Muçulmanos na Europa

Joaquim Gonçalves *

Os movimentos muçulmanos mais radicais ainda olham para o ocidente com rejeição e colocam os europeus no horizonte de grandes inimigos. Mas a Europa pode se tornar, mais uma vez, um berço de uma nova cultura como aconteceu no fim do Império Romano. Segundo as últimas estatísticas, na Europa vivem atualmente cerca de 58 milhões de muçulmanos, dos quais 16 milhões na Europa ocidental. Na França são cerca de 4,5 milhões, na Alemanha 3,5 milhões, a Inglaterra ultrapassa os 3 milhões. Segundo as previsões de crescimento na Europa, o número de muçulmanos, nos próximos 20 anos, deverá duplicar em alguns países, ultrapassando os 10% das pessoas, sobretudo na França e na Bélgica.

Na Alemanha, cerca de 70% dos muçulmanos são originários de 49 países e 30% já são filhos de imigrantes com dupla nacionalidade. Dos atuais imigrantes residentes na Alemanha, quase metade são muçulmanos. Contrariamente ao acontece em outros países da Europa, eles se sentem respeitados em seus direitos, embora muitos residam em bairros onde a maioria é constituída por emigrantes de outros países. Há escolas onde a religião muçulmana é oficialmente colocada à disposição e livremente frequentada pelos alunos.

Em termos de prática religiosa, cerca de metade dos muçulmanos diz frequentar os atos religiosos habitualmente, tendo em conta que a Alemanha é o país europeu onde a grande maioria dos cidadãos se diz indiferente a qualquer religião. A maior mesquita, recentemente inaugurada na Alemanha, pode acolher 1500 fiéis, construída em três anos na cidade de Duisburg, perto da maior cidade industrial, Essen, com 10% dos habitantes constituída por imigrantes. Na mesma cidade foi construída uma igreja católica, logo após o Concílio Vaticano II, mas já vendida ao município e transformada em museu.

Na França, os muçulmanos são cada vez mais praticantes
"Hoje os muçulmanos são mais praticantes que há 20 anos", foi o título do jornal La Croix no primeiro dia do Ramadã, citando os resultados de um inquérito de 2011 demonstrando que 71% dos muçulmanos franceses jejuam o mês inteiro. "O número de seguidores do Ramadã aumentou muito, subiu 10 pontos em relação a 1989, data do primeiro inquérito realizado em França sobre o assunto. É o sinal mais geral do crescimento da prática religiosa no seio da população francesa muçulmana", explica o diário católico La Croix. A faixa dos 18 aos 24 anos é a mais assídua na prática entre os jovens (73%), mas também na frequência dos locais de culto, relata o jornal, que descreve uma comunidade francesa muçulmana "jovem" (62% têm menos de 35 anos) e tradicionalmente orientada à esquerda. "Mas, o recente debate em volta da identidade francesa acentuou a tendência quando, com razão ou sem ela, os muçulmanos sentiram que estavam a ser visados através do debate sobre a descriminação social", explica o diretor adjunto do instituto de inquéritos.

Há quem diga que o Islamismo é uma espinha no pé da Europa
Quando os políticos debatem as questões sociais, normalmente resvalam sobre aspetos culturais e grupos de emigrantes ou seus descendentes. Uns defendem a sociedade plenamente laica e outros se inclinam mais para o lado da tolerância.

Marek Magierowski é da opinião de que na França os muçulmanos são muitas vezes objeto de "estigmatização". Para protestar contra essa mentalidade, ele decidiu distribuir pelas ruas estrelas verdes para lembrar os símbolos que os judeus europeus eram obrigados a carregar durante a segunda guerra mundial.
Essa campanha, porém, foi vista pelo povo francês mais voltada contra si mesmo, sobretudo em alguns bairros de emigrantes algerianos e marroquinos.

Essa ideia de estigmatizar se mostra ridícula quando olhamos como os católicos foram ridicularizados às margens do rio Sena, junto da Catedral e Notre Dame, quando um grupo de ativistas gays organizou uma celebração matrimonial durante a qual o papa Bento XVI foi achincalhado e insultado.

Quando se discute sobre a sociedade laica, efetivamente se pensa no islamismo. É um debate que se estende por toda a Europa, sobretudo Itália, Holanda e Suécia. O que fazer quando comunidades muçulmanas organizam orações em público nos bairros onde moram? Nas cantinas das escolas seremos obrigados a colocar alimentos próprios? Teremos que fazer piscinas adequadas a seus hábitos? Há alunos muçulmanos de origem africana que protestam contra as explicações que os professores dão sobre o holocausto, que, segundo eles, é uma invenção sionista.

Para uns a discussão destes temas seria expressão de racismo. Mas, para os muçulmanos mais radicais isso é uma perseguição. E se nada se fala sobre o que vai acontecer daqui a dez anos quando alguns desses pensadores mais radicais conseguirem se eleger democraticamente? Ou talvez outros de extrema direita carregados de intolerância?

A tolerância não deve ser entendida como indiferença
O multiculturalismo, segundo alguns sociólogos, pode ser um fator de discórdia e de corrupção social. Mas o multiculturalismo não pode ser entendido apenas como um fator de pura tolerância. A segurança não pode ser fruto de intolerância com o diferente. A tolerância não pode conviver com o medo e a insegurança. A tolerância não é fator de disseminação de terrorismo. É necessário entender que a tolerância não é um valor passivo, atitude de indiferença perante o outro.

A tolerância é certamente um desafio e requer coragem, convicção e verdadeira paixão pela liberdade - características fundamentais da consciência moral pública e pessoalmente assumida.

A tolerância é um dos fundamentos da liberdade de consciência e do livre-arbítrio. Ela implica a não ingerência na vida interior do outro, na adesão a algumas crenças religiosas e opiniões. Enquanto ato pessoal não traz prejuízo a ninguém se não violar a autonomia moral dele. A tolerância não pode criar nenhum constrangimento ao próximo. Assim nem a política nem as leis devem interferir sobre as motivações que cada um tem para dar sentido à sua existência. Ninguém se deve sentir constrangido nem deve criar constrangimento a outro.
Espontaneamente não se consegue ser tolerante. É necessário fazer muito exercício pessoal e grupal para se habituar a escutar opiniões e experiências diferentes e se preparar para relativizar, sem descartar, suas próprias convicções. Tolerar sem descartar opiniões opostas é um desafio que exige um aperfeiçoamento das próprias convicções e uma sabedoria encantadora para poder arriscar. A tolerância dá oportunidade para o aperfeiçoamento da liberdade e da firmeza para seguir seus ideais pessoais e enriquecer a sociedade na busca da verdade graças ao confronto de ideias.

A confusão entre tolerância e aceitação de modos de vida diferentes
A pluriculturalidade muitas vezes pode ser entendida como simples aceitação de qualquer coisa ou de indiferença indulgente, desqualificando a diferença do modo de ver e de sentir do outro. A indiferença indulgente é uma forma de colocar acima de tudo a ausência de qualquer juízo ou confronto. A atitude de julgar, de confrontar, de avaliar são atributos essenciais de uma sociedade aberta e democrática. Quem se posiciona apenas na crítica ao outro pode estar apenas defendendo seus interesses para no fim se fixar na indiferença superficial ou evitar que o outro fale. O diálogo interrompe o caminhar para encontrar a verdade ou ajudar a construí-la.

Os princípios estão muito bem expressos na Declaração da Unesco sobre a tolerância: "A tolerância consiste no respeito, na aceitação e na valorização da riqueza, da diversidade das culturas no mundo atual, no modo de nos exprimirmos e revelar as qualidades como seres humanos". E continua dizendo que "a tolerância se revela como uma sensibilidade expansiva e difusa que oferece respeito incondicional pelos pontos de vista diferentes de cada cultura".

Na Alemanha se percebe uma tolerância mais silenciosa e com sinais de indiferença. Na França se percebe a existência de uma tolerância com mais expressões de conflito com possibilidade de maior integração, através da interação. Os extremismos e os radicalismos culturais ou religiosos são situações que atrasam o crescimento cultural e degradam os valores fundamentais da pessoa humana. As dimensões política e religiosa têm por obrigação criar modos de convivência onde essa integração seja progressiva, sem perda da própria originalidade. Tolerância e diálogo são grandes valores para superar a forte crise de valores que ameaça a estrutura da sociedade.

* Joaquim Gonçalves, imc, é diretor da Revista Missões.

Fonte: La Croix e Rheinische Post

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