As tantas Marias de nossos dias

O desafio que Nossa Senhora nos coloca é o de tirar os pesados mantos e coroas de nossos tratados de teologia para voltar ao meio o povo e enxergar as “Marias” de nosso tempo.

Por Gianfranco Graziolla*

Concluímos no mês de outubro o “Ano Mariano” que celebrou um evento histórico que aparentemente parecia estar limitado e preocupado com o crescimento dos devotos de Nossa Senhora. Pensando nos frutos concretos e no ato que há 300 anos fez com que os pescadores encontrassem no Rio Paraíba aquela pequena imagem, quebrada, negra, enlameada, até cheia do lodo que as águas depositaram sobre ela, surgem dentro de mim alguns questionamentos, alguns porquês e, sobretudo a convicção de que ela não fique muito à vontade com as coroas e os mantos com os quais a enfeitamos e por certos versos a tiramos do meio do povo.

Neste refletir, e tentar compreender Nossa Senhora no contexto da história, e particularmente no momento presente que estamos vivendo, a memória traz-nos de volta a obra de um pequeno grande homem chamado Antonio Bello, mais conhecido como “Don Tonino”, um simples sacerdote do sul da Itália, educador em seminário, pároco e enfim bispo de Molfetta, Ruvo, Giovinazzo e Terlizzi, que em 1995 nos doou um pequeno livro cujo titulo é: “Maria, mulher de nossos dias”, cujo conteúdo são 31 ícones da vida de Nossa Senhora. É deste rico material que gostaria de propor uma leitura da conturbada história de Maria começada naquele encontro com Deus que a deixa perturbada e que a faz sair às pressas ao encontro da prima Isabel, em quem também, Deus realizou maravilhas tirando-a da vergonhosa maldição da esterilidade.

No meio do povo

Mas depois dos três meses em que Maria ficou com a prima Isabel nas montanhas de Judá chegou a hora dela voltar para a planície de Nazaré, algo não simples porque isso era muito mais que a volta para casa, era assumir uma gravidez de mãe solteira, era necessário conversar com José para que ele pudesse tentar entender, era correr o risco da difamação, da condenação pública como pecadora, enfim tinha chegado o tempo de assumir e encarnar de fato Deus na simples e quase monótona realidade de um pequeno e insignificante povoado do interior da Galileia.

Trazendo essa mesma ansiedade, esta preocupação para os nossos dias, para o tempo presente, para as nossas pastorais, para nossas comunidades, movimentos, grupos, para nossa sociedade individua­lista, o desafio que Maria nos coloca é de tirar os pesados mantos e coroas de nossos tratados de teologia, de nossos shows litúrgicos e de nossos legalismos. Voltemo-nos para o meio do povo para enxergar as “Marias” de nosso tempo e nelas encontrar o Cristo que continua presente particularmente nos pobres, nos excluídos, nas encarceradas e encarcerados, nos descartáveis, produto do sistema econômico, e até do "marketing" religioso, mais preocupado com os números do mercado do que com o Evangelho.

Como síntese celebrativa dos que foram chamados de “300 anos de bênçãos”, como não pedir a Maria, Mãe da Igreja, de ajudar-nos a refrescar nossa memória e voltarmos à opção preferencial pelos pobres selada no “Pacto das Catacumbas”, em Medellín e Puebla. Talvez seja essa a maior bênção desse ano jubilar.

*Gianfranco Graziola, imc, é vice-coordenador nacional da Pastoral Carcerária.

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