemocrata Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, com o qual foram definidas as modalidades das negociações com a União Europeia e as formas para abrandar as exigências do FMI. Entretanto, ficou evidente que para sobreviver politicamente na Grécia o Syriza e, sobretudo, Alexis Tsipras deviam manter uma postura de "opositor de esquerda" e não de um "condescendente socialdemocrata" que aceita de olhos fechados o ditado da Troika, como, por exemplo, fizeram o primeiros-ministros de Portugal, Paulo Portas, o espanhol Mariano Rajoy ou o italiano, Matteo Renzi.

De fato, a dificílima conjuntura econômica da Grécia e a constante pressão do KKE e dos sindicatos para uma ruptura com a União Europeia e a OTAN obrigaram Tsipras e Varoufakis a um discurso conciliador na mesa das negociações, para depois negar tudo diante dos microfones da imprensa. Um comportamento bifronte necessário a manter sob controle a maioria do partido e continuar a dar um fio de esperança aos eleitores. Esta atitude, aos olhos dos tecnocratas da Troika, enfraqueceu bastante a imagem do governo grego. De fato, foi nessa lógica que a diretora do FMI, Cristina Lagarde, e o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfang Schaeuble, começaram a fazer mais exigências, chegando a repropor, quase por inteiro, o texto do Memorando de 2012.

5 - A bancarrota

Considerado que o governo grego estava cumprindo as obrigações da dívida, os tecnocratas da Troika aceitaram em silêncio as postulações midiáticas de Alexis Tsipras, que em maio havia ordenado ao Banco Central da Grécia pagar a parcela ao FMI, mesmo se esta operação zerasse a disponibilidade monetária daquele banco. Uma revelação que ocupou as páginas dos jornais do mundo inteiro sem, porém, impressionar os tecnocratas de Bruxelas ou provocar desastres no mercado como aconteceu em 2008. Afinal, todos já sabiam que a Grécia estava falida e a um passo do default financeiro.

6 - A unidade da UE não está em risco

É imperativo esclarecer que os 340 bilhões da dívida grega não comprometem a estabilidade financeira da União Europeia, do momento que a Grécia representa apenas 3% do PIB europeu. Na realidade, o problema não é financeiro mas político. De fato, a União Europeia surgiu para se tornar um bloco geopolítico autônomo e autodeterminado, capaz de se colocar entre o antagonismo dos Estados Unidos, da Rússia e da China. Um bloco que muitos setores do capitalismo europeu, em particular alemães e franceses, desejam que se concretize para, finalmente, disputar a liderança com os Estados Unidos e a China.

Uma incongruência geopolítica, pois a União Europeia é um bloco econômico, financeiro e tecnológico que está no nível dos EUA, mas em termos geoestratégicos ainda depende dos Estados Unidos, que controlam e dirigem toda a organização militar da OTAN. Em função disso, os tecnocratas de Bruxelas logo deram a entender a Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis que a Grécia nunca receberia um tratamento particularmente favorável, tal como o cancelamento de uma parte consistente da dívida. Não foi casual, mas já no final do mês de março a imprensa alemã e o ministro Wolfang Schaeuble achavam possível a saída da Grécia da União Europeia e sua ruptura com o sistema do Eurogrupo.

7 - Medo da ruptura

Alexis Tsipras e todos os líderes da maioria do Syriza sabiam desde o início que a Troika dificilmente aceitaria reduzir a dívida. Se o fizesse deveria renegociar facilitações e formas de pagamento também com todos os países da União Europeia que estão em crise por causa das duras regras de austeridade e do Fiscal Compact. Isto é: Itália, Espanha, Portugal, Bulgária, Romênia, Hungria, Polônia, Letônia, Estônia, Dinamarca, Islândia e Irlanda. Por outro lado, todos sabiam que o governo grego não poderia deixar o Euro e voltar ao antiga dracma, do momento que no Syriza ninguém havia previamente elaborado um orgânico plano de ruptura política capaz de reorganizar a vida econômica, social e financeira do país.

A verdade é que Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis nunca quiseram a ruptura política com a União Europeia e, por isso, nunca prepararam o país para enfrentar essa hipótese. Mesmo assim continuaram a jogar com a retórica dos opositores para aumentar sua legitimidade política na Grécia e impressionar os tecnocratas de Bruxelas. Aliás, é preciso dizer que os serviços secretos gregos, sob orientação do ministro da Defesa, repassaram aos colegas da OTAN informações detalhadíssimas sobre o medo que reinava no grupo majoritário do Syriza, além de identificar quem desejasse a ruptura política com a União Europeia.

Syriza após o Referendo

Os primeiros resultados das pesquisas realizadas pelos institutos de estatísticas indicavam que o SIM e o NÃO estavam praticamente alinhados nos 42%. Porém, no sábado houve uma explosão de consensos para o NÃO caracterizada pelo posicionamento da maioria da juventude grega - inclusive dos partidos da direita - que não aceita a condição de pobreza absoluta que o país deveria enfrentar ficando fora do Euro e da União Europeia.

Por isso, a vitória do NÃO depende dos seguintes fatores: a) o governo do Syriza sempre falou em querer resolver os problemas econômicos do país renegociando a dívida de modo a permanecer um Estado-membro da União Europeia; b) nos últimos comícios e sobretudo na TV, Alexis Tsipras deu a entender que apesar ter esgotado o prazo para a negociação seu governo ainda pode recorrer ao "Fundo Salva Estados" da BCE, para depois voltar à mesa das negociações; c) quase ninguém acreditou que o BCE não emprestaria mais dinheiro aos bancos gregos e ser considerado o carrasco da Grécia; d) os tecnocratas de Bruxelas, apesar de chamados de terroristas pelo ministro Yanis Varoufakis, depois do referendum disseram que as portas permanecem aberta para a negociação; e) os potenciais "amigos ricos" da Grécia, isto é, a Rússia e a China, logo aconselharam Alex Tsipras a não sair do Eurogrupo, enquanto os EUA recomendaram voltar a negociar com o FMI.

A vitória do NÃO, na realidade, reforçou a imagem política de Alexis Tsipras e da maioria do Syriza, que agora deverá fazer propostas precisas à Troika para poder retomar as negociações. De fato, é necessário lembrar que na última reunião, de 25 de junho, realizada em Bruxelas entre os representantes da Troika e do governo grego, o acordo sobre reescalonamento da dívida estava quase acertado, no sentido de que havia ainda algumas indefinições sobre o valor das parcelas a pagar ao FMI.

A ruptura se deu somente quando o pessoal da Troika, ao pedir uma prova de credibilidade por parte do governo grego, exigiu que no acordo fosse definido o plano de reformas econômicas com base nos princípios do "Fiscal Compact". Isto é, pediram a legitimação das normas de austeridade, e não a lógica por uma nova sustentabilidade da economia.

Portanto, esse problema voltará a acontecer já na primeira semana, quando as negociações devem retomar sem a presença do ministro Varoufakis, que "pediu a demissão para facilitar as negociações".

Esse foi o primeiro recuo político de Alexis Tsipras, que convenceu Yanis Varoufakis em "se demitir" para demonstrar ao pessoal da Troika que o governo "está disposto a negociar para permanecer na União Europeia e dentro do sistema monetário do Euro".

É inegável que a vitória do NÃO no Referendo foi uma prova de renovada soberania por parte do povo grego. Ao mesmo tempo, será nesse contexto político que o governo grego deverá legitimar uma proposta ao FMI, detentor de quase 70% dos títulos soberanos da dívida grega. Uma proposta que o FMI poderá encampar dá um desconto de aproximadamente 30%, pagável em 20 anos. Em troca, o governo de Alex Tsipras deverá fazer muito mais do que realizaram Matteo Renzi na Itália, Paulo Portas em Portugal e Mariano Rajoy na Espanha. Em poucas palavras, o governo grego deverá acabar com o modelo previdenciário e as leis trabalhistas herdadas do Estado de bem estar social, realizando um corte "vampirizador" no organograma do funcionalismo público, na valorização das aposentadorias, no sistema dos contratos de trabalhos, na negação de um salário mínimo e com a privatização de todas as empresas públicas, o aumento do IVA e uma reforma patrimonial.

Considerado que o governo do Syriza nunca tomou em consideração o "GREXIT" (a saída da Grécia da União Europeia), a vitória do NÃO deixará, ao menos em um primeiro momento, a imagem de Alexis Tsipras e o papel do Syriza fortalecidos. Porém, a partir de 10 de julho começará a verdadeira via crucis do Syriza e seu líder, pois os bancos não poderão pagar nem os salários e nem as aposentadorias, já que em todo o país a liquidez monetária não chega a 600/800 milhões de euros.

Consequentemente, Alexis Tsipras deverá pedir ao presidente do BCE um adiantamento do Fundo Salva Estados ou a ampliação das linhas de crédito para os bancos gregos, que já chegaram no limite fixado em 89 bilhões de euros.

Mas para obter isso ou outra ajuda do BCE o que dará em troca o governo grego?

Portanto, voltamos novamente ao ciclo das negociações que abrem e se fecham sobre a questão de sempre: as reformas neoliberais e as normas de austeridade do "Fiscal Compact".

Um embate que deverá ser resolvido até o dia 19 de julho, quando o FMI vai apresentar duas "duplicadas" no valor de quase 3 bilhões de euros. Consequentemente, o governo grego não terá finalizado o acordo com a Troika e, assim, recebido um depósito de 7 bilhões de euros. A Grécia será declarada insolvente e entrará no regime de bancarrota. Um contexto onde pode acontecer de tudo, até uma revolução. Sempre que haja revolucionários o bastante para fazê-la.

* Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália, editor do programa TV "Quadrante Informativo" e colunista do "Correio da Cidadania.

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