Padre não pode falar de política, deveria cuidar da religião

política_fe

Por Jaime C. Patias, IMC*

Ouço tantas afirmações desse tipo que resolvi escrever sobre o assunto. Pensemos: Por que padre deve silenciar, sem poder falar de política, se há político inescrupuloso a instrumentalizar a religião para fazer politicagem? A contradição é tamanha que salta aos olhos.

Quem não tem argumentos para discutir política tenta censurar. E quando se trata de um cristão católico eu me pergunto: qual foi a sua formação religiosa? Onde é que a nossa Igreja falhou?

Por isso é importante esclarecer: Separar religião de política é viver em redoma, não é o que se pensa e se vê praticado por aí. A palavra religião vem do latim ‘religare’, significa “ligar de novo o ser humano com o divino”, como o sagrado, fonte e origem da vida.

Quais são suas características? A fonte e motivo desta religação é: o divino no humano. Deus encarnado (carne humana) na realidade. A necessidade de religação é a não extinção dos humanos, ou seja: cuidar da vida em sua integridade e totalidade (espiritual, econômica, política, social, física, biológica, sexual, humana...). O 5º Mandamento diz: não matarás! (Ex 20,13).

O mediador da religação no cristianismo é Deus encarnado e revelado ao mundo: Jesus Cristo. A condição de religação: crer em Cristo Redentor (não em falsos profetas, charlatões e picaretas). A abrangência da religação é o Planeta, a Casa Comum onde tudo está interligado (o meio ambiente, os seres humanos, o ar, a água, a terra, a mata, enfim, toda criação). O resultado desta religação é a vida em abundância, sinônimo de Vida Eterna.

Portanto, quando um padre, um bispo, um pastor, um religioso ou religiosa, ou um cristão comprometido com a verdadeira Religião fala de política e denuncia atitudes que atentam contra a vida do ser humano e do Planeta, como o descaso do Estado brasileiro nessa pandemia de Coronavírus, está exercendo a sua missão profética. Não estamos falando de politicagem. Estamos falando de mais de 5.000 mortes pela Covid-19. Não são números, mas são vidas de pessoas sagradas aos olhos de Deus. Um padre não só pode se manifestar, mas tem o dever sagrado de falar. Politicagem faz o político insensível e genocida que, em vez de tomar medidas para cuidar de vidas com políticas públicas de qualidade, é omisso diante da própria missão dizendo: “quer que eu faça o quê?” Morreram. "E DAÍ?" É a resposta do presidente diante de tamanha tragédia. Começa com "Brasil acima de tudo", "Deus no comando". E termina com "E daí, eu não posso fazer nada". Tirem suas conclusões dessa imensa contradição.

É oportuno lembrar que nós, padres, fomos ungidos e consagrados pelo Espírito Santo para o serviço do sacerdócio de Jesus Cristo que é o Profeta de Deus (para ensinar à luz da Palavra de Deus), o Sacerdote (para santificar) e o Pastor (para guiar). Poucos dão conta desse Tríplice Ofício de Cristo na missão do presbítero.

Por isso, ao longo da história, a Igreja católica desenvolveu, entre outros conteúdos, o seu “Ensino Social” ou a "Doutrina Social” com orientações muito precisas sobre as implicações sociais e políticas da fé na vida em sociedade. À luz do Evangelho, o Ensino Social da Igreja trata de política, economia, organização social, vida plena com justiça, paz, boas condições de trabalho, respeito recíproco e, acima de tudo, dignidade humana. Política nada mais é do que a arte de administrar (governar) o bem comum. Perceberam que não falei em partidos políticos?

Na missão, o nosso modelo é Cristo, Bom Pastor que não abandona o povo quando o “lobo chega para matar e roubar”. Nas palavras de Frei Betto, "Jesus não morreu de alguma doença, deitado numa cama, nem de desastre de camelo, em uma esquina de Jerusalém. Ele morreu como um prisioneiro político: foi preso, torturado, julgado por dois poderes políticos e morto pelas forças de opressão do Estado. Este é o Jesus de Nazaré que deu sua vida para que todos tenham vida, e vida em abundância (Jo 10,10). ‘O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir...”

Eu acredito nesse Jesus e a Ele sirvo como presbítero religioso, com todas as minhas limitações, mas comprometido com a sua causa. Estou consciente das implicações da minha opção por Cristo e o seu Evangelho. A vida é feita de escolhas e respeito opiniões divergentes nesse mundo plural. Mas por princípios, não posso concordar com atitudes irresponsáveis que desrespeitam a vida. Por isso, os que ousam defender incondicionalmente o presidente nunca entenderam o que é professar a fé em Jesus Cristo, o verdadeiro Messias de Deus. Não entenderam igualmente o que é e para que existe a religião.

 

*Pe. Jaime Carlos Patias, IMC, Conselheiro Geral para América.

Deixe uma resposta

13 − um =