Vem Espírito Santo, vem!

Pentecostes é uma das festas mais importantes do calendário litúrgico. Nela, a Igreja celebra a vinda do Espírito Santo.

Por Ronaldo Lobo

A primitiva comunidade cristã fez a experiência da força do Espírito Santo depois da ressurreição do Senhor. A promessa do Senhor ‘eu pedirei ao Pai que vos envie outro consolador que esteja convosco sempre’ introduziu uma novidade na comunidade dos seguidores. Conheceram a sua força somente quando ele desceu sobre a comunidade. Quando celebramos a festa de Pentecostes nas nossas Igrejas depois dos 2000 anos deste acontecimento, devemos pedir, mais uma vez, o mesmo Espírito, para continuar a obra de Jesus. A missão continua sendo a mesma ainda hoje.
Numa Igreja que desapareceu no velho continente, entre nós se esvazia ano a ano, o número dos jovens está minguando, o futuro parece sombrio. Parece que a Igreja não consegue passar algo novo, não atinge o alvo, porque o discurso é o mesmo, continuam os mesmos ritos e meios de expressões, apenas usando novas tecnologias de comunicação. Cada ano que passa, parece uma Igreja mais devocional, voltada aos ritos e tradições, retirada do social, menos comprometida. Anos atrás, o padre José Comblin falando dos meios da comunicação utilizados pela Igreja, já alertava: ‘o conteúdo transmitido pela Igreja é muito fraco e tem mais elementos repelentes do que atraentes: tem pouco a ver com o Evangelho’.

Sagrada Escritura At 2,1-12

Os Evangelhos nos deixam relatos diferentes de como as comunidades fizeram a experiência do Pentecostes. A comunidade joanina celebrou no mesmo dia da ressurreição, quando o ressuscitado sopra sobre a pequena comunidade amedrontada e diz, ‘recebei o Espírito Santo’ (Jo 20, 22). O gesto de soprar nos recorda duas grandezas de Deus, primeira, o ato de criação da humanidade (Gn 2, 7) e segunda, a ressurreição dos mortos (Ez 37). Ou seja, Jesus, em virtude da sua ressurreição, está criando novas pessoas na comunidade joanina, dando-lhes vida nova. Por esta razão, não são poucos os teólogos que marcam este dia como o dia do nascimento da Igreja.
Pentecostes é uma festa histórica e simbolicamente ligada ao festival judaico da colheita (ou Shavuot). A festa tem, junto com a colheita, outros nomes como: festa das semanas (assim chamada porque era celebrada sete semanas ou 50 dias depois da Páscoa) e festa dos primeiros frutos, ambas interligadas. A comunidade, mais tarde, começou a comemorar a entrega dos Dez Mandamentos no Monte Sinai 50 dias depois do Êxodo nesta ocasião. Ou seja, início de uma nova comunidade depois da saída milagrosa do Egito. Mais ainda, era um evento de peregrinação em que os judeus piedosos iam ao templo em Jerusalém. A comunidade de Lucas, que esperava em reclusão, fará a experiência da vinda de Espírito (At 2,1-12), de uma maneira solene e assustadora, depois de 50 dias da Páscoa. Ela desloca tal experiência do Espírito para a festa de Pentecostes.
Os cristãos celebram no Pentecostes a descida do Espírito Santo sobre a comunidade reunida no cenáculo, através das línguas de fogo. Um ruído que desce do céu, como do vento de um furacão enche a casa onde se alojavam os membros da comunidade e as línguas de fogo, repartidas, pousam sobre cada um deles. O texto frisa o fato de que ‘um só Espírito’ pousa e se distribui sobre todos os presentes. Os discípulos começam a falar inspirados pela força do Espírito Santo. (A informação é meio confusa. O texto diz que os discípulos começaram a falar línguas estrangeiras. Mais adiante, a mesma leitura diz que os discípulos falavam numa língua, a própria, e os ouvintes entendiam na sua língua materna). Nesta ocasião, Pedro fez o seu sermão carismático, de pé, numa voz solene, depois de receber o Espírito Santo. A colocação de Pedro (diferente da de Jesus de Nazaré na Sinagoga), sóbria e concisa na denúncia, insiste na ação de Deus no desígnio e destino de Jesus.

A realidade

Há uma inquietação na Igreja, o seu prestígio religioso ou evangélico enfraqueceu. Para muitos hoje ela é uma instituição de poder que fomenta menos espiritualidade. Muitos católicos buscam uma espiritualidade em outros lugares. Ou correm atrás dos poucos lugares que têm. Há uma insatisfação grande, embora calada, por parte dos fiéis. Passamos de tempos de globalização, neoliberalismo e estamos entrando no tempo da pós-verdade. Tais sistemas, sistematicamente, abafaram as vozes que denunciavam os problemas sociais. Tudo se dissolve num relativismo rigoroso.
As mudanças que o Concílio Vaticano II trouxe, com certeza, foram uma nova efusão na Igreja. Elas deram um salto qualitativo nos seus documentos ao enfrentar o mundo real. Embora alguns pensem o contrário e queiram retroceder. Mais ainda, há gente que tenta domesticar o Espírito! Hoje, a Igreja parece intimidada, não reage, ou não reage como reagia antes e parece estar ausente da vida nacional. Das suas cartilhas, não surtem efeitos desejados e suas convocações não animam os fiéis a entrarem numa ação eficaz ou concreta. Os princípios do ensinamento social católico como: dignidade da pessoa humana, o bem comum, a subsidiariedade e a solidariedade estão em baixa. Além disso, os valores fundamentais da vida social como a verdade, a liberdade, a justiça e o amor desaparecem dia a dia. Algumas vezes, tais realidades assustadoras guardam grandes surpresas. São momentos de parada, quando a curva se desloca para baixo e tudo parece sem sentido. A Igreja deve relembrar que o paráclito prometido pelo Senhor, continua acompanhando-a.

A nova primavera

Parece que o Espírito Santo tem falado muito à Igreja através da presença paterna do papa Francisco. Sua presença já fez nascer uma nova primavera dentro da Igreja, apesar das resistências. Depois dos cinco anos de seu papado, a Igreja parece dar uns passos, tímidos e lentos por parte do clero e de entusiasmo por parte do povo. Neste tempo, em que predomina a ‘cultura do descartável’ e da ‘sociedade líquida’, o papa tem surpreendido muitas grandes lideranças com seus quatro princípios para construção das sociedades mais justas. Ou seja, seus critérios gerais de interpretação e avaliação: o tempo é superior ao espaço; a unidade prevalece sobre o conflito; a realidade é mais importante que a ideia e o todo é superior às partes. Mais ainda, a acolhida dos refugiados, a preocupação com a ecologia e alerta ao perigo do aquecimento global entraram nos temas católicos. Mais do que tudo, o papa dá o testemunho do que fala, pratica o que prega e acredita, com esperança, no presente.
Peçamos ao Senhor a graça de não ser uma Igreja que fica na metade do caminho, uma Igreja triunfalista, dos grandes sucessos, mas de ser uma Igreja humilde, que caminha com decisão, com Jesus.

*Ronaldo Lobo, svd, é Superior dos Verbitas em Curitiba, PR.

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