Demência, um grande desafio

Por Juacy da Silva*

À medida que todos os países passam pela transição demográfica, uma das consequência é o aumento da expectativa de vida ao nascer, o aumento proporcional/relativo e absoluto do número de pessoas idosas no conjunto da população e isto passa a ser um desafio não apenas individual, mas também coletivo e governamental.

Durante muitos anos, décadas e séculos a grande preocupação dos países era com as crianças e adolescentes (de zero a 14 ou 15 anos), que em alguns momentos de todos os países chegaram a representar mais de 40% do total da população, por isso as faculdades de medicina formavam um grande número de pediatras e jamais se preocupavam com a gerontologia e a geriatria.

Todavia, tendo em vista os altos índices de mortalidade, principalmente infanto-juvenil, mesmo que esses países experimentassem altas taxas/índices de fertilidade e natalidade, o crescimento populacional não era tão grande e a vida média da população não passava dos 50 anos.

Com o avanço da medicina e da indústria de equipamentos hospitalares, de medicamentos, vacinas etc, houve, praticamente no mundo todo, uma redução drástica nos índices de mortalidade e como o mesmo não aconteceu com os altos índices de fertilidade e natalidade, todos os países e o mundo inteiro experimentou por décadas seguidas um crescimento demográfico/populacional acelerado. E isto passou a ser um grande desafio mundial e para a quase totalidade dos países, o malthusianismo e o neo-malthusianismo estava sempre em voga, com as vezes ainda hoje se apresenta.

Esta realidade só foi alterada quando do surgimento de métodos artificiais de controle da natalidade, sua divulgação e uso amplo por parte da população, principalmente das mulheres, apesar de muitas resistências, principalmente por parte das igrejas e grupos conservadores, mesmo assim, isto acabou contribuindo para o que é denominado de transição demográfica, que significa baixos índices de fertilidade/natalidade, baixos índices de mortalidade ocorresse, e, em consequência, contribuindo para o surgimento de baixos índices de crescimento populacional e a outra consequência que tem sido o envelhecimento da população.

Diversos países já passaram ou estão passando por este processo de transição demográfica como os países europeus, os EUA, o Japão, a Coreia do Sul e outros países da Ásia, inclusive a China e também na América Latina a Argentina, o Chile, o Brasil e outros mais ao redor do mundo.

No entanto, ainda existem muitos países que nem chegaram à transição demográfica como a grande maioria dos países ocidentais da África, do Oriente Médio e da Ásia, com destaque para a Índia, cujos índices de crescimento demográfico continuam muito elevados, o que indica que dentro de pouco tempo, já em 2024, deverá ultrapassar a China como o país com a maior população do Planeta, com mais de 1,438 bilhão de habitantes enquanto a China terá um pouco menos, ou seja, em torno de 1,436 bilhão de habitantes.

A população mundial com 60 anos e mais representava em 2020 em torno de 13,8% do total ou seja, 1,1 bilhão de pessoas enquanto a população com menos de 15 anos era de 2,0 bilhões de pessoas. As previsões indicam que até 2030 o percentual da população idosa no Planeta, com 60 anos e mais, deverá atingir em torno de 15,2% ou seja, 1,2 bilhão de pessoas. Esta é a faixa populacional que tem mais crescido e continua crescendo rapidamente em todos os países.

Em termos geográficos, todavia, esta realidade é bem diferente e até contrastante. No Japão, por exemplo, um dos países com maior percentual de pessoas idosas do mundo, o perfil demográfico era o seguinte em 2020. População com menos de 15 anos representava apenas 9,1% do total enquanto a população com mais de 60 anos representava 35,7%.

O mesmo acontece na Itália, a população com menos de 15 anos representava 12,3% da população total e com 60 anos e mais 31,0% da população daquele país. Este perfil demográfico, com raras exceções, pode ser observado nos demais países europeus, nos EUA e diversas outros países, inclusive no Brasil e em outros país da América Latina.

Já no conjuntos dos países da África Ocidental, e também na África Sub-Sahariana e no Oriente Médio, apresentam um quadro demográfico totalmente oposto. A população com menos de 15 anos representava em 2020, em torno de 41,9% da população total enquanto a população com 60 anos e mais correspondia a apenas 4,5% da população total.

No Brasil a realidade demonstra uma mudança significativa do perfil demográfico do país principalmente a partir de meados do século passado, quando teve inicio `a chamada transição demográfica.

A faixa etária com menos de 15 anos em 2020 no Brasil representava 20,7% da população total enquanto a população idosa, com mais de 60 anos correspondia a 13,8% da população total. Mas este perfil devera ser totalmente diferente nos próximos dez ou 20 anos.

Outro indicador que pode ser utilizado para verificar o perfil demográfico e o envelhecimento populacional é a expectativa de vida ao nascer.

No mundo a expectativa de vida ao nascer passou de 43 anos em 1850; para 45,2 em 1900; atingindo 58,5 anos em 1922; chegando a 79,5 em 2022; enquanto no Brasil este perfil passou de 32,0 anos em 1870 para 32,9 anos em 1922; chegando a 48,5 em 1950; passando para 69,8 em no ano 2000 e 77,1 anos em 2022, sendo 80,5 anos para as mulheres e apenas 73,6 anos para os homens.

Esta dinâmica demográfica impõe, exige ou indica que tanto as pessoas, individualmente ou coletivamente necessitam antecipar-se aos problemas e desafios relacionados com a questão do envelhecimento.

Todavia, este desafio exige muito mais do Poder Público, das instituições e dos governantes a definição de várias políticas públicas, em todas as áreas, como educação, formação de pessoal técnico para a área da saúde, lazer, mobilidade, trabalho, alimentação/educação alimentar, habitação, estilo de vida; urbanismo, produção e consumo, mas, principalmente políticas nas diferentes áreas da saúde pública voltadas para esta faixa da população que aumenta em muito maior velocidade do que as demais faixas etárias.

Cabe um destaque que é o fato de que as mulheres representam a maioria da população acima de 60 anos no mundo inteiro, inclusive no Brasil por apresentarem maior expectativa de vida acima desta faixa etária. Basta observarmos o número de viúvas, quase três vezes mais do que viúvos em nosso país. São pessoas vivendo sozinhas, as vezes sofrendo depressão, solidão e que demandam muito mais cuidados especializados necessários para garantir-lhes uma vida digna e segura.

Isto significa que é fundamental que haja uma visão a partir da questão de gênero também quando falamos de envelhecimento da população, da mesma forma que a questão étnica racial deve ser considerada, principalmente tendo em vista que o mesmo perfil socioeconômico que marca as diversas formas de desigualdades e exclusão que existem nas diversas sociedades e no Brasil isto não é diferente, determina que os elevados índices de exclusão, pobreza e miséria estejam também presentes entre as pessoas com 60 anos e mais.

O quadro sanitário, da saúde pública tem demonstrando o surgimento e agravamento de inúmeras doenças que afetam fundamentalmente a população idosa, doenças crônicas, degenerativas e progressivas, cujo custo de tratamento é considerado muito elevado, tendo em vista as diferenças/concentração de renda no Brasil, razão pela qual o Sistema Único de Saúde – SUS, precisa estar em condições para atender de forma efetiva, eficiente, eficaz e humana esta parcela significativa da população.

Isto demanda recursos humanos qualificados, especializados nos cuidados com pessoas idosas, recursos materiais, técnicos e financeiros para atender tanto a demanda já existente quanto ao aumenta da demanda para os próximos anos. Sucateado como se encontra a saúde pública no Brasil, com certeza o sofrimento e morte desta faixa populacional vai continuar e piorar, com certeza, o que não deixa de ser uma VERGONHA NACIONAL.

Diversas doenças crônicas como doenças cárdio/cérebro vasculares; os diversas tipos de câncer; as doenças e problemas ósseos e também as doenças psicossociais, incluindo as diversas formas de demência estão cada vez mais presentes no Brasil.

Tendo em vista os custos associados ao enfrentamento das várias doenças crônicas e o perfil da distribuição de renda, onde mais de 60% da população não dispõem sequer de renda/salários que permitam as vezes sequer para a alimentação e uma vida digna, os cuidados com a saúde são deixados de lado e muita gente, dezenas ou centenas de milhares morrem todos os anos no Brasil e milhões mundo afora simplesmente negligenciados por serem pobres, miseráveis e excluídos, ante `a corrupção, à burocracia ou à insensibilidade e até mesmo `a má fé dos governantes ao definirem e executarem os orçamentos públicos, quando a saúde pública, ou seja, a população que dela necessita, que são essas camadas pobres e excluídas, não tem sido contempladas como deveriam ser.

Quanto à demência, que é o objeto central deste artigo, li há algum tempo um artigo em que o autor afirmava que quando a pessoa é diagnosticada com demência, a partir dos vários sintomas e indicadores utilizados para tal, na verdade, a doença já tinha sido iniciada há, pelo menos dez anos anos antes.
Isto significa que a partir dos 60 anos as pessoas devem ficar mais atentas quanto ao surgimento da demência. No entanto, se alguns desses fatores estiverem presentes quando a pessoa ainda está bem mais jovem, recomenda-se que tomem as providências para diagnóstico, tratamentos ou mudança de hábitos e estilo de vida, que permitam “administrar” a demência, considerando que a mesma não tem cura, podendo serem apenas mitigados seus efeitos.

Tendo convivido por aproximadamente 6 anos com uma pessoa (minha esposa falecida há pouco mais de um ano) que foi diagnosticada com demência vascular (decorrente de hipertensão), não tendo antes tido esses conhecimentos, julgo hoje, mais do que antes, que precisamos ter mais cuidado com nossa saúde neste e em todos os demais aspectos.

Esses cuidados incluem também a realização de um “check up” geral todos os anos, como forma de identificação de problemas de saúde em suas origens, quando os cuidados e tratamentos podem ser tomados, evitando a progressão acelerada das várias doenças, podendo “administrar” as mesmas e continuar tendo uma “boa” qualidade de vida e uma longevidade/envelhecimento saudável e com menos sofrimento físico, mental e emocional, até que ocorra o desenlace final da vida. (morte)

Mas isto tem que ser feito com muita antecedência, quando a pessoa ainda está na faixa dos quarenta ou cinquenta anos ou até antes, identificando os problemas de saúde e evitando que as doenças progridam sem que a gente possa perceber ou identificar, inclusive a mudança de hábitos, os quais, quando errados ou nefastos, contribuem para o surgimento de inúmeras doenças e muito sofrimento pessoal e familiar.

Todas as formas de demência, pelo fato de a mesma ser crônica, neurológica, progressiva e degenerativa acaba afetando todas as funções do organismo, provocando a falência de todos os órgãos, determinando uma qualidade de vida extremamente complicada e muito triste.

Tendo em vista que com a transição demográfica o tamanho da família foi reduzido de forma drástica, isto contribui para que ao envelhecer as pessoas não tem outros parentes ou membros da família para acolhe-las e darem o suporte necessário no ocaso da existência. Este é mais um desafio que caberá ao poder público, ao Estado atender, considerando também a precariedade econômica e financeira da grande maioria da população.

Se assim não acontecer, no futuro os países, inclusive o Brasil estarão diante de grandes massas humanas, pessoas idosas, vivendo na mais completa exclusão, em situação iguais ou piores do que a atual população em situação de rua. Este é um cenário que já pode ser observado em alguns países em que a população idosa se aproxima de 30; 40 ou dentro de alguns anos a 50% ou mais do conjunto populacional.

A seguir menciono uma lista de alguns dos principais fatores associados com o surgimento e evolução da demência, confirmando inúmeros artigos científicos que os identificaram ao longo de décadas de pesquisas e acompanhamentos de milhares de pessoas que foram diagnosticadas com alguma forma de demência. Este já é um dos desafios mais sérios que afeta a população idosa em todos os países e já esta também presente no Brasil.

De acordo com o relatório de 2020 da OMS, estima que mais de 55 milhões de pessoas (8,1% das mulheres e 5,4% dos homens com mais de 65 anos) estão vivendo com demência. Estima-se que esse número aumente para 78 milhões em 2030 e 139 milhões em 2050.

No Brasil, em 2020, a situação também é grave. O número de casos de demência, que correspondem a 55 mil novos diagnósticos por ano, deve alcançar 1,6 milhão de pessoas com mais de 65 anos em 2020. E vão afetar cerca de um quarto da população brasileira com mais de 80 anos daqui a três anos, segundo previsão de pesquisadores da Universidade do Porto (Portugal) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

“Quanto mais tempo vivemos, maior a probabilidade de apresentarmos um estado de demência”, explica o diretor da Unidade de Cardiogeriatria do Instituto do Coração (Incor) e professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Wilson Jacob Filho. A chance de ter Alzheimer, por exemplo, que aos 60 anos é de 1%, chega a ultrapassar os 20% após os 90.

Portanto, Precisamos estar atentos a este desafios e esses são alguns dos fatores associados ao surgimento da demência: 1.Idade, acima de 80 e 85 anos; 2 .Problemas/doenças cárdio-cérebro vasculares; 3. Poluição do ar (dentro de casa e no meio ambiente); 4. Problemas/perda de olfato; 5. Diabetes; 6. Colesterol elevado; 7. Herpes; 8. Depressão; 9. Hábitos alimentares incorretos;10. Traumatismo na cabeça (craniano); 11. Solidão; 12. Obesidade; 13. Herança genética; 14. Problemas de sono; 15. Tabagismo; 16. Alcoolismo.

De tudo o que mencionamos nesta reflexão/artigo, não podemos deixar de mencionar que no contexto das políticas de saúde é fundamental que também estejam presentes em todas as demais políticas públicas a necessidade quanto ao que podemos mencionar como Educação para a Saúde, onde, além das instituições governamentais, também todas as demais instituições da sociedade precisam estar presentes, neste esforço coletivo e integrado. Só assim, podemos avançar em relação aos cuidados que a população idosa necessita e tem direito.

Cabe relembrar o conceito de Saúde estabelecido pela OMS - Organização Mundial da Saúde em 1946, “como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade”.

A nossa Constituição Federal de 1988 que também assim considera “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”

Só assim podemos ter a certeza de que existe uma conjugação de esforços e recursos públicos e privados voltados, realmente, para a DEFESA DA VIDA, em toda a sua plenitude.

Idosos e idosas tem o direito de serem tratados com dignidade e respeito, só assim, podemos falar em uma sociedade justa, solidária e igualitária e Estado democrático de direito.

* JUACY DA SILVA, 80 anos, professor universitário, aposentado UFMT, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy Whats

Deixe uma resposta

12 − onze =