Desejos das sempre crianças

Nei Alberto Pies

"E você que é gente grande/Também pode aprender/Que amar é importante pro meu mundo e para o seu/Mas eu tenho a esperança/De você ser meu amigo/De voltar a ser criança, pra poder brincar comigo". (Sandy e Júnior, Canção Vamos construir)

Parece fácil, mas é complexo para nós adultos entendermos o desejo e o mundo de nossas crianças. O espírito aberto, ingênuo e de curiosidadeque move nossas crianças permanece inalterado, desde sempre. Seus maiores desejos e vontades buscam o entendimento e a compreensãodo mundo e de tudo o que as cerca. Difícil, talvez, seja o mundo adulto oportunizar vivências para que as mesmas cresçam "em sabedoria e graça", como fora a infância do menino Jesus.

É interessante perceber que adolescentes já não querem mais ser crianças, tendendo a rejeitar fortemente sua infância. Suas respostas são muito consistentes, instigantes e reveladoras, o que me leva a perguntar sobre como estamos tratando a infância de nossas crianças. Vejo que não se trata de mera afirmação de uma nova identidade (adolescente).Por isso pergunto: será que a infância de nossas crianças é um tempo de descobertas, alegrias e graça? Será que nossas crianças exercem o direito mais sagrado de seu tempo que é brincar? Será que a infância de hoje permite viver em plenitude a liberdade de ser, pensar e agir como crianças?

O maior desejo das crianças é construir pontes com as pessoas adultas. O seu universo revela a sua maior carência: carinho, atenção, amor. O seu universo não é nada sofisticado, revestindo-se da mais pura e singela simplicidade. Na medida em que as mesmas crescem, vão abortando as relações de convivência desinteressadas e gratuitas. Na adolescência, afloram as relações de afinidade e de interesse, na perspectiva de uma afirmação e aceitação social. Gera-se, nesta perspectiva, um "certo vácuo" na vivência do amor como doação. Na medida em que a dimensão amorosa da infância não é ressignificada na adolescência ou na juventude, geram-se pessoas adultas egoístas, individualistas e interesseiras. Pessoas que são manipuláveis, desejosas de consumo e que reduzem a convivência com os outros na satisfação afetiva e sexual.

De gente grande, o que podemos esperar? Crianças são vida e alegria, afirmam os avôs e avós. Com esta definição, traduzem a sua percepção de infância. Já os adultos, com a maior responsabilidade para com as crianças, espera-se que sejam capazes de "voltar a brincar", consigo mesmos e com as crianças. Adultos que negam ou esquecem aprendizagens de sua infância tornam-se chatos, rabugentos e sem graça.

Não por acaso que a convivência com um filho ou uma filha tem o poder de transformar a vida de uma pessoa adulta. É verdade que as crianças exigem muito trabalho dos adultos, mas também trazem retornos para sua humanização. Os desejos das crianças podem também permanecer como desejos dos adultos: um mundo menos sofisticado e engenhoso, mas mais cheio de vida, de alegria e satisfação. Um mundo vivido com mais intensidade e abundante em sabedoria e graça. Uma vida com mais saber, sabor e sabedoria!
Nei Alberto Pies, professor e ativista de Direitos Humanso

Fonte: Revistas Misões

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