A Espiritualidade Missionária

Nos últimos dois milênios, o amor pela missão tem levado um número elevado de missionários e missionárias às regiões fronteiriças pela evangelização.

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Por Ronaldo Lobo*
Foto: Arquivo IMC

A palavra ‘Missão’, em si, tem uma atração à parte. Ela aponta a um destino sem fim e desafia os fiéis escondendo a chamada transformação. Um chamado misturado de dramas, desafios, realidades humanas e conceitos eclesiásticos. Os missionários e as missionárias fizeram uma passagem às outras terras, outras culturas, outros povos, periferias sociais e geográficas do mundo. Cativaram tantos pela Boa Nova e foram cativados pelos corações humanos. Sacrificaram as suas vidas longe dos seus familiares, da sua amada pátria, em prol da missão! Hoje, nos parece, tal zelo não existe mais. Os tempos mudaram. Mais ainda, há tentativas recorrentes de minar a contribuição que a religião cristã é chamada a dar para o bem comum da sociedade.

Sagrada Escritura

A missão se encontra em muitos textos bíblicos, mais ainda, a Sagrada Escritura inteira é regada dos ditos e atos da missão divina. Escolhemos um ou outro texto para a nossa reflexão. Podemos nos limitar aos evangelhos e nos encontraremos na missão de Jesus (Mc 1, 14ss; Lc 4, 16-30), na missão dos seus discípulos (Mc 6, 6-13; Lc 9,1-6) e mais tarde, na missão da primeira comunidade (Mt 28,19; At 1,6-8; 13,1-3), muitos relatos da missão para refletir.
Documentos como o da V Conferência (Aparecida), Evangelii Gaudium, trazem as instruções importantes e atualizadas a respeito da missão. As Igrejas locais devem acolher com carinho especial o que disse o decreto Ad Gentes e colocá-lo em prática. A evangelização, tarefa primordial que incumbe a todos os cristãos, comporta a missão profética de testemunho das exigências da Palavra de Deus (Documento: Evangelização e missão profética da Igreja). Os bispos apontam aos novos desafios que hoje se colocam diante dessa tarefa - o pluralismo cultural e religioso, a exclusão social persistente no Brasil, as questões éticas decorrentes, corrupção endêmica, a pastoral urbana e um esvaziamento dos fiéis da Igreja.

Fundamentação

A missão tem sua fundamentação trinitária. Uma obra conjunta pela salvação da humanidade. O Concílio Vaticano II situou a Missão na sua verdadeira fonte: ela nasce em Deus, é dom de Deus Pai, realizada pelo Verbo Encarnado e conduzida pelo Espírito Santo. É um grande projeto de bondade e misericórdia de Deus. A nossa colaboração missionária consiste apenas em deixarmo-nos envolver por esse dom misericordioso de Deus. A missão é proclamar a Palavra com alegria. O documento Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho) aponta as novas metas para o anúncio de uma Boa Nova ao mundo atual. Para o papa Francisco a ‘Missão’ exige uma transformação de uma Igreja institucionalmente sedentária, prisioneira dos estilos ultrapassados, parada no tempo e enrijecida no decorrer de sua história. Ou seja, a Igreja deve preservar o que deve ser conservado e remover o que não presta mais. Ele propõe novas metas e mudanças radicais (EG 272) e propõe uma Igreja em saída!
A missão é profética. Os missionários e os cristãos têm a grande tarefa de anunciar o Evangelho e denunciar as múltiplas formas de exclusão social, a violência e desigualdade. Ou seja, aquilo que não condiz com os valores do Evangelho. Todo cristão carrega o compromisso de construção de uma sociedade de igualdade, justiça e paz. A missão existe a serviço do Reino e da libertação. É preciso respeitar a liberdade de Deus, já presente na liberdade das pessoas que procuram responder à sua maneira. Mais que destruir muros, o papel do missionário será aprender a ver por cima deles, como Deus vê.

Compromisso

A missão é levar a cabo as atividades pastorais da Igreja. A Igreja cumpre sua missão e se realiza como diz o documento Ad Gentes: “mediante a atividade pela qual, obedecendo ao mandamento de Cristo e movida pela graça e pela caridade do Espírito Santo, ela se torna atual e plenamente presente a todos os homens ou povos para os conduzir à fé, liberdade e paz de Cristo, não só pelo exemplo de vida e pela pregação, mas também, pelos sacramentos e pelos restantes meios da graça (AG 5)”. Somente através do diálogo inter-religioso e intercultural um missionário pode apalpar o outro, o desconhecido, onde a Igreja ainda não chegou, nem Cristo foi anunciado ou compreen­dido. A permanente dinâmica de dar e receber deve prevalecer. Somente quando você se aproxima, enxerga a beleza do outro, admira o diferente. Devemos ter a mesma reciprocidade com o mundo em que vivemos. O missionário deve facilitar e ajudar nesse diálogo.
A missão é participar no projeto do Reino de Deus. A missão da Igreja insere-se nesse projeto divino, que ultrapassa as fronteiras e atinge as dimensões do Reino, porque o Reino é maior que a Igreja. Deus chegou a todos os povos, as sementes do Reino estão presentes em todas as culturas e religiões. Antes do missionário ter chegado lá, a presença divina já esteve presente. A missão é cuidar da ecologia, a nossa casa comum. Com a encíclica Laudato si’ o tema da ecologia e a responsabilidade de um compromisso para o cuidado da casa comum entrou na agenda da Igreja. Hoje faz parte da missão de todos os cristãos! Um compromisso para erradicar a miséria e promover a igualdade de acesso para todos os recursos do planeta. O documento alerta para a ‘deterioração do mundo e da qualidade de vida de grande parte da humanidade’ que afeta, de modo especial, ‘os mais frágeis do planeta’.
Alguns anos atrás, numa das suas mensagens, o papa Bento XVI escreveu a seguinte frase: ‘que o Dia Mundial das Missões seja ocasião útil para compreender, sempre melhor, que o testemunho do amor, alma da Missão, diz respeito a todos. De fato, servir o Evangelho não deve ser considerado uma aventura solitária, mas um compromisso compartilhado de todas as comunidades. Ao lado dos que estão na linha de frente nas fronteiras da evangelização - e refiro-me aqui com gratidão aos missionários e às missionárias -, muitos outros, crianças, jovens e adultos, com sua oração e cooperação, contribuem, de várias formas, para a difusão do Reino de Deus na terra. Desejo que esta coparticipação, graças à colaboração de todos, aumente sempre.’ Em poucas palavras o papa traduz o mandato missionário recebido do Evangelho pelos Discípulos: ‘Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda criatura!’ (Mc 16,15) e traz à tona as reflexões fundamentais do documento Ad Gentes. Os membros da Igreja não são todos chamados a trabalhar em terras estrangeiras, mas todos têm uma parte a desempenhar na grande obra de comunicar a luz do Evangelho ao mundo.

*Ronaldo Lobo, SVD, é Superior dos Verbitas em Curitiba, PR.
(CC BY 3.0 BR)

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