??Caboco??: Sujeito típico de direito Amazônico (II)

Gursen De Miranda *

Afirma-se que a "razão por que caboclo não é utilizado como termo de autodesignação deriva do fato de nunca ter sido associado a um movimento político" (Lima: 21). A verdade está à margem dos estudos da pesquisadora.

O caboco é o grande herói da Cabanagem, único movimento político popular no Brasil em que o povo chegou ao poder, em luta que se estendeu pelo vale do rio Amazonas, no período de 1835 a 1840. Não por acaso o nome do movimento reflete a origem de seus atores, aqueles que viviam em cabanas, os cabocos.

Por certo, está faltando maior e mais aprofundado estudo sobre o caboco, como o principal sujeito nas relações na Amazônia. O caboco, portanto, apesar do preconceito dos que chegaram, tem valorização política desde os tempos da Cabanagem no contexto amazônico e não apenas como objeto das raras pesquisas.

A força do caboco, na atividade seringueira, torna-se bem evidente em sua relação com o regatão (McGrath: 57). O caboco controla os meios de produção e o produto de sua própria mão-de-obra, estando geralmente fora do alcance dos comerciantes e proprietários locais. É justamente por meio do processo de troca que a resistência caboca ocorre, e o regatão desempenha papel crítico na realização de pelo menos uma das formas dessa resistência.

A Fundação IBGE reconhece o caboco como um dos tipos regionais do Brasil, no mesmo patamar do gaúcho do Rio Grande do Sul, das baianas da Bahia, dos sertanejos do nordeste brasileiro. É uma distinção que considera a geografia, a história da colonização e as origens étnicas da população (Lima: 6).

É certo que um estudo sobre o caboco é complexo, pois, envolve dimensões geográficas, raciais e de classe (Lima: 6).

Em verdade, verifico um movimento para desacreditar o mais legítimo sujeito da Amazônia, com convicção sobre sua realidade.

É bem mais fácil criar denominações para manipulação e divulgação pela mídia, mais que não representa os verdadeiros interesses do sujeito amazônida, seja Povos da Floresta, Populações Tradicionais, Pescadores Artesanais ou Mulheres da Floresta (Lima: 28). São expressões vazias, artificiais, imposta pelos que se preocupam apenas com os bichinhos e plantinhas da Amazônia e, não por acaso, esquecem o ser humano que nasce, vive e pensa em morrer na Amazônia. Expressões que nada dizem para os amazônidas.

É preciso de todo lamentar atualmente, quando fazem referência ao amazônida, as denominações: invasor, grileiro, bandido...

Ora, é um absurdo "desistir de fazer uso da palavras caboclo, especialmente se pretendermos falar de identidades rurais na Amazônia contemporânea" (Lima: 29). Tal absurdo é afirmar "não há razão para não adotar novos nomes em seu lugar" (Lima: 28). O caboco, o verdadeiro e mais expressivo sujeito da Amazônia, certamente, não deve aceitar tamanho preconceito e inconcebível discriminação.

É abominável a construção referente ao caboco como pobre, selvagem, indolente, fracassado, preguiçoso, fraco, não determinado, atrasado (Lima: 20). O simplismo no estudo abstrai a realidade geográfica e etno-histórica da Amazônia e os elementos da cultura da selva tropical. Na Amazônia, no embalar preguiçoso de suas redes, mas com olhar altivo, como verdadeiros donos daquela imensidão - imensidão de terras, imensidão de florestas, imensidão de águas, ... imensidão cultural -, também existem seres pensantes - somos seres humanos. Por certo, somos um pouco diferentes: somos índios, os pioneiros; com orgulho, somos cabocos, somos negros, somos mulatos, cafuzos; igualmente brasileiros.

O amazônida é tranqüilo por sua própria natureza, pois aprendeu a viver em região com abundância, dela tirando seu necessário sustento, especialmente a farinha. O caboco é um indivíduo alegre, sábio, criativo, vaidoso e racional, por isso, desconfiado, perfeitamente adaptado à realidade social e ecológica da Amazônia.

A comparação do caboco com o nordestino, normalmente é tendenciosa, uma vez que desconsidera o modo de viver caboco como fator positivo, aquele que se satisfaz com a pura existência e é capaz de aproveitar a vida com o mínimo esforço.

Portanto, caboco é a população rural amazônica não índia, especialmente os nativos antes da chegada da grande leva de migrantes nordestinos nas últimas décadas do século XIX, e quatro primeiras décadas do século XX. Aliás, os migrantes nordestinos são conhecidos na Amazônia, pelos cabocos, como arigós, colonos, cearenses, nordestinos e brabos (não no sentido de valente ou forte, mas por desconhecer e destruir desnecessariamente o ambiente amazônico). É certo, porém, no final do século XX, os nordestinos que ficaram na Amazônia adquiriram as características cabocas.

Por outro lado, o caboco, sob nenhuma hipótese (Lima: 26), deve ser comparado ou confundido com o "matuto" ou o "caipira" do interior do centro e sul do País.

O caboco é aquele que expressa um modo de vida próprio da Cultura da Selva Tropical, da Cultura da Mandioca. Os aspectos econômicos, políticos e culturais podem identificar o caboco na sua origem. São pequenos produtores familiares que vivem da exploração dos recursos da natureza e têm amplo conhecimento da floresta.

Por isso, entendo no âmbito de um direito amazônico, que o caboco é o sujeito de direito típico. Conseqüentemente, é importante destacar que o caboco, o ribeirinho, também tem direito à propriedade.

Cabo destacar, por necessário, que o caboco não morreu e nem é uma alegoria regional; ele vive e reivindica seu verdadeiro lugar na Amazônia como legítimo sujeito de Direito.

Eu sou caboco. Sou caboco amazônida. Caboco marajoara.

* Gursen De Miranda é Presidente da Academia Brasileira de Letras Agrárias, professor-adjunto da UFRR e juiz de Direito de Roraima. Publicado na Folha de Boa Vista, de 16 de junho de 2005, p. 02.

Fonte: Folha de Boa Vista

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