Francisco, o papa tardio

Roberto Malvezzi (Gogó) *

Quando Francisco decidiu ir à Lampedusa - a ilha Italiana para onde migram os africanos que querem viver na Europa - apenas para celebrar um réquiem pelos mortos das travessias da África para a Europa, sem status de chefe de Estado, sem nenhuma autoridade europeia ou italiana por perto, estava comprovado que ele não veio para a mesmice. Ele vai a um lugar emblemático da crise humana contemporânea.

Todos os gestos e palavras desse Papa, entretanto, parecem ter chegado tarde demais, sobretudo para nós latino-americanos. O melhor de nossa Igreja, aquela intensa diáspora para as periferias acontecida na década de 70 e 80 do século passado, sofreu uma perseguição insana, numa articulação até hoje não muito clara entre os impérios do mundo e o Vaticano.

Quando certos escritores escreviam sobre as mundaneidades do Vaticano, ou no Vaticano, parecia mais fantasia que realidade. Mas, o enterro do mafioso Renatino no cemitério dedicado aos cardeais a troco de um milhão de euros, o suicídio de Roberto Calvi - presidente do banco Ambrosiano -, os escândalos no IOR, a recente prisão do Nunzio Scarano, nos colocam diante de fatos, não de imaginações. Portanto, é claro que o Vaticano ainda é considerado um espaço de influência global e que os poderes do mundo - inclusive o crime organizado - o disputam com toda ferocidade.

Claro que não deveríamos nos escandalizar, afinal, onde está o ser humano, está sua grandeza e miséria. Acontece que até pouco tempo a Igreja era a "sociedade perfeita", mesmo Agostinho já tendo declarado que ela era "santa e pecadora", portanto, cheia de defeitos como qualquer instituição humana. Francisco tem rosto humano, nele o reconhecimento dos próprios limites é uma força para os mais fracos. Ele não teme admitir os problemas graves do Vaticano.

A Igreja dos pobres e para os pobres, como quer Francisco, aquele que vai a Lampedusa, parecia ter ficado no passado, ainda que restasse sempre "uma semente nalgum canto de jardim". Ele parece extemporâneo. A América Latina parece ter chegado tarde demais a Roma. Mas, o que é justo tem sua própria força e os injustiçados existem aos bilhões. Além do mais, Deus tem seu próprio "time".

* Roberto Malvezzi (Gogó) é agente da CPT Bahia e assessor nacional da CPT.

Fonte: Roberto Malvezzi (Gogó) / Revista Missões

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