Tensões entre russos e ucranianos se refletem nas confissões religiosas

Vladimir Rozanskij

Já estão na praça as violências entre fiéis e entre padres de diferentes igrejas, uns do lado da Rússia e outros do lado Ucrânia. Os católicos ortodoxos são acusados pela Rússia de promover a autonomia da Ucrânia.

Um dos aspetos mais surpreendentes que revelam o ódio incompreensível no conflito na Ucrânia, e que se arrasta há meses, é a crescente intolerância religiosa crescente entre duas partes, sobretudo nas últimas semanas, com graves cenas de violência e de intimidação, praticadas por fiéis e até por ministros de culto do mesmo nível. O presidente metropolitano de Kiev, o bispo Onufrij (Berezovskij), manifestou a sua indignação nestes dias por causa das ações graves, praticadas por militares do governo ucraniano de Donbass, na província de Donesk e em outras zonas onde os enfrentamentos estão mais acesos no país. E por outro lado, Onufrij, que preside a igreja ucraniana fiel a Moscovo, substituto do metropolitano Vladimir (Sobodan), procurou desde o começo dos levantamentos, evitar que as partes religiosas se opusessem e se transformassem em instrumentos de guerra política. As advertências dele hoje mostram o fracasso do entendimento entre os hierarcas religiosos que se sentem impulsionados a se envolver nessa luta. A hierarquia da igreja ortodoxa católica também começou a erguer a voz em defesa dos próprios direitos que estão sendo violados.

As diferenças religiosas

Na verdade, considerando a particular fragmentação do contexto religioso ucraniano, o silêncio e não intromissão das igrejas na fase mais aguda do conflito, parecia ser uma espécie de milagre. O esforço de manter o equilíbrio e o respeito recíproco, mesmo com as dificuldades em respeitar as diferenças religiosas, parecia que cada um conseguiria ficar num posicionamento tranquilo, tanto os fiéis como o clero. Mas não aconteceu.
Na Ucrânia a identidade religiosa de cada grupo é tradicionalmente consistente; os habitantes não se distinguem, de fato, pela origem étnica, que é o modelo do povo da "Grande Rússia" (Moscovo, Kiev, Minsk) , nem pela língua falada, embora com pequenas influências de línguas vizinhas como o polonês, dialetos turcos etc.
As motivações linguísticas que foram usadas partidariamente em favor ou contra os russos em várias situações, escondiam aquela verdade que estava embutida nos fatos que provocavam de verdade as divisões: a diversidade religiosa. Na Ucrânia existem os ortodoxos filorrussos e ortodoxos nacionalistas e entre católicos uns são "unionitas" e outros latinos. O conflito religioso sempre teve esse rosto de uma espécie de guerra religiosa dentro da mesma denominação. Em geral, o povo é refratário para com outras religiões evangélicas; os judeus que no século passado constituíam uma comunidade bastante consistente, foram se retirando para o Estado de Israel depois da segunda guerra mundial. O chamado antissemitismo hoje não traz complicações neste contexto de conflitos.

A evolução das coisas depois da intervenção russa

Os acontecimentos destes dias nos lembram com rapidez o que aconteceu há cerca de vinte anos, quando caiu o muro de Berlim e provocou o "acerto de contas" entre cristãos: a igreja ortodoxa se fragmentou em vários pedaços, os grego-católicos saíram da clandestinidade, algumas vezes usando a força; as igrejas confiscadas por Stalin, incluindo os católicos "unionistas" e os latinos viveram momentos de grande tensão. Paróquias e as igrejas que sobraram do tempo dos soviéticos e outras que foram construídas ultimamente estão atravessando contestações permanentes, segundo a interpretação de padres e as orientações dadas aos seus fiéis que muitas vezes convivem na família com membros de outras igrejas. A propaganda que se faz a favor de uns ou de outros contrasta com os posicionamentos espirituais de cada um. Há casos em que as armas se metem nesse âmbito.

As pretensões de Moscovo

Acima de todas as motivações ideológicas, históricas e teológicas estão as pretensões do patriarcado de Moscovo que, desde a quebra do império soviético, defende a teoria "da integridade do território canônico" , isto é, a jurisdição de Moscovo sobre todos os fiéis ortodoxos que fazem parte dos países que pertenciam à Rússia, entre eles a atual Ucrânia, a mais importante delas. Na verdade essa questão já se arrasta há séculos, desde que a igreja de Moscovo se proclamou autocéfala no século XVI, exatamente quando muitas dioceses se autoproclamaram em comunhão com Roma. As duas interpretações do cristianismo, a russa e a ucraniana, ambas centralizadoras, deram origem a permanentes conflitos , sem solução definitiva e hoje mais agravados pela questão da autonomia nacional que é resultado da opressão religiosa imperialista, vivida no tempo do comunismo.
De fato, a Rússia se posicionou desde o início contra os católicos acusando-os de terem sido eles a fomentar a revolta de Majdan e usando a denominação de "danderovtsy" , seguidores de Stepan Bandera, aquele político que fez o jogo duplo entre os soviéticos e os nazistas, que por sinal era um católico. Por sua vez o Vaticano é acusado de não ser capaz de controlar os "unionitas" e tem dificuldade em tomar uma posição clara de tipo ecumênico ou simplesmente confessional.

Mesmo que seja resolvida a questão geográfica e política, permanecerá ainda a questão de pertença religiosa com a denominação de "território canônico" pertencente ao mundo russo conforme o próprio Putin afirma: esta seria a última guerra religiosa dos cristãos europeus , antes de desaparecerem por completo do "velho mundo" e cederem o lugar ao indiferentismo cínico dos ocidentais, pessoas que já perderam suas raízes. Nos territórios russos ainda combatemos pela defesa do Evangelho com aqueles que devem defendê-lo no mundo inteiro ( e não apenas na Ucrânia).

 

Fonte: Asia News

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