Lágrimas que curam

Alfredo J. Gonçalves *

As lágrimas expressam em geral tristeza, dor e sofrimento. Mas nelas também se misturam, se escondem e se confundem ódio, arrependimento, raiva, inveja, ciúme, fracasso, impotência, sensação de solidão e abandono, desejo de vingança... O pranto, de uma forma ou de outra, remete a uma linguagem muda e cega: incongruente, imprevisível e sempre contraditória.

Somadas às contorções do rosto aflito, as lágrimas representam o lado visível de um coração atormentado, de uma alma amargurada, de uma vida mometaneamente devastada e reduzida a pedaços. Mais do que as palavras, evidenciam o grau de desalento, de mal-estar e de desespero a que pode chegar o ser humano. Diante delas, nasce espontânea a pergunta: como juntar os cacos para refazer a "estátua" sacudida pelo vento e pela tempestade?

O choro, entretanto, ademais de espelhar o tumulto íntimo e desconhecido de uma pessoa, possue a estranha capacidade de lavar, depurar, purificar os contrastes ocultos de que as lágrimas são o sinal aparente. Como se o sal que elas destilam fosse capaz de resgatar e preservar de toda corrupção a natureza original daqueles que são capazes de se entregarem a esse ritual do pranto. Disso resulta que toda lágrima, ao exprimir dor e esperar ansiosamente o remédio, revela um sacrário aberto. Respeito e reverência são as melhores formas de dialogar silenciosamente com essa linguagem, ao mesmo tempo tão expressiva e tão ignota.

Por isso é que, no percurso lento, tortuoso e labiríntico de uma conversão, dolorosas lágrimas costumam preceder o retorno e a reconciliação. Os relatos evangélicos apresentam Pedro e Maria Madalena como exemplos clássicos dessa metamorfose. No turbilhão das emoções e sentimentos contrastantes, primeiro as lágrimas revelam a consciência do arrependimento. Depois, limpam o campo para o reencontro: consigo mesmo, com a vida, com o outro ou com o totalmente Outro. Por fim, abre-se o espaço e o horizobnte para o sorriso, a alegria, o júbilo e a paz. Com razão diz o escritor português Saramago que "o riso e a lágrima moram próximos um da outra".

O olhar de Jesus pousa docemente, resolutamente sobre Pedro. Este, depois da terceira negação, acaba de ouvir o canto do galo, e lembra as palavras do Mestre. Então rompe-se-lhe um pranto fundo, doído e copioso: "Chorou amargamente"!. Lágrimas igualmente amargas mostram a desolação de Maria Madalena, ao ver que o corpo do Senhor fora retirado do túmulo. "Maria" - diz Jesus! Imediatamente, nessa única palavra, com uma supresa inusitada, ela reconhece o próprio nome nos lábios e na tonalidade do Nazareno, aquele que tanto ama e que jamais deixara de amar e seguir.

Desencadeia-se em ambos os casos o processo de conversão. Antes de tudo, o olhar, a palavra e o encontro com o Senhor despertam surpresa e arrependimento. Logo em seguida, o terreno lavado e regado pelas lágrimas, encontra-se preparado para a semente da fé e da esperança. Por último, o perdão e a cura, a confiança e a misericórdia trazem o retorno ao estado de alívio e paz, serenidade e eterna alegria. Resta, porém, a advertência que vem de outro relato, o da mulher descoberta em adultério: "Ninguém te condenou? Eu também não te condeno. Vai e não peques mais" (Jo 8,11).

* Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro Geral e Vigário dos Missionários de São Carlos.

Fonte: Revista Missões

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