Brasil 55 milhões de excluídos

Em sua 25ª edição, o Grito dos Excluídos chama a população às ruas e denuncia: “Este sistema não Vale!”

de Karla Maria

Equipe de articulação do Grito dos Excluídos

Às 7 horas da manhã, o WhatsApp da repórter já está agitado e colorido. Fotos de gente de todo o canto do país chegam e revelam: o Grito dos Excluídos 2019 já começou. Paróquias, praças e salões improvisados abrem suas rodas e espaços de conversa para discutir os rumos do país.

A preocupação se justifica. No Brasil, segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais de 2018 (SIS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 55 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza com até R$ 400 por mês, ou seja, 25% da população está vulnerável.

A esse dado, soma-se o fato de que o desemprego atinge a casa dos 12%, ou seja, 13 milhões de pessoas estão sem trabalho no país, fora aqueles que são nomeados empreendedores por emitirem notas, mas, quando o fazem, vivem na precariedade, sem a garantia de seus direitos trabalhistas.

É neste país tão desigual, cujo presidente da República banaliza o porte de armas, o assassinato de indígenas e a tortura, que o Grito dos Excluídos, já em sua 25ª edição, promove um processo pedagógico de conscientização e cidadania. “Mais do que uma manifestação no dia 7 de setembro, o Grito é um processo, uma manifestação popular carregada de simbolismo, que integra pessoas, grupos, entidades, pastorais sociais, movimentos comprometidos com as causas dos excluídos. Ele brota do chão, é ecumênico e vivido na prática das lutas populares por direitos”, afirma Ari Alberti, coordenador do Grito Nacional.

Brumadinho

Para 2019, o lema escolhido – de modo coletivo pelos articuladores – foi “Este sistema não Vale! Lutamos por justiça, direitos e liberdade”, e faz uma alusão direta à empresa Vale, mineradora multinacional brasileira e uma das maiores operadoras de logística do país, responsável pelo rompimento de barragens que liberou mais de 12 milhões de metros cúbicos de lama e água na área de operação da Mina Córrego do Feijão, percorrendo 10 quilômetros em Brumadinho até chegar ao Rio Paraopeba, em 25 de janeiro, culminando, segundo dados das autoridades locais, em 248 mortos, 22 desaparecidos e uma centena de órfãos, além do impacto ambiental.


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Grito dos Excluídos Brumadinho“A Vale insiste em falar que foram 300 (pessoas mortas), mas é mentira, tinha um casamento naquela pousada. Sou atingida pelo Rio Paraopebas. Aquilo foi um atentado associado ao 11 de Setembro e esse atentado segue diariamente”, disse Michelle Regina Aparecida de Paula Rocha, 33 anos.

Michele é moradora da Colônia Santa Isabel, cidade vizinha de Brumadinho. “Sueli Marcos, minha prima, era funcionária da Vale e tinha muitas restrições de mobilidade. Não conseguiu fugir da lama. Ela deixou duas filhas de nove e 19 anos de idade. Imagine que foram encontrados pedaços dela. Como explicar isso pra uma criança? Tem família que perdeu oito pessoas”, denuncia Michele, que também é membro do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB).

Em 2007, o Grito dos Excluídos já vinha denunciando a privatização da Vale com o lema “Isto não Vale! Queremos participação no destino da nação”. Além desse crime, outras pautas compõem um quadro dramático da situação da sociedade brasileira e motivam os articuladores do Grito dos Excluídos. “Aprovação da reforma trabalhista; o congelamento dos gastos sociais por 20 anos, que impacta diretamente na saúde e educação; o projeto de reforma da Previdência; a liberação de 239 agrotóxicos nos últimos dois meses pelo Ministério da Agricultura; o processo produtivo predatório que agride a natureza e avança sobre áreas ainda preservadas; o combate aberto às instituições e instâncias que exercem o papel de mediadoras entre sociedade civil e governo; o ataque às universidades; a criminalização dos movimentos sociais e suas lideranças; o cercea-mento à liberdade de expressão e organização; o desmonte gradativo da nação”, destaca a jornalista Ana Valim, assessora de imprensa do Grito dos Excluídos.

O Grito e a Igreja

A proposta da realização do Grito dos Excluídos surgiu em 1994 a partir da 2ª Semana Social Brasileira, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cujo tema era “Brasil, alternativas e protagonistas”. A primeira edição aconteceu em setembro de 1995, inspirada na Campanha da Fraternidade daquele ano, que tinha por lema “A fraternidade e os excluídos”. Em 1996, o Grito foi assumido pela CNBB, que o aprovou em Assembleia Geral como parte do Projeto Rumo ao Novo Milênio – Documento 56 n° 129.

“Os direitos e os avanços democráticos conquistados nas últimas décadas, frutos de mobilizações e lutas, estão ameaçados. O ajuste fiscal, a reforma trabalhista aprovada e, agora, o projeto de reforma da Previdência estão retirando direitos dos trabalhadores para favorecer aos interesses do mercado. O próprio sistema democrático está em crise, distante da realidade vivida pela população. O Grito precisa colaborar para gerar processos de conscientização e de mobilização social e de profecia da Igreja em defesa dos mais vulneráveis”, declarou dom José Valdeci Santos Mendes, bispo de Brejo (MA) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sócio-Transformadora em carta da CNBB em apoio ao Grito 2019.

Karla Maria é jornalista.

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