O silêncio do Sábado Santo

O silêncio constitui o terreno fértil para o nascimento e desenvolvimento da palavra.

Por Alfredo J. Gonçalves

Comecemos por diferenciar o silêncio do mutismo. Enquanto o primeiro é povoado de rostos, lembranças, intuições e pensamentos, o segundo é deserto, inabitado, estéril. O silêncio constitui o terreno fértil para o nascimento e desenvolvimento da palavra. Não a palavra vazia, ou o palavreado disperso e dispersivo, mas a palavra nova, viva, criativa, libertadora e revestida de sentido. Se o mutismo tende a isolar-se e fechar-se hermeticamente sobre si mesmo, recusando todo tipo de comunicação, o silêncio, ao contrário, amadurece de maneira mais profunda o diálogo entre pessoas, saberes e culturas.

Como a noite prefigura o sol, a aurora e o dia pleno de luz, o silêncio gesta e prefigura uma palavra inédita e inovadora. Ou, se quisermos, anuncia uma Boa Notícia. Esta expressão nos leva à Família de Nazaré. Não seria exagero afirmar que a morada de Maria, José e Jesus é por excelência a casa do silêncio. De Jesus, podemos dizer que passou trinta anos em silêncio, antes de iniciar o seu ministério público. Três décadas em que o verbo não apenas se faz “carne”, mas também, antes de ser profeta, se faz “discípulo” diante do Pai. Período em que, numa escuta intensa e ativa, irá engendrar a Boa Nova do Evangelho. De tal forma que ao iniciar sua pregação, o faz com uma tríplice novidade reproduzida pelos evangelistas: “O tempo se cumpriu, o Reino de Deus está próximo, convertam-se e acreditem na Boa Notícia” (Mc 1,12-13).

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O mesmo silêncio nutre Maria e José. Deste último jamais se ouve uma única palavra. Não abre a boca, mas está sempre pronto ao serviço. Homem certo, na hora certa e no lugar certo – para cuidar e proteger o Menino e sua mãe. Como a esposa, é capaz de ouvir os anjos, os mensageiros de Deus, cuja voz só se faz sentir no repouso e no silêncio absolutos, sem a interferência e o rumor das palavras e pensamentos do cotidiano. Maria, por sua vez, aparece no Evangelho de Lucas como a “mãe que conservava todos esses fatos, e meditava sobre eles em seu coração”. E convém não esquecer que o evangelista repete duas vezes praticamente a mesma frase (Lc 2,19.51). Conservar e meditar, dois verbos que exigem o silêncio necessário para ler os fios invisíveis que a mão de Deus tece na trama visível da existência humana.

O confronto entre a casa de Nazaré, de um lado, e o sábado santo, de outro, ilustra essa característica fecunda do silêncio. Uma vez mais, da mesma forma que a noite prefigura o dia, as trevas e a tristeza do sábado santo prefiguram a imensa luminosidade e a alegria da ressurreição. A cruz, o túmulo e a morte antecipam a glória de uma vida nova, transfigurada e eterna. Talvez isso explique o especial cuidado que o grupo de mulheres, juntamente com José de Arimateia, demonstra ao preparar o corpo do Senhor para o sepultamento. Mais do que um cadáver, parecem lidar com uma semente, com a premonição de que ela haverá de brotar da terra úmida e escura. A exemplo do semeador, manifestam um carinho e uma ternura particulares ao depositar o corpo na tomba. Como se intuíssem que a semente acaba de morrer para, em seguida, despertar e explodir no esplendor de uma vida que não mais terá limites nem fim.

A intuição das mulheres vem da faísca produzida no alto da cruz. A violência mais cruel e brutal com um inocente confronta-se com o perdão do próprio crucificado sobre os algozes. O madeiro maldito da tortura se transforma em fonte de reconciliação. O amor gratuito toma o lugar do ódio cego e imotivado. O patíbolo se converte em altar de oferecimento integral. O mal e o bem, negativo e positivo, se cruzam e se opõem. Choque tão imprevisto e inesperado que faz acender uma luz: resplandece com fulgor a misericórdia infinita. O amor vence para sempre a vingança. Semelhante luz e tamanho brilho não podem ser enterrados, apenas semeados, para renascer com nova força.

Se, por uma parte, o silêncio da casa de Nazaré gesta, cultiva e oculta a palavra que haverá de narrar a Boa Nova do Evangelho, por outra, o silêncio do sábado santo produz a palavra que haverá de acalentar os corações para o grande evento da nova Páscoa. Em ambos os casos, o silêncio se faz palavra viva e vivificante. Semente que, silenciosamente cultivada na terra, produz uma nova árvores da vida, com suas raízes, troco, ramos, folhas, flores e frutos. Silêncio que é sinônimo de presença amorosa, capaz de vencer o mal, o pecado e a morte, para proclamar a vida “e vida em abundância” (Jo, 10,10).

*Alfredo J. Gonçalves, cs, é superior dos Carlistas, Roma, Itália.

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