Palestinos usam "Muro da Vergonha" como telão para ver jogos da Copa

Filipe Amorim

Restaurante na cidade de Belém projeta partidas do Mundial de futebol na barreira que simboliza a segregação na Cisjordânia e o conflito israelo-palestino.

Do alto de seus oito metros de comprimento, o muro simboliza a segregação. Ao separar os palestinos da cidade sagrada de Belém do resto da Cisjordânia, tornou-se um dos emblemas da ocupação israelense dos territórios árabes.

Além de servir de tela para artistas como Banksy expressarem sua indignação e ativistas rabiscarem suas palavras de ordem, a população palestina encontrou outra maneira de se apropriar dessa barreira imposta por Israel há mais de dez anos: projetar nela as partidas da Copa do Mundo, evento esportivo que congrega 32 nações diferentes e cujo slogan oficial - "juntos num só ritmo" - é mais uma provocação à construção do paredão.

"É algo como uma resistência civil. Eles podem colocar esse muro, mas não podem nos impedir de fazer isso", relata o advogado palestino Ihab Jaser, 33, ao veículo local The Jewish Journal, enquanto assistia ao empate entre Alemanha e Gana. "É um lugar bonito, é ao ar livre e tem algum significado", completa Hasboun, o dono do restaurante.
A transmissão ao vivo dos duelos futebolísticos já se tornou uma tradição, começou em 2010 no Mundial da África do Sul e virou ponto de encontro para grupos de jovens palestinos - e também alguns turistas de passagem por Belém - vibrarem com os grandes craques do futebol. De lá para cá, uma mudança. Para atender à demanda, Hasboun investiu em uma tela maior e agora são quase 20 metros quadrados emprestados pelo muro à nobre causa.

A "reforma", entretanto, desagradou parte da clientela. Isto porque, para bancar o upgrade, Hasboun teve que cobrir com tinta branca a pintura de um camelo gigante feita pelo artista de rua espanhol Sam3. Questionado sobre por que não pintou a tela alguns metros para o lado, Hasboun tem uma defesa técnica: "O equipamento de projeção já estava instalado ali".

Baixa audiência

Embora a Copa no Brasil esteja presenteando o público com bons jogos e muitos gols - para a alegria dos donos de bares, que torcem por mesas cheias e copos esvaziados - a frequência no "The Wall Steak House" tem sido abaixo da esperada. Desde o sequestro dos adolescentes israelenses, há duas semanas, a Cisjordânia virou palco de uma força-tarefa do Exército vizinho. Durante a caçada pelos autores do rapto, cinco palestinos já foram mortos e centenas detidos, enquanto cidades foram sitiadas pelas forças israelenses, controlando a entrada e saída de moradores e conduzindo buscas indiscriminadamente na casa das pessoas.

O dono do restaurante disse que pelo menos dois grupos de clientes, habitués da casa e fãs de futebol, decidiram não comparecer à transmissão da peleja com medo de serem parados na rua, enquadrados e revistados por militares israelenses.

"Se eles continuarem a entrar todas as noites em nossas casas, pode haver outra intifada", comenta Jaser ao The Jewish Journal, referindo-se aos movimentos palestinos de resistência contra a ocupação israelense. Foi, inclusive, após o último desses levantes, a 2ª Intifada, que teve início em 2000, que Israel se pôs a erguer o muro, considerado uma "cerca de segurança" para proteger seus cidadãos dos ataques palestinos.

Símbolo da divisão e do acirramento do conflito israelo-palestino, o "Muro da Vergonha", como também é conhecida a barreira, recebeu recentemente outra entidade "supranacional". Além de servir de suporte para a transmissão dos jogos da Copa, suas paredes também encararam a paradigmática visita do papa Francisco. Distante apenas algumas quadras da fachada do restaurante-sede das projeções, o líder da Igreja Católica saltou do papa-móvel e encostou na parede para rezar e pedir por paz no Oriente Médio.

Fonte: Opera Mundi

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