A segunda contradição do capitalismo e a justiça socioambiental

Dirceu Benincá *

O ecossocialismo, que às vezes aparece como sinônimo de ecomarxismo, representa uma tentativa original de articular a teoria socialista com uma visão crítica da ecologia. Essa vertente analítica formulou o conceito da segunda contradição fundamental do sistema capitalista, baseada na questão socioambiental. O conceito está em conexão com a denominada primeira contradição, de caráter socioeconômico. Ambas as contradições do capitalismo revelam a existência de processos sociais de privatização do bônus e socialização do ônus.

A primeira contradição consiste na mais-valia (lucro) a partir da exploração da mão-de-obra (trabalho não pago) para produzir bens, mercadorias e serviços. A segunda ocorre na medida em que o sistema de produção capitalista se apropria de recursos naturais, utiliza-os de forma irresponsável e gera impactos ambientais que são distribuídos de modo desigual na sociedade. Assim, os maiores benefícios e os menores impactos ficam com os mais ricos. Por outro lado, os menores benefícios e os maiores riscos, perigos e impactos acabam ficando com os mais pobres. É isso que constitui o que chamamos de injustiça socioambiental.

Enquanto a primeira contradição - "mais-valia do trabalho" - provoca crises de superprodução, a segunda - "mais-valia natural" - desencadeia crises de custos. Esta se orienta pela apropriação destrutiva do espaço e da natureza. Portanto, o capitalismo explora tanto o trabalhador quanto os recursos naturais de forma agressiva e insustentável. Nesse contexto, os direitos econômicos, sociais, políticos, culturais, ambientais, etc., embora amplamente conhecidos, reconhecidos, escritos e defendidos, muitas vezes não são garantidos. Ocorre que, na sociedade, os diferentes interesses estão em permanente disputa, como bem sabemos.

Conscientes de que "direito não se ganha, mas se conquista", os movimentos sociais e múltiplas organizações da sociedade civil partem para a luta. Ao mesmo tempo em que suas manifestações expressam insatisfação com a realidade e desejo de mudança, o expediente e o instrumento de que fazem uso reforça e qualifica a democracia. Diante da primeira contradição do capitalismo, os principais agentes de mudança são os movimentos de trabalhadores organizados. Ante a segunda contradição, os agentes fundamentais da mudança são os novos movimentos sociais com sua capacidade de mobilização e resistência à atuação do capital.

Os movimentos sociais organizados e atuantes têm papel relevante na construção de outra ordem social e ecológica. Importante espaço de discussão dessas temáticas é a Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio + 20, que será realizada de 13 e 22 de junho no Rio de Janeiro. Um dos temas principais da Rio + 20 será a "economia verde". Conforme se anuncia, serão discutidas formas de produção com baixa emissão de gases e bom uso de recursos naturais. Porém, os movimentos sociais afirmam que, dados os interesses do capitalismo que sempre estão sobre a mesa de negociações, a "economia verde" poderá ser apenas uma nova linguagem para falar da mercantilização da natureza e dos direitos dos pobres.

O discurso recorrente do desenvolvimento sustentável também estará presente na Rio + 20. Mas, as questões centrais continuam sendo: É possível garantir sustentabilidade no capitalismo? Sustentabilidade de que e para quem? Diante da realidade e dos acontecimentos, os movimentos e a sociedade como um todo precisam avançar na consciência de que as lutas sociais devem ser articuladas cada vez mais com as lutas ambientais. A Cúpula dos Povos será um ótimo momento para esse exercício. É necessário superar a ideia do mero desenvolvimento/crescimento sustentável e convergir esforços para a construção de uma sociedade sustentável sob todos os aspectos e para todos.

Para a superação das duas grandes contradições do capitalismo, que, aliás, se desdobram em muitas outras, é fundamental a luta pela justiça socioambiental. Não se trata apenas de substituir fontes de energias poluentes e destrutivas por outras renováveis e mais limpas. É imprescindível uma transformação profunda do sistema produtivo baseado na lógica do lucro a qualquer custo e no consumo ilimitado. Conforme Michael Löwy, autor do livro Ecologia e socialismo (2005), trata-se de construir o ecossocialismo, que requer uma nova sociedade, um novo modo de produção e também um novo paradigma de civilização.

* Dirceu Benincá é padre, doutor em Ciências Sociais, coordenador administrativo da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) - Campus Erechim e autor, entre outros, do livro Energia & Cidadania - a luta dos atingidos por barragens. São Paulo: Cortez, 2011.

Fonte: Revista Missões

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