Pan-Amazônia e a experiência missionária eclesial

Osnilda Lima

O historiador, padre Raimundo Possidônio, faz um resgate da memória histórica da Igreja na Amazônia ao apresentar as grandes expressões da caminhada da Igreja na Amazônia brasileira durante o encontro da Rede Eclesial Pan-Amazônica em Brasília (DF) de 9 a 12 de setembro de 2014.

Segundo Possidônio, a Igreja que está na Amazônia tem um rosto próprio constituído a partir de uma história singular e de uma expressiva caminhada de evangelização. Possui uma rica experiência de ações pastorais que buscam responder aos desafios que a realidade amazônica apresenta e são expressão da solidariedade evangélica com a sócio-diversidade e que revelam a preocupação com a bio-diversidade e sua degradação. É a realidade de uma "Igreja que se faz carne e arma sua tem da na Amazônia".

Memória

De acordo com o historiador, no primeiro momento da evangelização, período da colonização denominado de "conquista espiritual da Amazônia", religiosos, padres, bispos e leigos, de acordo com a mentalidade e segundo os métodos da época deram tudo de si para concretizar o Reino de Deus, entre luzes e sombras da caminhada. O resultado do encontro do evangelho com as cosmovisões amazônicas e africanas engendrou uma religiosidade original e diversificada.

Num segundo momento, Séculos XIX e XX, Possidônio, define como período da "romanização". O pesquisador descreve que nessa fase vieram outros grupos de missionários. Desta vez chegaram na Amazônia religiosos e religiosas com outras impostações culturais e eclesiológicas, provocando também mudanças na formação do clero local.

Ele narra que com espírito missionário e com muito sacrifício penetraram os espaços amazônicos objetivando a evangelização. Foi o momento em que a Igreja redimensionou sua presença, com a criação de dioceses e prelazias tornando essa presença mais abrangente, efetivando e consolidando um modo de evangelizar próprio do tempo.

"Mais próximo do nosso tempo, podemos falar ainda de um terceiro ciclo evangelizador, a partir da década de 1950/60, assumindo as mudanças eclesiológicas que clamavam por uma abertura e à participação de leigos e leigas na Igreja através da Ação Católica e outros movimentos, a renovação provocada pelo Concílio Vaticano II, pelas Assembleias continentais de Medellín e mais tarde Puebla, motivaram mudanças significativas no ambiente eclesiológico", lembra Possidôni

O historiador lembra que a Igreja amazônica avançou e realizou uma evangelização libertadora. Plenificou sua presença chão amazônico, quando em Manaus (1997), se declarou como a Igreja que arma sua tenda na Amazônia, ensejando assumir-se uma Igreja com rosto amazônico. E comprometeu-se a tornar-se ianomâmi com os ianomâmi, seringueiros com os seringueiros. Mais recentemente, a Igreja se declarou discípula missionária na Amazônia (2007).

Contexto atual dos povos da Amazônia

Raimundo Possidônio lembra que realidade atual socioeconômica e política impressiona pela agregação de diferenças sociais, culturais e econômicas na região Amazônica. "Na vastidão da Amazônia vivem povos indígenas, habitantes ancestrais com sua cosmovisão própria, diversidade de línguas e de culturas milenares, alguns vivendo em suas terras e outros tantos vivendo nas cidades, sofrendo as agruras de um meia cidadania sem chances de viver a dignidade plena.

Outro segmento significativo são os ribeirinhos, os povos das águas, que sobrevivem do extrativismo, da agricultura familiar, da caça e da pesca: são os habitantes da várzea amazônica, da beira dos rios, furos e igarapés", contextualiza, o historiador". No entanto, lembra ainda, que há os que vivem em outro ecossistema amazônico, a terra firme, composto de florestas altas e densas, as savanas, os cerrados e os campos naturais, que vivem e sobrevivem do extrativismo e da agricultura de subsistência.

Destaca também o fenômeno da urbanização, rápido e violento. "Costumo dizer que nosso povo é um povo que caminha peregrino nas estradas de um mundo desigual. É um povo que se move rio abaixo rio acima à procura de vida melhor", descreve. E conclui que o grande resultado desses "êxodos em busca da terra prometida" ou da "terra-sem-males" é o crescimento do fenômeno da urbanização na região.

A Igreja que está na Amazônia

"A Igreja tem sido a expressão de uma caminhada que responde ao kayrós divino que impulsiona o povo de Deus em vista de implantar o seu Reinado nessas bio-sócio-diversidades. A realidade amazônica, uma região que se move, em muitos lugares ainda ao ‘ritmo da canoa', exige que a Igreja caminhe junto com seu povo, com o seu ritmo", conclama Possidônio.

O historiador ressalta a presença de leigos e leigas, padres, bispos, diáconos, religiosas e religiosas que assumiram a mística do verdadeiro Discípulo Missionário do Senhor, enfrentam o sol e o calor, as chuvas e as enchentes, doenças e a morte, a precariedade da alimentação e dos meios, estradas sem condições de trafegabilidade e de barco, de carro, canoa, bicicleta, moto ou a pé, percorrem longas distâncias para se chegar a uma pequena comunidade onde pessoas sedentas de Deus estão à espera, para a celebração dos Sacramentos ou da Palavra. "Estes quadros da Igreja não parecem suficientes para a grandiosidade dos desafios. Mas não se pode deixar de relatar que estão dando conta das exigências que a evangelização e o programa pastoral exigem, apesar das dificuldades e limites", adverte.

Esperança que impulsiona

"Não podemos perder de vista que a Igreja na Amazônia está inserida num contexto eclesiológico mais amplo que é a Igreja no continente americano e caribenho. Por isso, ao concluir essa reflexão, não poderia deixar de destacar que a vivência eclesial em nossa região encontra-se em plena correspondência ao tema da V Conferência Episcopal Continental realizada em Aparecida, e que gerou o Documento de Aparecida", recorda Possidônio.

Possidônio sugere que a vida das paróquias precisa girar não só em torno do eixo doutrinal-sacramental-clerical, mas, igualmente, do eixo da Palavra, formando mais intensamente discípulos missionários, em grande quantidade, para essa nova configuração e, sobretudo, apoiar e criar novas comunidades eclesiais de base com missionárias que, se sentirem apoiadas e alimentadas, serão a esperança de mudanças e transformações profundas na eclesialidade amazônica, pois correspondem melhor ao apelo da missionariedade.

"Aqui se encontra, a meu ver, a grande intuição da V Conferência de Aparecida, envolver toda a Igreja numa grande missão continental, missão essa que pode e deve ser articulada, integrada, compartilhada".

O Encontro Rede Eclesial Pan-Amazônia se encerra nesta sexta, Às 15h.

Fonte: www.crbnacional.org.br

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