A Palavra, o Profeta e o mundo que lhe afeta

O profetismo autêntico se alimenta da sabedoria divina através da Teologia estudada, contemplada e vivida.

Por Márcio Oliveira Elias*

Na construção da palavra ‘teólogo’ encontramos o prefixo “theos” (em grego: ‘deus’), e o complemento “logos” (em grego: ‘palavra’). Assim sendo, podemos compreender então que ‘teólogo’ é a pessoa que se torna “palavra de Deus”, ou “portadora da palavra de Deus”. Ser teólogo traduz o humano em sintonia com a sua originalidade espiritual, onde o Espírito que “pairava” sobre as águas é a imagem da “vibração divina”, habitando e movendo o coração de tudo quanto existe.

Nas Sagradas Escrituras essa pessoa que se torna “palavra de Deus” é chamada de ‘profeta’, que assim falava da parte do Senhor conforme era conduzido pelo Espírito Santo, como nos relata a segunda Carta de Pedro (1,20-21), que anuncia: “Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal. Porque jamais uma profecia foi proferida por efeito de uma vontade humana. Pessoas inspiradas pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus”. O Espírito profético é o motor universal.

O objetivo do estudo teológico é buscar o conhecimento de Deus e trazer a compreensão do seu projeto salvífico. Ser teólogo é tornar-se responsável pela disseminação deste conhecimento e deste projeto ao mundo em derredor. Um mundo que, muitas vezes, não quer encontrar a sabedoria de Deus, ou mesmo não quer saber de Deus. Neste momento, o teólogo é desafiado a enfrentar essa indiferença e, principalmente, não se deixar contaminar pela mesma indiferença do mundo.

O teólogo não é um intelectual ensimesmado (fechado em si mesmo); um detentor do saber exclusivo e particular, autônomo. O teólogo é um profeta da comunicação, da dinâmica orgânica da Palavra encarnada, da mística divinizante. Mas também compreende que esta Palavra não é somente um instrumento comunicativo, mas todo um universo emotivo na convulsão evolutiva da pessoa humana. Somos seres sensitivos, ativos e emotivos; eu sinto a Palavra e a Palavra me sente, quando reflito sua revelação: “Eu sou Aquele que É” (Ex 3,13).

As emoções nos constroem verdadeiramente humanos; e a razão nos dá o polimento necessário à consciência de ser um humano verdadeiro. O evangelista João nos diz que Deus se fez verdadeiro humano (“A Palavra se fez carne”; Jo 1, 14), onde ‘carne’ corresponde ao vocábulo hebreu “dabar”, que também significa ‘sabedoria criativa’. Sendo assim, o Criador quis se fazer ‘palavra de sabedoria’, para que a pessoa humana pudesse fazer o reencontro com a sua humanidade original, verdadeiramente santificante.

Na Teologia há que se escutar a Palavra; mas para escutar há que conhecermos simultaneamente o texto, o contexto e o pretexto. O texto poderemos talvez começar a entendê-lo lendo-o, aplicando o nosso conhecimento conceitual. O contexto requer o conhecimento simbólico, onde contemplamos o seu lugar natural de composição, para que assim nos fale e possa se fazer entender mais plenamente. Para conhecer o pretexto temos de compreender o autor inspirado, o que ele consegue nos falar, pois é necessário escutá-lo e entendê-lo com caridade; ou seja, amá-lo no mais profundo sentido sapiencial.

Profetismo autêntico

O profetismo autêntico se alimenta da sabedoria divina através da Teologia estudada, contemplada e vivida. Num primeiro momento, esse profeta exercita a compreensão do amor de Deus em si mesmo, para que num segundo momento possa estender essa compreensão de amor ao outro. Somos o resultado do ‘Amor Criativo’ do Senhor; somos a imagem de um sonho que quer se fazer realidade em tudo e em todos.

Na carta aos Romanos (10,13-15) o Apóstolo Paulo anuncia que: “De fato, todo aquele que invocar o Nome do Senhor será salvo. Mas, como invocá-lo, sem antes crer nele? E como crer, sem antes ter ouvido falar dele? E como ouvir, sem alguém que pregue? E como pregar, sem ser enviado para isso?”. O envio requer de nós o conhecimento do Amor que nos criou.

O teólogo mergulha nas águas cálidas do Mistério Pascal, tornando-se capacitado a ser um enviado de Cristo; é chamado a uma plenitude de vida que se estende para muito além das dimensões da sua existência terrena, porque consiste numa participação na própria essência de seu Criador. Hoje, este anúncio torna-se especialmente urgente, pelo impactante agravamento das ameaças à dignidade das pessoas e à sobrevivência deste planeta azul.

O Evangelho da vida é para proclamação do bem à humanidade, pelo qual somos chamados a profetizar nos desafios de nossa própria existência. Ser teólogo é estar imerso na santa tempestade de Deus, como a instância crítica da cultura e da sociedade, liquidificando os seus conteúdos para um amor em ebulição; por Cristo, com Cristo e em Cristo.

* Márcio Oliveira Elias é advogado, professor de Teologia Pastoral e palestrante. Bacharel em Teologia, com especialização em Teologia Contemporânea, Filosofia e Sociologia. Atua na formação permanente de agentes pastorais e fiéis leigos na Diocese de Cachoeiro de Itapemirim/ES. moelias@terra.com.br.

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