Vivíamos em comunidade, várias Irmãs, muito unidas, num amor fraterno.
Por Ortencia Antunes da Silva
Falar um pouco da Somália é um grande desafio para mim. Esta foi a Missão do sonho missionário, meu "primeiro amor". Todo o meu Ser transbordava de amor, alegria, entusiasmo, fervor e coragem ao partir para lá em 1984: uma verdadeira felicidade!
Trabalhar na "Seara do Senhor" é uma dádiva divina do seu amor. Digo isto por experiência, graças a fé e ao amor a Jesus e à Mãe Consolata que sempre me acompanharam.
A palavra Missão, por si só, já aquece o coração pois é anúncio da Boa Nova. Só que na Somália essa alegria de anunciar com palavras o Evangelho ao povo, não aconteceu pois não era permitido, por ser um país totalmente muçulmano. O anúncio se dava pelo testemunho, pelo nosso modo de ser, viver e trabalhar. Um desafio constante!
Vivíamos em comunidade várias Irmãs, muito unidas, num verdadeiro amor fraterno. Tínhamos uma intensa vida de oração a qual era nosso alimento e força. Mas éramos muito estimulada pelo nosso querido bispo, Monsenhor Salvador Colombo, de saudosa memória; um Franciscano maravilhoso, verdadeiro "pai".
Nessa época, trabalhávamos em três hospitais e dois internatos de crianças abandonadas e órfãs e num campo de refugiados onde atuávamos na promoção da mulher. Tudo era dirigido pelo Estado e pelo governo, tendo militares na direção das instituições. Isso para mostrar o quanto éramos vigiadas; nosso cuidado no agir e falar era enorme. Deus sempre esteve conosco Ele não nos abandonou em nossa missão. Mas esse nosso modo de viver incomodava e chegaram a nos perguntar: o que move vocês, Irmãs, a cuidarem bem e ter carinho para com pessoas que não são nada de vocês?
Respondíamos que todas as pessoas são criaturas de Allah! São criadas à imagem e semelhança de Allah!
Eles então davam um sorriso e saiam ...!
Trabalhei em Mogadiscio, capital, no Hospital Benadir por seis anos; ainda lembro com saudades de todas as pessoas carentes, pobres e necessitadas que chegavam de muito longe e eu cuidava com carinho, zelo e dedicação como sempre. Esforçava-me para mostrar à equipe de enfermagem e médicos que todo ser humano, fragilizado ou não, deve ser bem tratado.
Mas infelizmente não era fácil. Até que em 1990 fomos surpreendidas por uma guerra civil-religiosa de facção xiita, que assolou o país e fomos todas obrigadas a deixar a Missão. Mesmo assim, agradeço a Deus por ter vivido essa experiência na Somália, por ser cristã, religiosa e por viver o amor, mandamento deixado por Jesus: "Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei". (Jo 15,12)
