Mulheres quilombolas do ES denunciam sofrer racismo ambiental

FASE Espírito Santo

Mulheres quilombolas dos municípios capixabas de São Mateus, Conceição da Barra, Ibiraçu, Santa Leopoldina, Guarapari, Itapemirim, Cachoeiro de Itapemirim e Presidente Kennedy participaram do 1º Encontro Estadual de Grupos Comunitários de Mulheres Quilombolas, que faz parte do projeto conveniado entre o programa da FASE no Espírito Santo e a Secretaria Especial de Promoção de Política de Igualdade Racial (Seppir). O evento ocorreu nos dias 11 e 12 de dezembro em São Mateus. Mística, música clássica, intervenção artística e cinema fizeram parte da pauta.

Compareceram mais 80 mulheres de várias idades, que fizeram do encontro um espaço de proposta e cobrança pela aplicação das políticas públicas direcionadas às comunidades quilombolas especificamente para as mulheres. A carta política do encontro, assinada pela Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do ES Zacimba Gaba e Comissão Estadual das Mulheres Quilombolas do ES , denuncia a realidade das mulheres nos territórios tradicionais no estado. "Nestes dias confirmamos que as mulheres e as comunidades quilombolas como um todo continuam sendo invisibilizadas e sofrendo diversas formas de discriminação como a institucional e o racismo ambiental. As injustiças que recaem sobre as nossas vidas, comprometem o futuro das nossas próximas gerações", pontua o texto, que foi protocolado no Ministério Público Federal (MPF).

Temas e propostas

As atividades do encontro debateram os seguintes temas: Território, Produção, Comercialização e Segurança Alimentar, Organicidade dos Grupos Comunitários, Estratégia e Direitos das Mulheres Quilombola, Saúde da Mulher Quilombola, Cultura, e Educação Quilombola. Sobre a geração de emprego e renda para autonomia das quilombolas, um dos desafios apontados foi o registro legal da produção de alimentos realizada pelas mulheres . Isso as auxiliaria nas vendas, bem como na inclusão no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Além disso, ajudaria na comprovação do tempo de trabalho para a aposentadoria. As mulheres quilombolas também reivindicam um ensino coerente com a realidade dos (as) quilombolas e que as diretrizes da educação quilombola sejam aplicadas na prática, assim como a Lei 10639 de 2003, que torna obrigatório nos currículos escolares o ensino da história da África. Elas alertaram ainda sobre o enfrentamento à violência doméstica sofrida pelas mulheres quilombolas. Para quebrar o silêncio, foi incentivada a denúncia via Ligue 180, a Central de Atendimento à Mulher. Outro ponto destacado foi a necessidade em se fazer funcionar a Política Nacional de Saúde da População Negra. Elas pontuaram, por exemplo, que é urgente o estudo de casos da doença e anemia falciforme, miomas, câncer de colo de útero e mamas entre as mulheres de comunidades quilombolas.

Racismo Ambiental

Entre diversos pontos, a Carta Política do evento destaca que grandes empreendimentos poluidores colocam em risco os territórios das comunidades quilombolas, o que provoca o racismo ambiental, ou seja, injustiças sociais e ambientais que recaem sobre grupos étnicos historicamente vulnerabilizados.

"A força do grande capital ameaça cada vez mais nossa permanência em nossas terras e assim como outros territórios tradicionais somos tidos como as últimas fronteiras para a expansão destes grandes projetos como o agronegócio dos monocultivos de eucalipto, cana, mineradoras e petroleiras. A PEC 215 é um exemplo de como o Estado vem se mostrando muito mais comprometido com estes projetos do que com os povos e comunidades tradicionais", afirma o texto. *

*Colaboraram nesse texto Selma Dealdina, da Comissão Estadual de Mulheres Quilombolas do ES, e Fabíola Melca, consultora da FASE no ES.

Leia Carta Política completa abaixo:

CARTA POLÍTICA DO I ENCONTRO ESTADUAL DE GRUPOS COMUNITÁRIOS DE MULHERES QUILOMBOLAS

Nós mulheres quilombolas do ES de várias gerações, dos municípios de Presidente Kennedy, Itapemirim, Cachoeiro do Itapemirim, Ibiraçu, Santa Leopoldina, Guarapari, São Mateus e Conceição da Barra, representantes da CONAQ de MG e PI, companheiros homens e de organizações de apoio, nos reunimos em São Mateus nos dias 11 e 12 de dezembro de 2014 no I Encontro Estadual de grupos comunitários de mulheres quilombolas.

Somos agricultoras, pescadoras, feirantes, rezadeiras, benzedeiras, jongueiras, artistas, professoras, agentes de saúde, vereadoras, ativistas, mães, cuidadoras.... que temos os nossos saberes, experiências e direitos violados e desrespeitados pelo machismo representado sobretudo pelas grandes empresas e também pelo Estado.

Nestes dias confirmamos que as mulheres e as comunidades quilombolas como um todo continuam sendo invisibilizadas e sofrendo diversas formas de discriminação como a institucional e o racismo ambiental. As injustiças que recaem sobre as nossas vidas, comprometem o futuro das nossas próximas gerações.

Nenhuma das 100 comunidades quilombolas identificadas no ES, 68 reconhecidas e 38 certificadas, foi ainda titulada. A força do grande capital ameaça cada vez mais nossa permanência em nossas terras e assim como outros territórios tradicionais somos tidos como as últimas fronteiras para a expansão destes grandes projetos como o agronegócio dos monocultivos de eucalipto, cana, mineradoras e petroleiras. A PEC 215 é um exemplo de como o Estado vem se mostrando muito mais comprometido com estes projetos do que com os povos e comunidades tradicionais.

Repudiamos também as diversas ameaças às conquistas do movimento quilombola, como é o caso da ADIN ao Decreto 4.887-03 que está sendo julgado neste momento pelo STF.

Nossos projetos, sonhos e tradições não são considerados e reconhecidos pelo poder público, empresas ou organizações. Muitos dos projetos que chegam as comunidades são construídos para as comunidades quilombolas, sem elas.

Sabemos que não podemos ficar esperando pelo Estado para ter nossos projetos implantados. Reafirmamos a importância da mobilização, da organização comunitária, do trabalho de base pela Coordenação Estadual e da ocupação nos espaços de controle social como os Conselhos estaduais e municipais.

As retomadas dos territórios pelos quilombolas são exemplo de iniciativas de extrema importância para a permanência do nosso povo na região e da transmissão da nossa cultura tradicional.

Exigimos:

A demarcação e titulação dos territórios quilombolas;

Mecanismos de acesso às informações sobre os direitos quilombolas;

Fiscalização dos serviços básicos para as comunidades quilombolas Garantia de vagas para os quilombolas nos Conselhos municipais e estadual Criação e difusão de editais específicos para a cultura quilombola Implementação do Plano Nacional da Saúde da População Negra;

Estudo e identificação nas comunidades de casos da doença e anemia falciforme, miomas, câncer de colo de útero e mamas;

Construção de postos de saúde nas comunidades;

Capacitação específica para os professores quilombolas e para os que trabalham com alunos quilombola;

Construção, ampliação das escolas quilombolas abrangendo da educação infantil ao ensino médio;

Implementação das Diretrizes da Educação Escolar Quilombola nas escolas das comunidades e nas escolas que recebem estudantes quilombolas;

Editais preferencialmente para atender professores das comunidades quilombolas;

Espaços de cultura e lazer nas comunidades quilombolas, como parquinhos, quadras, campo de futebol e telecentros;

A produção quilombola disponibilizada para a alimentação escolar nas comunidades Transporte para comercialização e escoamento da produção quilombola.

Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do ES Zacimba Gaba

Comissão Estadual das Mulheres Quilombolas do ES

Fonte: www.cptnacional.org.br

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