Índios Kaingang acampam em Brasília

Egon Heck *

A lua linda ilumina os passos dos guerreiros rumo à Esplanada dos Ministérios. Quando o sol timidamente desponta por detrás do poder, os Kaingang já estão construindo seu espaço de reivindicação e enfrentamento para os próximos dias. Eles vêm do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde ultimamente foram proferidos os discursos mais racistas e anti-indígenas e os processos de regularização das terras/territórios indígenas estão totalmente paralisados.

Eles chegaram de 21 terras e acampamentos indígenas. "Temos pressa. Chega de papo furado. Vamos ficar aqui acampados até o Ministro da Justiça dar andamento aos processos das terras, paralisados há mais de dois anos. Guerra é guerra se é só isso que entendem..." afirmou uma das lideranças.

História de luta e resistência
Os Kaingang e Guarani do sul do país têm enfrentado situações terríveis de violência, invasão de seus territórios sofrendo discriminação e atitude racista por parte do modelo político e econômico de ocupação da região.

Chamados de caboclos ou bugres, nunca foram aceitos como cidadãos desse país, muito menos enquanto povos diferenciados com seus direitos étnicos e culturais reconhecidos e respeitados. Seus territórios foram sendo invadidos e tomados pelas frentes de expansão agropecuária e as populações indígenas confinadas em pequenas áreas.

Em 1978 a situação estava dramática. Todas as terras indígenas do sul do país estavam invadidas, algumas transformadas em áreas de preservação e outras destinadas aos latifundiários ou projetos de colonização. A terra indígena Nonoai estava ocupada por mais de 10 mil não-indígenas, todos incitados por políticos a ocuparem as terras dos índios que o governo as legalizaria para eles. Diante disso os Kaingang exclamavam "Ou morremos pelas invasões ou recuperaremos nossas terras. E partiram para a luta. Uma verdadeira guerra de expulsão dos invasores. Numa mesma noite queimaram as cinco escolas de vilas de colonos dentro da área. Estrategicamente colocaram todos os invasores para fora sem apelo à força ou armas, a não ser as armas da cultura e a coragem guerreira.

"É nós mesmos que resolvemos. Agora teremos que resolver novamente a recuperação e demarcação de nossas terras. Hoje existem dezenas de acampamentos Kaingang e Guarani, sem que o governo federal dê qualquer sinal de regularização dessas terras. "Não aceitaremos essas vergonhosas e enganosas mesas de negociação". Direito não se negocia! Exigem a imediata retomada da regularização - identificação, portaria declaratória, demarcação e homologação dos processos paralisados, nas mesas e gavetas do ministro, FUNAI ou presidente da república.

Índios e colonos na mesma luta
Uma realidade promissora neste acampamento é a presença de agricultores que estão unidos aos índios para exigir solução da questão da terra, devolvendo a terra aos índios, indenizando e reassentando os pequenos agricultores.

Aliás, essa tem sido a bandeira do movimento indígena e de seus aliados, especialmente o Cimi, cobrando sempre uma ação efetiva do Estado brasileiro no sentido de reconhecer os direitos originários dos índios e os direitos dos pequenos agricultores a terra para plantar e viver. Foi desse processo de Nonoai que nasceu o MST.
A agenda do acampamento vai sendo construída na medida em que forem se desenrolando as atividades junto aos diversos Ministérios, Congresso, iniciando com audiência solicitada com o Ministro da Justiça do qual exigem respostas imediatas, expressas em documento que será entregue a ele.

Homenagem à guerreira Ana Fortes Fendô
Há duas semanas, faleceu uma das baluartes guerreira, com mais de cem anos de idade, lutadora pela terra, razão pela qual esteve várias vezes em Brasília. Os Kaingang deste acampamento fazem desse momento de luta sua homenagem a todos os lutadores que possibilitaram a resistência e luta até agora.

* Egon Heck, Secretariado do Cimi

Fonte: Egon Heck / Revista Missões

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