Advento como encruzilhada

Alfredo J. Gonçalves *

O primeiro domingo do Advento abre o ano litúrgico, o qual, como sabemos, não coincide com o calendário civil. Advento traduz um leque de significados convergentes: vinda, chegada, expectativa, ato de espera, preparação para a visita do Senhor. "Período das quatro semanas antes do Natal, fixado pela Igreja Católica para os preparativos religiosos desta festa", diz o Dic. Aurélio. Em termos teológico-pastorais, o tempo do Advento nos convida a preparar-se para a vinda do Senhor, celebrando a cada ano o mistério da Encarnação.

Três figuras bíblicas povoam as leituras desse perído: o profeta Isaías, o precursor João Batista e a Virgem Maria (sem esquecer outros personagens de menor visibilidade, mas de importância igualmente decisiva, tais como José, Simeão, Isabel, Zacarias...). Isaías relembra a renovação da aliança e da promessa: "O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz brilhou para os que habitavam um país tenebroso" (Is 9,1). João Batista, "voz daquele que clama no deserto", alerta: "Convertam-se, porque o Reino de Deus está próxmo... Preparem o caminho do Senhor, endireitem suas estradas" (Mt 3,2-3). Maria, estimulada pela visita do anjo a participar do grande Projeto de Deus, indica o caminho a seguir: "Eis a escravo do Senhor, faça-se em mim segundo a sua palavra" (Lc 1,38).

Não seria exagero afirmar que Advento é um convite a uma parada. O mundo contemporâneo corre a uma pressa sem precendentes. A cada ano que passa, parece aumentar a vertiginosa velocidade do tempo. Atropelam-nos novidades sobre novidades. A busca do "novo" tomou o lugar da "tradição", a tal ponto que esta última perdeu terreno diante dos apelos e tentações das novidades. Nesta "sociaedade do espetáculo" (Guy Debord), como num gigantesco circo, a todo momento esperamos algo inédito, surpreendente. O conceito de "valor" como que se deslocou da história vivida para a expectativa da próxima aventura. Tornamo-nos todos passageiros de uma nave que avança sem parar, numa agitação febril e frenética. Disso resultam dois sintomas de uma geração que praticamente não consegue mais parar: ansiedade e solidão.

Nesse contexto de extrema aceleração, próprio da sociedade moderna ou pósmoderna, Advento não é apenas parada, mas também encruzilhada. A corrida enlouquecida do dia-a-dia levanta poeira: nuvens acumulam-se no horizonte, a visão se ofusca, somos incapazes de distinguir os contornos da estrada. Na penumbra, surgem dúvidas, inquietudes e interrogações, mas também medos, angústia e estranhos fantasmas. Daí a necessidade de parar, deter-se um momento para uma avaliação do percurso percorrido e, ao mesmo temo, para a escolha de um novo caminho.

A encruzilhada pressupõe um leque mais amplo de possibilidades, por um lado, e, por outro, a necessidade de fazer uma opção. O que explica que Advento equivale, ainda, a um tempo de vigilância e conversão. Na verdade, uma dupla conversão. Por um lado, uma reaproximação ao Deus que "vê a aflição do povo esvravo no Egito, ouve seu clamor, conhece seu sofrimento e desce para libertá-lo das garras do Faraó" (Ex 3,7-10), acompanhando-o pelas estradas do êxodo, do deserto e do exílio. Com a chegada do Advento, realiza-se através do Menino que nasce na gruta de Belém, o cumprimento da aliança, ou melhor a nova aliança: "o Verbo se faz carne e arma sua tenda entre nós" (Jo 1,14). O Deus que vê, ouve e conhece a situação do povo oprimido é também o Deus que "desce" em direção à humanidade, para que esta, encontrando-O, possa "subir" em direção à divindade. A promessa começa a realizar-se em sua plenitude!

Por outro lado, somos igualmente convidados a renovar o compromisso com o outro, especialemnte no rosto dos pobres e excluídos, os migrantes e refugiados, os pequenos e indefesos, os últimos e mais necessitados, para usar uma expressão tão cara ao Papa Francisco. Nessa dupla conversão, está em jogo o amor a Deus e o amor ao próximo, síntese da Lei e dos Profetas, segundo as palavras do próprio Jesus de Nazaré ao anunciar o Evangelho. Ele mesmo - o Messias - representa esa síntese, não somente como portador da "Boa Nova", mas sobretudo como encarnação viva da mesma.

O tempo do Advento, enquanto parada e encruzilhada, oferece a oportunidade de refletir sobre o percurso da própria existência humana. Põe-nos diante de um espelho - a face luminosa do Pai refletida no Menino pobre e indefeso, frágil e inerme - espelho que reproduz também o rosto de cada ser humano. Diante dessa luz, simbolizada na estrela sobre o presépio, ilumina-se a encruzilhada. O brilho do amor e da misericórdia divina ajuda-nos a enxergar as múltiplas "veredas" no "grande sertão" de nossa vida atribulada (para usar a expressão do poeta Guimarães Rosa).

Dessa forma, o rio do Advento nos levam ao grande oceano de luz que é o Natal. Nele a noite se faz dia, os olhos se abrem, o horizonte se descortina, e nos tornamos capazes de distinguir as diversas possibilidades abertas à nossa frente, ao mesmo tempo que adquirimos novos critérios para discernir a direção a ser retomada. Nessa perspectiva, Advento é parada e encruzilhada não no sentido de interromper ou deter a peregrinação empreendida, e sim de voltar à fonte, onde a água é mais cristalina, para reforçar as energias e por-se novamente a caminho, com maior fé e segurança.

Uma conclusão se impõe: Jesus nasce pobre para nos enriquecer com sua presença vivificante e salvadora, nasce nu para nos revestir com seu amor infinito e cheio de compaixão, nasce sem teto para que a ninguém seja negado o direito de moradia, nasce à margem da sociedade para mostrar a necessidade de incluir a todos, como filhos e filhas de Deus, no grande banquete do Reino. O Filho de Deus se faz homem para nos elevar à luminosa morada do Pai.

Roma, 02 de dezembro de 2014

* Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro e Vigário Geral dos Missionários de São Carlos.

 

Fonte: Revista Missões

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