Cardeal Kasper: os avanços do papa Francisco no ecumenismo

Walter Kasper

O cardeal Walter Kasper, presidente emérito da Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, escreveu o prefácio do novo livro, intitulado " Um só Coração. Papa Francisco e a Unidade da Igreja", publicado na Itália pelas Edições Terrasanta. Os enfoques mais interessantes, apresentados por Kasper nesse prefácio são os seguintes:

O Francisco é um papa do encontro e um promotor ecumênico do encontro. Faz parte do carisma e do mistério da "luminosidade" pessoal dele a capacidade de acolher, com estilo muito humano, cordial e fraterno, qualquer pessoa com quem se encontra, seja ela católica, ortodoxa, evangélica ou de outra religião ou mesmo sem religião.Sinal evidente disso é o seu simpático bom humor sempre presente.

Este modo de relacionamento pessoal é marca de um carisma profundamente cristão. Nas primeiras comunidades cristãs era comum chamar-se de "amigos". Mais tarde, quando começaram os desentendimentos internos, conforme percebemos no Novo Testamento, começaram os cismas, que incluíam exclusões e a indiferença de um grupo para outro. Esse processo se prolongou na história e deixou uma marca triste na igreja. O estudo da história pode ajudar a entender melhor as múltiplas causas que criaram separações e obscureceram o Evangelho. O Concílio Vaticano II reconheceu explicitamente que existem algumas diferenças doutrinais que ao longo do tempo se tornaram buracos aparentemente sem solução; algumas se formaram em contextos muito específicos e desfiguraram a caridade fraterna impedindo a compreensão de ideias diferentes e de situações divergentes.

Foi neste processo que brotaram feridas profundas. É possível iniciar uma etapa de cura e levá-la adiante sem reducionismos nem minimização do valor outro considerando-o apenas como simples portador de outras doutrinas. É necessário olhar o outro como irmão e irmã procurando dar novo rosto a encontros fraternos em espírito de comunhão que se pode bem traduzir pelo significado etimológico de "simpatia". Este modelo de encontro sob o ponto de vista humano e cristão é o "Alfa e o Omega" do ecumenismo e de outra qualquer forma de diálogo.

Além do mais, Francisco é um papa promotor de um tipo de ecumenismo que pensa e atua, em primeiro lugar, não partindo de categorias de espaço, mas do tempo e dos processos de desenvolvimento. Na Evangeliii gaudium, o papa afirma explicitamente o primado do tempo e do espaço. Ele sabe que não se podem esperar soluções a partir de pontos zerados, sobretudo quando se trata de dificuldades que se arrastam desde séculos. É necessário um respiro muito profundo, uma perspectiva mais ampla. É necessário abordar os processo históricos e ter uma confiança carregada de paciência nos passos a serem dados para que se tornem expressões de vida. Devem ser atitudes aprendidas de Deus atuando na história da salvação quando ele não desiste de acolher seu povo infiel com toda a paciência, mesmo quando o caminho estava configurado como um voltar atrás; uma grande paciência que ele deve ter com sua igreja , sabendo que é guiada pelo Espírito Santo.

Como esperto pedagogo, o papa Francesco - podemos dizer - não sobe no pedestal de comando para indicar a estrada para os outros: ele mostra que quer caminhar junto com os outros, com membro do povo de Deus, acompanhando-o e, se for necessário, ir à frente com coragem. O percurso poderá ser muito longo. Vai exigir ter muita paciência perante as dificuldades enfrentando uma mentalidade do querer que tudo deva acontecer rapidamente. A história do ecumenismo não se apresenta como uma forma de amarração de lados positivos e negativos: também há períodos de deserto sem nenhuma via pela frente. Francisco se apresenta como o papa da paz. Um promotor ecumênico da paz. Para ele o caminho ecumênico de convergência entre os cristãos assim como a amizade com o povo judeu e a colaboração com outras religiões vai construindo a paz e a unidade em favor da inteira família humana. O Concílio já tinha abordado o caminho espiritual do ecumenismo. A isto o papa Francisco acrescentou um aspeto importante que já tinha sido levantado pelo papa João XXIII no seu discurso "Gaudet Mater Ecclesia". Foi quando o papa disse que os erros não devem ser objeto de combate com armas de poder, mas curados com o remédio da misericórdia.

Isto vale, em primeiro lugar, para o ecumenismo inter cristão com os irmãos e irmãs da igrejas orientais e ortodoxas, por um lado, e por outro com os irmãos e irmãs que fazem parte das comunidades da Reforma e de outras igrejas mais recentes. E o mesmo processo com as outras religiões. O diálogo com o povo da Antiga Aliança tem características particulares: no fim de uma história longa, difícil e complexa, finalmente encontramos o caminho da amizade que alcançará sua plenitude somente no fim dos tempos. Ao islã nos une e ao mesmo tempo nos separa a fé no Deus único e a descendência de Abraão.Este fundamento comum pode ajudar numa colaboração respeitosa e no compromisso pela paz e pela justiça. 

O diálogo com as religiões e culturas asiáticas é um tema que será levantado a partir da primeira viagem do papa à Ásia. Segundo muitos pareceres, inclusive do papa João Paulo II, a Ásia apresentará o desfio para a evangelização do século XXI. A globalização levantou simplesmente as grandes diferenças culturais e espirituais , mas nessas culturas o cristianismo ainda é visto como algo de estranho com marca ocidental, o que poderia dar origem a conflitos de civilização e entre povos. A ponte com o oriente não pode estar apenas baseada no mercado; deve acontecer também no nível da mística asiática. Não se trata de uma apressada assimilação a partir de" pedaços de compensação" das religiões locais , mas de um encontro profundo de compenetração e de transformação.

A Ásia pode ajudar os cristãos na valorização do mais rico patrimônio místico, mergulhando nos abismos do Espírito. A partir deste ponto se abre um enorme campo de ação por outra via que nos projetará num nível profético de ver Deus "tudo em todos". Neste prisma escatológico, podemos ver um novo percurso; enfim é esse o sentido original da palavra "oikumene " referindo-se ao inteiro globo lugar de muitas culturas e de povos diferentes. Este papa que veio do "fim do mundo" graças aos empáticos encontros com todas as pessoas e à amplitude de sua pastoral, movida por um espírito de paz, de misericórdia, poderá trazer um grande contributo para todos.

 

Fonte: Jornal Avvenire

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