Pobres e migrantes atrapalham a economia

Em português claro, o pobre não pode se dar ao luxo de comprar o que bem entender, não pode melhorar seu nível de bem-estar, não pode pensar em vida mais confortável.

Por Alfredo J. Gonçalves

Queda dos juros, investimentos em políticas públicas em favor dos setores de baixa renda, criação de novos empregos e maior taxa de emprego, salários mais elevados e maior consumo por família – tudo isso tende a fazer subir a inflação, diz o “economês” e, consequentemente, trazer sérios problemas para a economia. Em português claro, o pobre não pode se dar ao luxo de comprar o que bem entender, não pode melhorar seu nível de bem-estar, não pode pensar em vida mais confortável. Já imaginaram se o pobre se põe a adquirir comida, roupa, calçado, móveis, material escolar, livros, eletrodomésticos! Pior ainda se ele mete na cabeça que precisa entrar num plano de saúde, comprar um carro, reformar ou dar entrada numa casa, e coisas desse tipo! E se ele inventar de virar turista, conhecendo outros lugares pelo mundo afora!

Grecia_migrantes_criancasNada disso, temos de manter o teto da inflação. Se uma porcentagem maior de brasileiros entrarem na “farra do consumo”, lá se foi a meta inflacionária. Melhor cortar o mal pela raiz, mantendo alta a taxa de juros. Até porque esse instrumento realiza o milagre de transferir renda dos produtores, em particular, e da população em geral, para os especuladores nacionais e internacionais. Que seria da economia moderna e globalizada se faltasse essa correia de transmissão! Impossível o cassino mundial do capital financeiro! Os juros altos, junto com os custos da dívida pública, ajudam a meter a mão no bolso dos trabalhadores e trabalhadoras e passar os rendimentos para os cofres dos senhores da renda, da riqueza e do poder. Como poderíamos viver em paz esse punhado de milionários, bilionários e talvez trilionários que movem as rédeas da economia!?...

Por outro lado, torna-se necessário e urgente um ajuste de contas, se quisermos garantir a meta do arcabouço fiscal. Não podemos realizar tal ajuste pensando apenas em corrigir e/ou elevar a arrecadação de impostos. É hora de cortar despesas públicas. E então levanta-se novamente o problema: onde apertar o cinto? Na hora do aperto, militares, juízes, banqueiros, fazendeiros e parlamentares, com vários penduricalhos e apadrinhados, seguem sempre intocáveis. Seu quinhão de “direitos adquiridos” permanece meticulosamente sagrado. Que fazer? A única fatia vulnerável a cortes novos e imprevistos é a área social: alimento e vestuário, educação e saúde, transporte público e segurança, ou seja, aquilo de que os pobres mais necessitam. Isso sem falar nas iniciativas de combate à devastação do meio ambiente!

Antes disso, porém, os “donos do poder” se encarregaram de pavimentar o terreno para enxugar ao mínimo possível os “direitos trabalhistas” tão laboriosamente adquiridos. Não é sem razão que certas expressões, tais como reformas trabalhistas, flexibilização legislativa, terceirização e uberização de determinados serviços soam como verdadeiros palavrões no mundo do trabalho. Com efeito, tem sido essa a fórmula de jogar sobre os ombros da classe trabalhadora todo o ônus das repetidas crises das últimas décadas, ao passo que o bônus é drenado para contadas bancárias inchadas de tantos rendimentos. Dessa forma, a base da pirâmide social paga duplamente: ao ter seus direitos reconvertidos em mercadoria, a qual deve ser comprada pelo próprio cidadão, por um lado, e, por outro, ao ser abandonada por parte do governo que, por sua vez, vê-se refém dessa lógica perversa, exclusiva e concentracionista.

Para o bem de uma economia civilizadamente controlada, é preciso que os pobres aprendam a se manter no seu devido lugar! Isso em termos político-culturais; porque, em termos socioeconômicos, “seu devido lugar” equivale muitas vezes a mudar de região ou de país. Prensado por todas as maneiras por essa economia dos ricos, a milhares e milhões de pessoas resta a fome e a fuga. São multidões irrequietas, obrigadas a deixar a terra natal e não raro família, e se aventurar por caminhos inóspitos. Atravessam mares e desertos, florestas e fronteiras, batem em portas cerradas e surdas, mendigam um pedaço de pão e um lugar ao sol que insiste em se esconder para além do horizonte. Enfrentam leis migratórias cada vez mais excludentes, policiais cada vez mais aparelhados e populações cada vez mais intolerantes. Pesa sobre eles o preconceito, a discriminação e o racismo. Sem documentos e sem pontos de referência, bom número deles acaba sendo deportado para o lugar de origem, onde começar tudo desde o início. Junto com a mala e alguns poucos pertences, levam na exígua bagagem a fé e a esperança de um futuro menos cruel. Leis e legisladores da política econômica, no entanto, parecem conspirar contra esse gigantesco exército de reserva. Mas, como escreve o escritor norte-americano John Steinbeck, “o importante é dar um passo à frente, um passo, por menor que seja”.

Alfredo J. Gonçalves, cs, assessor do SPM, São Paulo.

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