A geopolítica eclesial de Francisco

O papa vai construindo aos poucos uma Igreja sinodal, profética, missionária.

Por Gianfranco Graziola
Foto: Antoine Mekary | ALETEIA | i.Media

O anúncio de um novo consistório para a nomeação de novas púrpuras já estava no ar faz tempo e isso devido de um lado à pandemia que nestes últimos anos não permitiu sua realização e, de outro, ao fato que ultimamente faleceram alguns cardeais mais idosos, deixando espaço a novos possíveis candidatos para preencher os lugares por eles deixados.

Outro elemento importante que fazia prever que algo estivesse para acontecer deve-se a um significativo número de cardeais que chegaram à idade limite de 80 anos, fator que os exclui automaticamente de todo e qualquer ofício dentro da cúria romana, sendo que alguns deles hoje têm retornado aos seus países e lugares de origem, voltando até a exercer seu serviço eclesial como simples presbíteros.

O anúncio daquele que será o oitavo consistório do Papa Francisco vem seguindo a lógica do primeiro convocado em 22 de fevereiro de 2014, a menos de um ano de sua eleição a bispo de Roma, a universalidade da Igreja e o protagonismo dos pequenos e dos periféricos, contrariando a seletividade das Igrejas particulares, das sedes tradicionalmente cardinalícias, do carreirismo e do clericalismo ainda muito presentes no âmbito da cúria romana e no seio da própria Igreja.

A geopolítica eclesial

Jorge Mário Bergoglio, desconhecido pela maior parte da grande imprensa e da própria cúria romana, embora fosse arcebispo de Buenos Aires, na nação Argentina e o relator da 5ª Conferência Latino-americana e Caribenha em 2007 em Aparecida, é escolhido em 13 de março de 2013 para Bispo de Roma, aquele que preside na caridade a toda a Igreja. Sua eleição acontece num momento crítico e bastante delicado em que a Igreja, apesar do forte impacto midiático do Papa João Paulo II, seguido dum Papa de transição como Bento XVI, vive uma perda constante de credibilidade, devido ao asfixiante centralismo da cúria romana e graves escândalos, entre eles os abusos sexuais e as grandes e graves questões econômico-administrativas que acabam atingindo até o próprio Papa. Bento XVI devido à idade e a própria saúde, decide pela renúncia cujo anúncio é feito, surpreendendo a todos, e em primeiro lugar à própria cúria romana, no consistório de 11 de fevereiro de 2013, marcando a renúncia para o dia 28 do mesmo mês.

28 de fevereiro de 2013

Pontualmente às 20h de Roma, começa o período de vacância da Santa Sé, com a realização dos procedimentos e dos sinais externos que visualizam que Bento XVI se tornou “Papa emérito”. O portão de bronze, entrada oficial do Estado do Vaticano é fechado. A porta dos apartamentos pontifícios é trancada a chave e nela é colocado o lacre que só será retirado quando haverá um novo Papa. Também o portão da residência de verão de Castel Gandolfo, onde já se encontra há alguns dias Papa Bento XVI, é fechado e até a Guarda Suíça se retira, as bandeiras e todos os sinais que aludam ao agora Papa emérito desaparecem. Começa agora o tempo de expectativa e de especulações e os jogos de alianças para a escolha de um novo sucessor de Pedro.

Certamente a cúria romana, por certos versos, responsável pela renúncia de Bento XVI, se movimenta para trabalhar o nome de um possível sucessor que não seja demasiado jovem e possivelmente alguém alinhado com os desejos e os pensamentos da própria instituição continuando promovendo e fortalecendo o eurocentrismo, até no pensamento teológico fortemente seguido por João Paulo II com a condenação da Teologia da Libertação e de seus apoiadores, mas ainda mais evidente e efetivo nas escolhas, nomeações e atitudes de Papa Bento XVI. Por sua vez o povo de Deus espera num Papa pastor, aberto e capaz de dialogar com o mundo contemporâneo, alguém que tenha uma linguagem diferente do clericalismo da cúria romana.

13 de março de 2013

No dia 12 de março começou o conclave, precedido pelas Congregações, que tiveram seu início no dia 4 de março, acontecendo diariamente, sendo que no quarto dia foi decidida aderoga ao tempo de espera para seu início, estabelecendo a data do dia 12 de março. Ao contrário de 2005, neste conclave o nome do argentino Jorge Mário Bergoglio não parece estar na rosa dos “papáveis”, mas como no conclave que elegeu Ângelo Roncalli, o Papa Bom, o Espírito Santo jogou a cartada colocando pela primeira vez na história um Bispo de Roma que falava uma linguagem totalmente diferente seja daquela europeia como da cúria romana por ser pastor, e este é Jorge Mário Bergoglio que ao escolher o nome de Francisco, coloca a irmã pobreza como opção preferencial de sua ação pastoral.

A Centralidade da Periferia no caminho da Igreja

Na primeira aparição do novo bispo de Roma que, assumiu o nome de Francisco para a primeira bênção à cidade e ao mundo [urbe et orbi] o povo dá-se conta que a escolha do nome não é casual, fruto da moda, mas um programa e atitude de vida. Francisco, novo bispo de Roma que, como ele afirma, os seus irmãos cardeais foram buscar no fim do mundo, apresenta-se com a simples batina branca, saúda a todos com um corriqueiro “boa noite”, e antes de dar a bênção solene ao povo, pede que seja ele a rezar num momento de silêncio para seu pastor abençoando-o no começo de uma nova missão que a Igreja lhe confiou. Estas expressões que parecem ser de outro planeta na realidade são a manifestação mais genuína de uma Igreja povo de Deus e sinodal traçada pelo Concílio Vaticano II e fortemente encorajada pelo santo Papa Paulo VI na sua primeira carta encíclica: Eclesiam Suam, pequena obra de arte que ainda hoje deve ser retomada e lida para vislumbrar e entender os sinais dos tempos.

A Sinodalidade, expressão de comunhão, participação, missão

A comissão dos cardeais

Francisco, um mês depois de sua eleição a Bispo de Roma, seguindo uma das sugestões das Congregações Gerais que precederam o Conclave, constitui um grupo de oito cardeais mais um bispo como secretário a quem confia duas tarefas: ajudá-lo no governo da Igreja universal e estudar um projeto de revisão da Constituição “Pastor Bonus” sobre a cúria romana. Além disso, fixa para os primeiros dias de outubro a primeira reunião daquele que será um longo trabalho de estudo e discernimento de toda a Igreja, expressando assim de forma concreta a colegialidade. No mesmo ano, no dia 28 de setembro, com um breve documento escrito de seu punho, [Quirógrafo] constitui com os mesmos componentes do grupo um “Conselho de Cardeais”, agora permanente, oficializando e consolidando o processo fortemente acalentado nas Congregações Gerais dos Cardeais.

Os Sínodos

Francisco acredita profundamente na colegialidade e na sinodalidade fortemente acalentada por Paulo VI querendo envolver toda a Igreja e o mundo no processo de evangelização. Vários sínodos, até alguns especiais foram celebrados por João Paulo II, mas todos eles tiveram como origem e instrumento de trabalho a cúria romana, transformando a colegialidade numa formalidade e numa ideologia bonita, mas irreal, tendo como consequência o esvaziamento do papel das próprias Conferências Episcopais.

Por essa razão temos no espaço de pouco tempo, alguns Sínodos, todos eles precedidos por um tempo de escuta e por um documento preparatório: o primeiro dedicado à família, com o tema Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização, [2013-2015]; o segundo dedicado aos jovens, Os jovens, a fé e o discernimento vocacional, [2016-2018]. O terceiro é dedicado a Pan-Amazônia. O Anúncio da convocação é dado, no Angelus que segue a canonização de André Soberal, e Ambrogio Francesco Ferro, Matteo Moreira e 27 companheiros, mártires do Rio Grande do Norte e de outros bem-aventurados. O tema é "Amazônia, novos caminhos para a Igreja e para uma Ecologia integral" [15 de outubro de 2017]. Previsto para acontecer em 2019 é precedido do documento preparatório, que fora organizado por uma comissão composta de bispos, religiosos, religiosa, teólogos, leigos e leigas que são parte da Rede Eclesial da Amazônia – REPAM. Entre eles encontram-se alguns indígenas. O documento preparatório é apresentado em junho de 2018 e segue o significativo método ver a identidade e ouvir os clamores da Amazônia; discernir para uma conversão pastoral e ecológica; agir, buscar novos caminhos para uma Igreja com rosto amazônico.

50 anos da instituição dos Sínodos

Francisco está colocando a Igreja num estado permanente de missão, retomando o caminho conciliar e sinodal e repropondo com vigor para toda a Igreja a trajetória percorrida das conferências latino-americanas e particularmente a última de Aparecida. Por ocasião da celebração dos 50 anos da instituição do Sínodo, Francisco assim se expressa: “Estou convencido de que, numa Igreja sinodal, também o exercício do primado petrino poderá receber maior luz. O Papa não está sozinho, acima da Igreja; mas, dentro dela, como batizado entre batizados e, dentro do Colégio Episcopal, como bispo entre os bispos, chamado simultaneamente – como Sucessor do apóstolo Pedro – a guiar a Igreja de Roma que preside no amor a todas as Igrejas”.

Sinais concretos

Alguns fatos confirmam a importância que ele dá à sinodalidade na Igreja, o primeiro é a publicação da Constituição Apostólica “EPISCOPALIS COMMUNIO” sobre o Sínodo dos Bispos em que ele vai codificar a preparação e o próprio desenvolvimento da assembleia sinodal. O segundo é a convocação da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, em lugar de uma nova Conferência, pedido da presidência do CELAM que reuniria só bispos, experiência de sinodalidade e participação. E o terceiro fato foi a convocação da 16ª assembleia sinodal com o tema: "Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão", procurando fazer entender que isso é a essência, o DNA, a identidade própria da Igreja do século 21.

As púrpuras

Fundamental também na geopolítica eclesial de Francisco são as nomeações cardinalícias que subiram uma grande revolução e que expressam claramente o conceito de eclesiologia dele. Sabe-se que os critérios por ele adotados é a luta contra o clericalismo, carreirismo dentro da própria Igreja, colocando em evidência o testemunho de vida das pessoas, sua doação ao serviço da Igreja, dando voz aos pobres, às periferias e às igrejas jovens. Os exemplos concretos disso são Dom José Gregorio Rosa Chávez, bispo auxiliar de São Salvador; Dom Konrad Krajewski, seu esmoleiro, sublinhando ulteriormente a opção preferencial pelos pobres; e as recentes do franciscano Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manuas, colocando novamente no centro a Amazônia. E falando da Igreja de periferia, como não citar Filipe Neri António Sebastião do Rosário Ferrão, arcebispo metropolitano de Goa e Damião (Índia), pertencente à casta mais baixa entre as castas da Índia. E não última e menos importante púrpura é àquela dada à pequena Igreja da Mongólia na pessoa de Dom Giorgio Marengo, Missionário da Consolata, Prefeito Apostólico de Ulan-Batar.

Um fato é evidente, mais uma vez ficaram de fora da geopolítica eclesial, sedes importantes como Turim, Veneza, e a própria Milão, à qual foi preferida à pequena e limítrofe sede de Como.

Mas a geopolítica eclesial necessita, porém de um passo ulterior, romper o clericalismo eclesial com púrpuras masculinas e femininas leigas, que sem precisar de panos exteriores possam dar concretamente visibilidade a uma Igreja sinodal e povo de Deus.

Gianfranco Graziola, imc, é diretor vice-presidente da ASAAC e assessor teológico.

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